Topo

MMA


UFC Belém: jiu-jítsu brasileiro nasceu em teatro ao lado de velho cemitério

Teatro da Paz, em Belém, foi onde Carlos Gracie conheceu o judô - THIAGO ARAÚJO/Arquivo Agência Pará
Teatro da Paz, em Belém, foi onde Carlos Gracie conheceu o judô Imagem: THIAGO ARAÚJO/Arquivo Agência Pará

Adriano Wilkson

Do UOL, em Belém

03/02/2018 04h00

A passagem do UFC por Belém ajuda a desvelar uma história pouco conhecida sobre o nascimento de uma importante arte marcial no país. O jiu-jitsu brasileiro começou a surgir no princípio do século 20, no mais conhecido teatro da cidade, o Teatro da Paz, instalado no coração da praça da República.

Foi lá que o jovem Carlos Gracie conheceu o japonês Mitsuyo Maeda, apelidado de Code Koma, um lutador de judô que morava na cidade e fazia apresentações da luta tradicional de seu país. Os Gracie, uma família com ascendência escocesa, tinham chegado a Belém para tentar surfar na onda da borracha que movimentou a economia da Amazônia na virada do século.

Ao conhecer o judô, Carlos virou discípulo de Maeda, que tinha instalado uma academia na sede do clube do Remo. O judô transformou o menino brigão em atleta disciplinado. Quando os Gracie se mudaram para o Rio de Janeiro, ele (ao lado do irmão Hélio) começou a desenvolver as técnicas que virariam o jiu-jítsu brasileiro.

Retrato Maeda - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

Belém é uma cidade fascinada por lutas, mas poucos aqui sabem que o Teatro da Paz, construído em 1878, foi palco também de demonstrações de artes marciais. Ao longo da história, recebeu diversas manifestações artísticas, da ópera aos bailes de carnaval.

Hoje a praça que o cerca enche os olhos dos turistas. Com suas árvores frondosas e seus simpáticos coretos, tornou-se o principal ponto de encontro e de passeio de famílias aos domingos.

Mas o local tem uma história curiosa: aquele terreno já abrigou um cemitério sem grades para gente pobre e escravizada, que não podia competir por espaço com os mortos abastados enterrados no necrópole da Soledade, erguida a alguns metros dali.

Anos mais tarde, o terreno abrigaria um depósito de armas, razão pela qual passou a ser conhecido como largo da Pólvora. Quando o Império caiu, a praça passou a homenagear o novo sistema e ganhou bustos e estátuas em memória dos bastiões da República.

Depois que seus planos de enriquecimento não deram certo, os Gracie seguiram a vida no Rio. Os irmãos Carlos e Hélio fundaram academias e começaram a difundir as técnicas desenvolvidas a partir dos ensinamentos de Maeda. Seus lendários desafios a praticantes de outras artes os fizeram conhecidos e eles conseguiram provar para muita gente que o jiu-jítsu era a arte capaz de submeter todas as outras.

A criação do antigo vale-tudo, do MMA e do UFC se explica muito por esse senso de competição entre lutadores de estilos diferentes. Um dos fundadores da maior organização de MMA do mundo é Rorion Gracie, filho de Hélio e sobrinho de Carlos. Na última sexta-feira (2), a comentarista Kyra Gracie foi homenageada na Câmara Municipal de Belém, que marcou uma solenidade em lembrança da passagem da família pela cidade.

Maeda - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
Casa de Mitsuyo Maeda, em Belém
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

A história de Maeda continuou na capital paraense. Além de formar algumas gerações de judocas locais, o japonês se tornou uma espécie de cônsul honorário na cidade, ajudando imigrantes conterrâneos a se estabelecer em uma das maiores colônias nipônicas no Brasil.

A casa onde ele viveu com a esposa americana fica no meio de uma pacata vila, a dez minutos a pé do hotel onde os lutadores do UFC estão hospedados. Conserva muito de seu aspecto original: na fachada ainda estão visíveis duas letras M, as iniciais do antigo lutador.

O homem que trouxe o judô ao Brasil e marcou seu nome da história das artes marciais no país morreu em 1941, aos 63 anos. Seus restos mortais estão em um tradicional cemitério da cidade.

O UFC Belém começa neste sábado às 22h (de Brasília).