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Como uma derrota avassaladora fez Jessica Bata-Estaca virar estrela do UFC

Joanna Jedrzejczyk acerta soco no rosto em Jessica Andrade, no UFC 211 - Josh Hedges/Zuffa LLC via Getty Images
Joanna Jedrzejczyk acerta soco no rosto em Jessica Andrade, no UFC 211 Imagem: Josh Hedges/Zuffa LLC via Getty Images

Brunno Carvalho

Do UOL, em São Paulo

09/11/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Brasileira perdeu todos os rounds contra Joanna Jedrzejczyk em 2017
  • Em três anos, Jessica se tornou campeã e venceu em três categorias diferentes
  • Plano da equipe dela é alcançar o auge em três anos

Era madrugada do dia 14 de maio de 2017, e a imprensa esperava o início da entrevista coletiva em Dallas, nos Estados Unidos, quando Jessica Andrade encontrou seu treinador Gilliard Paraná nos corredores do American Airlines Center. O abraço apertado, seguido de um "lutou para car...", contrastava com o resultado do combate contra Joanna Jedrzejczyk pouco mais de duas horas antes. A brasileira havia sido dominada pela polonesa e perdido a chance de conquistar o cinturão dos palhas do UFC. Ainda assim, ela e a equipe estavam felizes.

"Só de chegar na disputa daquele cinturão a gente já fez um milagre", explica Gilliard Paraná. "A Jessica ainda não estava no nível máximo e conseguiu fazer cinco rounds contra a imbatível Joanna — e eu ainda acho que a gente ganhou o último round".

No duelo, ficou clara a superioridade de Joanna. A polonesa dominou o combate e acertou 225 golpes significativos na brasileira ao longo dos cinco rounds, contra 83 de Jessica. Apesar disso, a "Bate-Estaca" impressionou ao conseguir derrubar duas vezes a rival, mesmo sofrendo para equilibrar a luta.

Joanna realmente era imbatível naquela época. A vitória sobre Jessica fora a 14ª consecutiva de uma carreira ainda invicta. Depois de lá, no entanto, a polonesa perdeu quatro das seis lutas que fez. Já Jessica seguiu o caminho oposto: cinco vitórias em sete lutas e a conquista do cinturão no peso palha. E, embora não tenha mais o título, a brasileira é uma das estrelas da organização.

A luta contra Joanna, apesar de valer o cinturão, era tratada como uma etapa a ser superada na evolução de Jessica. Claro que a equipe queria o título, mas todos sabiam que a tarefa era quase impossível.

"A Jessica fez o caminho inverso das outras atletas. Todo mundo entra no UFC já muito graduado, mas ela ainda era faixa azul de jiu-jitsu [segundo nível] e ponta vermelha [segundo nível] no muay-thai. Ela entrou muito crua e muito nova. Tudo que aprendeu foi dentro da organização já. A evolução dela é tão clara porque ela ainda está aprendendo a lutar", explica o treinador.

Jessica tinha apenas dois anos como profissional de MMA, lutando em torneios menores e alcançando um cartel de nove vitórias e apenas duas derrotas, quando foi contratada pelo UFC em 2013. O grande desafio em uma entrada tão precoce era evoluir em um espaço curto para evitar uma demissão se uma sequência ruim de resultados aparecesse pelo caminho.

"Mesmo eu não sendo tão graduada nem tão boa quanto as outras fisicamente, eu consegui chegar lá e ganhar das meninas que eram muito mais técnicas do que eu, que já tinham muito mais anos de treino de luta na vida e na carreira. Acho que nasci para fazer isso, não tinha outra explicação, porque chegar crua, sem saber nada, e conseguir evoluir dentro da organização, dentro do maior evento do mundo, isso é para poucos", avalia Jessica.

Mais dois anos para chegar no auge

Jessica e Gilliard afirmam que a evolução dela ainda está acontecendo. Mesmo assim, o nome da brasileira já entrou para a história do UFC. Ao bater a norte-americana Katlyn Chookagian no último dia 17 de outubro, ela se tornou a primeira lutadora a vencer em três categorias diferentes da organização: palha, mosca e galo. Aos 29 anos, ela aparece como desafiante ao cinturão dos palhas, que já foi dela, e dos moscas, que pertence a Valentina Shevchenko.

