Aposentada, Joanna Maranhão diz ter mais tempo para falar sobre abusos
Joanna Maranhão se aposentou das competições de natação em 2018. Hoje, aos 31 anos, pode se dedicar a outra questão que impactou sua vida: o abuso sexual.
Em entrevista exibida ontem no programa Altas Horas, da Rede Globo, Joanna afirmou que tem conseguido dedicar mais tempo à sua ONG, a Infância Livre, desde que deixou as piscinas. Por isso, tem viajado por todo o Brasil para falar do abuso contra crianças - crime do qual ela também foi vítima durante a infância.
"Estou tendo mais tempo de fazer mais palestras, estou rodando o Brasil inteiro. Antes, com tanto treino, eu não conseguia", contou. Segundo ela, quase 70% dos abusos contra crianças acontecem dentro de casa; por isso, é importante educar crianças as respeito e falar abertamente sobre o tema.
"É super importante que a gente não exima a escola desse papel fundamental de educar. A escola e a família, são esses dois pilares que têm que falar com essas crianças. Isso não é incentivar a sexualidade de uma criança. A criança, quando sofre abuso e consegue verbalizar isso, tem estudos que mostram que ela tem muito menos trauma. Eu tomei remédio por quase 16 anos, tentei suicídio duas vezes. Temos que pensar em todas essas nuances", disse ela.
"Se a gente for para essa Justiça punitiva - que precisa existir, porque (o abuso) é um crime -, a gente se sente muito impotente. E eu fui com uma criança estuprada, de cinco anos, hímen rompido, com DST, e ela demorou um mês para falar quem foi. E eu não consegui fazer com que o abusador fosse preso. Às vezes, não depende da gente. Eu entendi que teria que dar a ela um suporte para ela viver em equilíbrio", declarou também.
Caso de Joanna Maranhão virou lei
Diante da plateia presente no programa, Joanna relembrou sua própria história. E destacou também a importância do diálogo em casa.
"Eu tive um treinador que começou a me dar treino no ano de 1995. E sempre me fez com que eu me sentisse muito especial - eu já tinha talento, era a menina mais prodígio. Aquela relação de dependência, de poder, foi estabelecida. Eu tinha oito anos quando comecei a treinar com ele. No final do ano, ele foi demitido e eu falei para minha mãe que queria seguir para onde ele fosse. Até que um dia acabou o treino, todo mundo sai da água, só fica a Joanna, e ele coloca a mão dentro do meu maiô. Eu achei estranho. Não tinha tido esse diálogo em casa, até que percebi que tinha que fugir dele. Parar de nadar não era uma opção. Então falei para minha mãe para trocar de escola, de clube. Fui seguindo a minha vida sem saber a gravidade do que eu tinha passado", contou.
"Quando fui para uma terapia, me dei o o direito de verbalizar, de me libertar da culpa. Me sentia culpada suja. Foi para minha terapeuta, minha família, meu ex-marido (Rafael), para o pessoal da seleção. E eu trouxe isso a público, sem ter ideia dos desdobramentos disso. Faz 11 anos", completou.
O caso de Joanna acabou mudando a legislação. Em vigor desde 2012, a chamada Lei Joanna Maranhão determina que o prazo de prescrição de crimes sexuais contra menores de idade só começa a contar quando elas completam 18 anos. Além disso, determina que crimes com maior gravidade terão prazo de 20 anos a partir da maioridade da vítima para que sejam feitas as denúncias.
"Quando eu trouxe minha história à tona, eu fui processada por ele (técnico). Tinha 21 anos e o crime tinha prescrito. Até então, a legislação dizia que, quando a vítima fazia 18 anos, o crime prescrevia. Não faz o menor sentido - a vítima, principalmente criança, não sabe o que é, só fala o que é na maturidade", lembrou a ex-nadadora, indo além.
"O abuso é colocado onde existe relação de poder. Em uma sociedade sexista, machista, patriarcal, a gente tem muitas mais mulheres vítimas do que homens. Mas no meu trabalho, eu procuro não fazer esse recorte. Meninos também são abusados. Em escolinhas de futebol, a gente vê muito isso. É importante a gente falar isso", declarou.
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