Imagine o pesadelo: um presidente é afastado, mas continua no cargo. A Justiça determina que ele saia, mas ele volta. Uma eleição é convocada, menos de 10% dos eleitores o apoiam, mas os adversários são impedidos de se candidatarem. Quando as coisas parecem melhorar, a muito custo, ele consegue influenciar o tribunal eleitoral a ignorar as provas contra si, permitir sua candidatura, e bloquear a oposição sem argumentos sólidos. O último mandato venceu há 13 meses, mas ele segue no cargo. Desesperador, né? É o que está acontecendo no surfe brasileiro. Quase ninguém na modalidade no Brasil quer que Adalvo Argolo continue como presidente da Confederação Brasileira de Surfe (CBSurf), mas parece que não há nada que funcione para tirá-lo da cadeira, onde está sentado há 11 anos. A CBSurf foi fundada em 1998, mas até 2016 ela era amadora e irrelevante para o surfe profissional. O cenário mudou com a entrada do esporte no programa olímpico e da confederação na divisão dos recursos da Loterias. Quem gere recursos públicos precisa ter responsabilidade e prestar contas, o que federações e atletas dizem que Adalvo não faz. Em 2018, revelei que ele usava verba pública para alugar imóvel em nome da esposa. Deste então a crise foi aumentando. Adalvo chegou a ser afastado, conseguiu na Justiça o direito de voltar, e passou a usar das mais diversas artimanhas para ficar no poder. Em 2020, contei que seus opositores não conseguiram inscrever chapa porque um endereço falso foi indicado como local de inscrição. Ele até organizou uma eleição de mentirinha, sem a oposição, foi reeleito, mas o pleito anulado pela Justiça, que exigiu que antes fosse feita uma eleição para comissão de atletas. Com mandato vencido, mas sem outra pessoa eleita a quem passar o cargo, Adalvo enrolou o quanto pôde. Para se ter noção do nível das manobras, um trecho de uma sentença de uma juíza que antes havia dado uma decisão favorável a ele. "Vistos a má-fé da autora [a confederação] resta evidente e causa espanto ao juízo, mesmo após mais de vinte anos de judicatura". Obrigado pela Justiça, chamou eleição para comissão de atletas, e depois, para a própria presidência da CBSurfe, enfim. E aí a surpresa — ou não. A comissão eleitoral, com advogados indicados pelo jurídico indicado por Adalvo, decidiu que o presidente não teve 'má-fé' ao não prestar contas anuais, como manda o estatuto, nem em alugar um imóvel da própria esposa. Mas impugnou a chapa de oposição, do ídolo Teco Padaratz, com a alegação de que ele difundiu notícias falsas envolvendo a confederação. Hoje, o cenário é que quase todas as federações (exceto Bahia e Pará) e os atletas não querem Adalvo, mas só há dois candidatos aptos na eleição: ele e Marcelo Barros, também da Bahia, seu aliado, e que parece ser candidato só para dar a impressão de haver democracia no surfe. Por causa dessa crise toda, a CBSurf não recebe mais dinheiro público. Por má gestão, não organiza campeonatos com regularidade. Diferente da CBSk, do skate, que montou uma seleção e faz a modalidade melhorar no Brasil, no surfe não há comissão técnica, não há projeto. Gabriel Medina só quis levar Yasmin Brunet como parte da equipe em Tóquio porque a própria CBSurf não indicou ninguém. Um técnico, um médico, um fisioterapeuta. Nada. Para não dizer que não faz nada pelo surfe, Adalvo organizou uma excursão para El Salvador, para os ISA Games, em maio. Alugou uma casa para os surfistas brasileiros, que foram embora depois da primeira rodada. Ele ficou, postando no Instagram da confederação que iria "tirando proveito da excelente estrutura física e de serviços montada para esta missão". Medina, Ítalo e outros que fazem o surfe brasileiro ser potência até dizem serem contra Adalvo quando perguntados, mas fazem muito pouco para tirá-lo de lá. Não se envolvem. Dão orgulho ao país na água enquanto, fora dela, a gestão da modalidade é uma vergonha, um exemplo de tudo de ruim que existe no esporte brasileiro e das razões de haver tão poucas empresas dispostas a colocar dinheiro em confederações. PUBLICIDADE | | |