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Porrada faz cócegas. Medo de fortões do MMA é algo que mulher tira de letra

Felipe Pereira e Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

14/05/2015 12h01

Dor é sinal de perigo e sofrimento para todo mundo. Mas enquanto as pessoas fogem de um dos sentimentos mais traumáticos para o ser humano, alguns ‘malucos’ convivem com a dor por escolha própria. A rotina dos lutadores de MMA é levar várias doses diárias de socos, cotoveladas e pontapés sem nem se importar com isso.

De fato, eles não reclamam. Encaram o problema com naturalidade e se acostumaram a apanhar. Mas não são de ferro. Os fortões também têm alguma dorzinha que consideram insuportável e sucumbem diante de situações que até as mais sensíveis das mulheres tirariam de letra como depilação, injeção ou uma simples sessão de acupuntura.

“Quando vou ao médico digo que prefiro 30 socos na cara a enfiarem esse negócio em mim (agulha)”, conta o ex-campeão dos pesados Júnior Cigano que tem uma teoria interessante para justificar o seu ‘medo’. “Na luta existe a sensação de que eu posso me proteger, mas no consultório estou à mercê do médico e só posso aceitar as determinações dele”.

Ele não está sozinho. O também lutador do UFC Fábio Maldonado também tem pavor das agulhas específicas para tatuagens e se recusa a fazer uma simples depilação. “Para mim o pior é tatuagem e depilação. Está louco. Isso dói demais. Depilação eu fiz uma vez para lutar e nunca mais. Agora eu só raspo”, brinca.

Já Rodrigo Minotauro até hoje relembra com pavor do tratamento de acupuntura que sua mãe fazia. “A minha mãe fazia acupuntura. Eu não gostava de jeito nenhum, não gosto de agulha, aquela dor fina. Para mim é a pior”.

Isso não quer dizer que os lutadores não se importam com as pancadas em cada soco na cara que levam do adversário. A dor existe, mas durante as lutas outros fatores contam mais. O foco e a determinação em busca de um objetivo e a adrenalina do combate são capazes de fazê-los simplesmente ‘esquecer’ o sofrimento e seguir adiante rumo ao próximo golpe.

Prova disso é que eles são unânimes em dizer que o dia seguinte e o período de recuperação após as lutas são sempre os piores e mais dolorosos momentos.

“A gente tem que sabe conviver e superar. O lutador de MMA geralmente vai sentir aquela dor após a luta, depois que esfriou, depois de tomar um banho e chegar em casa, aí vai sentir a dor. Na luta tem aquela adrenalina do momento, você está muito focado, com vontade de vencer. A não ser que você quebre um osso ou algo assim”, conta Minotauro.

Por que eles resistem mais que você?

Mas por que eles têm uma resistência muito maior que as pessoas que não praticam a modalidade? A psicóloga do esporte Gabriela Gonçalves, especializada em dor, afirma que a preparação técnica, física e psicológica do atleta profissional faz com que ele desenvolva habilidades para se acostumar à dor. Com o passar do tempo, a tolerância aumenta.

“Há uma barreira psicológica criada a partir do foco na vitória, e a endorfina secretada pelo organismo faz a dor desaparecer na hora do combate. Funciona como um anestésico natural. Este estado de atenção prevalece e o lutador só toma consciência da dor ou ferimentos se algo muito grave acontecer. Um exemplo disso ocorreu quando Anderson silva quebrou a perna”, conta.

Gabriela Gonçalves também ressalta que aspectos culturais influenciam na intensidade do incômodo que uma pessoa sente. O ambiente do UFC, por exemplo, ajuda no aumento da tolerância à dor pela atenção especial dada à parte física e ao sacrifício individual.

Ângela Cortes é fisioterapeuta de estrelas como Minotauro e Anderson Silva e sabe bem como é cuidar das dores na recuperação das lutas. Ela ressalta que a melhor maneira de não sentir dor é fazer um trabalho de prevenção para um melhor equilíbrio muscular.

Mas Ângela concorda com Gabriela. “O atleta de alta performance tem um limiar de dor mais alto, ele tem uma resistência que pode ir além e um controle maior do próprio corpo. O cérebro se adapta a situações. Se o atleta sofre muitos golpes, com a repetição, o cérebro vai se adaptando e o corpo passa a interpretar como uma nova condição. O Minotauro, por exemplo, tem uma resistência à dor que ultrapassa limites.”

Para ela, a dor é uma questão individual e difícil de ser medida. “A dor é muito subjetiva, complexa, não consegue medir. Tem fatores físicos, psicológicos, biológicos, emocionais, sociais. E varia muito de pessoa para pessoa. Tem gente que tem uma capacidade enorme de voltar ao normal ao normal diante das piores situações. E tem gente que tem uma lesão pequena e sofre muito mais do que deveria”.

Quando eles se curvam à dor

Apesar de tanta resiliência, algumas situações fazem o lutador chegar ao limite de sua resistência nas lutas. Nesse momento, ele deixa de ser o super-homem, perde o foco e se curva ao sofrimento. Um dos exemplos foi quando Anderson Silva quebrou a perna no confronto contra Chris Weidman, no UFC 168, em dezembro de 2013.

Minotauro também sabe bem o que é enfrentar o limite da dor no octógono. No UFC 140, em 2011, Minotauro preferiu encarar o risco até as últimas consequências a aceitar uma derrota. Ele se negou a bater e desistir da luta contra Frank Mir e acabou sofrendo uma fratura no braço.

“Eu tive muito foco, achei que pudesse sair daquela situação até o fim, empurrei para cima e ele fez pressão ao contrário. Na hora não senti a dor, mas quando cheguei ao hospital, o médico tentou um tratamento conservador e colocar o braço no lugar sem cirurgia. Mas não estava bem encaixado e eu decidi fazer a cirurgia, foram 14 parafusos no braço. Senti uma dor forte, mas depois o corpo acostumou”, contou ele.

Já Cigano vivei uma situação cruel para qualquer homem. Ele lembra que o combate contra Mirko Cro Cop, no UFC 103, ainda em 2009, foi o mais nervoso da vida por enfrentar um ídolo. Na metade do segundo round, Cigano foi atingido por um chute na coquilha, equipamento que protege a região genital.

O lutador caiu no chão sentindo uma dor nunca antes experimentada e teve até vontade de vomitar. Chegou com muito esforço no corner. O técnico de boxe Luiz Dórea reagiu com tanta veemência afirmando que não estava doendo que o adversário estava cansado e acertou o golpe de propósito para ganhar tempo para respirar. Foi aí que o estado de espírito mudou na hora.

Ele voltou para o combate e venceu no terceiro round. Quando chegou no vestiário descobriu que o chute foi tão forte que a coquilha rachou. Mais uma hora se passou e mão começou a inchar por tantos golpes desferidos. Cigano não conseguia nem fechar as mãos.