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Réu por agredir a noiva, lutador dá aula de MMA para mulheres

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

23/04/2018 04h00

Na semana passada, o lutador Marlon Sandro postou a seguinte foto em seu perfil no Instagram:

Marlon na praia Insta - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

A imagem rapidamente começou a circular em grupos no Whatsapp sobre artes marciais. Marlon é conhecido no meio das lutas. Ele já foi contratado do Bellator, uma das maiores organizações do esporte do mundo, e até deu aula para o antigo campeão do UFC José Aldo.

Em dezembro do ano passado, Marlon agrediu a então noiva, a publicitária Tayssa Madeira. De acordo com um boletim de ocorrência registrado na época, Marlon lhe deu socos e chutes em via pública e a fez desmaiar com um mata-leão.

Tayssa Madeira - Reprodução - Reprodução
Tayssa Madeira mostra lesões no olho após briga com Marlon Sandro
Imagem: Reprodução

Quando as fotos de Tayssa machucada foram postadas na internet, a delegada Gabriela Von Beauvois decidiu investigar o caso. Marlon admitiu a agressão e acabou afastado da Nova União, equipe carioca na qual dava aulas. Ele chegou a divulgar um vídeo pedindo desculpas e dizendo que queria mudar.

Mas logo depois outra agressão a Tayssa veio à tona. No Carnaval, Marlon entrou no apartamento em que morava com Tayssa e, segundo ela, a ameaçou com uma faca. Em seu depoimento à polícia, a publicitária disse que Marlon tentou sufocá-la com um travesseiro e ameaçou matá-la caso ela falasse alguma coisa.

Print da faca - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O lutador nega essa versão e diz que houve uma briga na qual ele “passou dos limites”.

A polícia concluiu o inquérito da primeira agressão, e o Ministério Público denunciou o lutador por lesão corporal com base na lei Maria da Penha. A Justiça aceitou a denúncia, tornando Marlon Sandro réu.

Réu primário, ele tem o direito de responder em liberdade. Na semana passada, anunciou que estava começando a dar aulas de MMA para mulheres, na praia do Flamengo.

Em entrevista ao UOL Esporte, Marlon disse que depois dos “problemas” que teve com sua ex-noiva, se viu em dificuldades financeiras e seguiu um conselho de uma amiga para se dedicar ao MMA feminino. Ele já tem quatro alunas (três advogadas e uma arquiteta), que se encontram com ele na praia para aprender técnicas de lutas em pé. O objetivo delas é emagrecer, mas, ao menos uma, não descarta participar de competições. Disse Marlon Sandro:

Estou tendo a minha redenção. Todo mundo tem o direito de ter uma redenção. Tem gente que erra e continua insistindo no erro. Eu faço tratamento com psicoterapeuta, tomo remédio e estou tentando melhorar. Tenho consciência das coisas que eu fiz no meu passado, muita coisa me prejudicou. Elas [as alunas] não me apoiam pelo que fiz, mas estão me dando a oportunidade de mudar."

Telefonei então a uma das alunas de Marlon. Ela disse que já conhecia o trabalho do lutador desde a época da Nova União e que se sensibilizou com um post no Instagram no qual Marlon pedia uma oportunidade de trabalho.

Ela contou que, no primeiro dia de aula, o lutador comentou rapidamente sobre o problema que tinha tido com sua ex-noiva, pediu desculpas e não tocou mais no assunto. A aluna também elogiou o profissionalismo de Marlon e a qualidade de seu treino.

marlons e Tayssa - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Logo em seguida, telefonei a Tayssa Madeira, a ex-noiva de Marlon. Protocolarmente, perguntei se estava tudo bem.

“Como pode estar tudo bem?”, respondeu ela.

Tayssa disse que se sentia frustrada com o fato de Marlon estar seguindo a vida depois de tê-la agredido duas vezes enquanto ela se sente presa em casa. Disse que tem medo de sair na rua porque se sente perseguida. Que amigos de Marlon o informam sobre as movimentações dela. Que não pode frequentar a praia que sempre frequentou porque agora ele está dando aula lá. Disse Tayssa:

Na maior ironia que eu já consegui imaginar, ele está dando aula de boxe pra mulheres! Tem ironia maior do que ele ensinar mulheres a lutar? Me arrependo de eu não ter feito essas aulas... Quem sabe eu pudesse me defender quando ele me atacou? Todo mundo fala para eu esquecer, pensar em mim. Mas como? Isso que ele fez prejudicou minha carreira, meu trabalho. Eu tive que sair de licença três vezes. Não durmo, tomo remédio, não tenho uma rotina, fico me escondendo...”