Jéssica Andrade, durante treino na PRVT - Buda Mendes/Getty Images - Buda Mendes/Getty Images
Jéssica Andrade, durante treino na PRVT
Imagem: Buda Mendes/Getty Images

"Ainda faltam alguns anos de treino. A gente não viu o melhor da Jessica Andrade ainda. Imagino que teremos o melhor dela quando chegar aos 30 ou 31 anos", aposta Gilliard Paraná.

Desde que perdeu para Joanna, Jessica percebeu algumas evoluções em seu jogo, o que incluiu perder certos medos. "Eu tinha receio de chutar e a minha adversária colocar um soco e me nocautear. Sei que tenho um queixo muito forte, mas não posso dar sopa para o azar. Mas, conforme fui pegando confiança em chutar e sair dos golpes, isso foi ficando mais fácil. Hoje não tenho mais medo", analisou.

No caminho da evolução, Jessica pretende adicionar uma nova técnica ao seu jogo: as cotoveladas. Foi justamente esse golpe que fez com que ela perdesse o cinturão para a chinesa Weili Zhang, em agosto de 2019. Na ocasião, a chinesa aplicou cinco cotoveladas — algumas na nuca, o que é ilegal — antes de nocautear a brasileira.

"Ainda tenho algumas coisas a melhorar, como a minha esquiva. Tenho que manter a guarda mais alta, melhorar a colocação dos chutes e do cotovelo, que quase não coloco nas lutas. Eu tenho certeza que nos próximos anos, eu vou conseguir colocar isso em prática e vai ser uma Jessica cada vez melhor".

Weili Zhang acerta cotovelada em Jessica Andrade, durante luta de cinturão no UFC - Brandon Magnus/Zuffa LLC - Brandon Magnus/Zuffa LLC
Weili Zhang acerta cotovelada em Jessica Andrade
Imagem: Brandon Magnus/Zuffa LLC

Se a derrota para Joanna estava dentro do processo de evolução, a perda do cinturão para a chinesa pegou a equipe da brasileira de surpresa. "A gente não estava esperando de jeito nenhum. Eu tinha certeza de que ela iria espancar a Zhang. Era para ser uma campeã muito forte e difícil de se tirar do trono", diz Paraná.

O revés veio em um momento complicado para Jessica. A brasileira disse ter ficado sentida ao ler comentários que atribuíam sua conquista de cinturão à "sorte", depois de nocautear Rose Namajunas com o golpe incorporado ao seu nome, o bate-estaca.

"Nessa época que lutei com a Zhang não estava 100% de mim, não queria treinar mais direito, não queria perder peso. Foi uma fase meio ruim na minha carreira. Depois dessa derrota eu falei: 'cara, tenho que levantar minha cabeça, tenho que entender que essa profissão é assim. É minha vida, eu tenho que fazer isso direito, tenho que ser feliz fazendo isso'. E aí tudo mudou", explicou Jessica.

Técnica é bom, mas explosão é melhor

Jessica Andrade parte para cima de Katlyn Chookagian, em luta no UFC - Josh Hedges/Zuffa LLC via Getty Images - Josh Hedges/Zuffa LLC via Getty Images
Jessica Andrade parte para cima de Katlyn Chookagian
Imagem: Josh Hedges/Zuffa LLC via Getty Images

Os planos de evolução de Jessica são tratados como uma opção, na visão de Gilliard Paraná. O treinador prefere que sua pupila aposte mais no estilo explosivo que a consagrou do que em um jogo tático que pode desagradar ao público.

"O nosso projeto é ela aprender todas as técnicas possíveis, mas não perder o que a trouxe até aqui, que é a agressividade e a pancadaria. Quando você trabalha menos golpes, se movimenta mais. Isso todo mundo faz. Agora, o que ninguém faz é o jogo da Jessica. Onde ela pode surpreender todo mundo e fazer história é no jogo dela. A minha meta é realmente que ela seja sempre ser agressiva, vá para o pau, com cada vez mais técnica. Mas a gente não pode perder a agressividade para ficar mais técnica. Eu prefiro que não tenha técnica e tenha agressividade, que é isso que o povo quer ver, a gente vende, isso que é o diferencial dela", disse o treinador.

Jessica agora aguarda para saber qual será seu próximo desafio. Depois de fazer história, a ideia da equipe é deixá-la à disposição para qualquer uma das divisões. "Para o palha a gente precisa de algum tempo de preparação, mas no mosca e no galo ela luta a qualquer hora", completou Paraná.