A principal frustração de Tayssa, disse ela, é com as mulheres que aceitaram ser treinadas por Marlon. Ela disse não conseguir entender como essas mulheres não sentem empatia pelo sofrimento dela.

“O que essas meninas estão pensando?”, perguntou a publicitária. “As mulheres têm que se escutar um pouco. Ele só está dando aula para mulheres porque têm mulheres dispostas a ter aula com alguém como ele. Eu não fui a única vítima e não fui a última. As mulheres continuam indo atrás e achando que com elas vai ser diferente.”

Tayssa Madeira hoje - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Diante dessa declaração, telefonei novamente à aluna de Marlon para saber se ela tinha algum comentário em relação ao que disse Tayssa. A aluna respondeu que ela não gostaria de comentar a vida pessoal de seu professor e que isso era um assunto a ser tratado pelos dois.

Logo em seguida, Marlon Sandro me mandou uma mensagem pelo Whatsapp pedindo para eu não citar o nome de sua aluna na matéria. Telefonei à aluna, que reiterou o pedido. Ela disse que estava refletindo sobre o assunto e preferiu não se expor porque a associação de seu nome a um caso de violência conjugal poderia prejudicá-la profissionalmente.

Sob a condição de não ser identificada, ela fez uma ponderação sobre o caso. Disse que é obviamente contra qualquer tipo de violência contra mulheres, mas que Tayssa deveria tentar superar o ex-noivo e deixá-lo seguir a vida. Que a situação financeira de Marlon é difícil e que ele precisa trabalhar para se sustentar. Que o lutador deve responder pelo que fez na Justiça, mas enquanto está em liberdade, tem o direito de trabalhar no que quiser, inclusive dando aula de MMA para mulheres.

Marlon enviou outra mensagem, agora dizendo que não queria vincular seu nome ao de Tayssa, sua ex-noiva. “Lógico que aconteceu algo no meu passado”, escreveu ele e depois: “Tayssa é passado. Quero viver, seguir em frente.”

marlon Sandro posada - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Escrevi que não seria possível escrever uma reportagem sobre ele sem explicar sua relação com Tayssa. Telefonei para explicar melhor.

Ao atender a ligação, Marlon parecia estar chorando. Disse que tomava remédios que o deixavam meio “triste”. Disse que, com as aulas na praia, só tentava encontrar uma forma de ganhar a vida, que precisava trabalhar porque seus dois filhos não tinham dinheiro para comprar roupas e chinelos. Mas que agora já pensava em desistir das aulas para não prejudicar suas alunas.

Afirmou que nunca perseguiu a ex-noiva e que cumpre todas as medidas protetivas que a Justiça lhe impôs (o que Tayssa confirma). Perguntou o que Tayssa queria que ele fizesse e disse que já havia sugerido pedir para ser preso caso isso satisfizesse a ex-noiva. Também fez muitas críticas ao comportamento dela depois do término.

Muito emocionado, disse que não poder trabalhar já o tinha levado a tentar o suicídio.

O que Tayssa acha de tudo isso

Quando procurei Tayssa novamente, informei que Marlon estava cogitando abandonar as aulas de MMA para mulheres. Ela disse torcer para que isso de fato aconteça. Afirmou que não deseja que o lutador seja preso, mas que se sente ofendida com o fato de um agressor de mulheres estar dando aula para mulheres. Também criticou o desejo que Marlon tem de criar uma organização de MMA feminino “para dar chances de lutas a mulheres”, segundo ele.

Na conversa, a publicitária deixou claro que sua indignação é menos pelo que aconteceu com ela e mais com a reação pública ao que Marlon fez:

Ele não errou como está dizendo. Ele cometeu crimes, e as pessoas estão passando a mão na cabeça de um bandido.”

Tayssa se sente desamparada por quem deveria apoiá-la. Contou que recebeu a solidariedade de José Aldo, antigo colega de equipe de Marlon e para quem já trabalhou como tradutora, e de Maurício Facção, um lutador mineiro, além de Dedé Pederneiras, o dono da Nova União. E de mais ninguém do MMA.

Quando mencionei o choro de Marlon, a publicitária disse que não se surpreendia: “Ele vem tentando sensibilizar os fãs dizendo que é do morro, que precisa trabalhar. Eu também preciso trabalhar, também tenho filho para criar. Quem se sensibiliza comigo?” No final da conversa, ela também chorou.

Tayssa Madeira está participando de um grupo de apoio a mulheres que sofreram agressões. Nas sessões, as mulheres contam suas histórias e trocam solidariedade. A publicitária pretende criar um serviço aberto a mulheres vítimas de relacionamentos abusivos aonde elas possam buscar apoio com psicólogas e psicanalistas.