O ideal seria a seleção brasileira feminina de basquete ter aproveitado uma rara "janela Fiba" em novembro para reunir o elenco por uma semana, talvez fazer amistosos, ganhar ritmo para o torneio Pré-Mundial disputado na semana retrasada. Mas o basquete brasileiro, especialmente o feminino, vive um cenário muito longe do ideal. Desentrosado, o time que treinou completo só dois dias antes do evento qualificatório, perdeu seus três jogos e não vai ao Mundial pela segunda edição seguida. "Ou a gente treina, ou a gente joga", resume a ex-campeã mundial Magic Paula, hoje vice-presidente da CBB, e responsável pelo basquete feminino na entidade. O cobertor é curto, e existe a obrigação de cobrir a ida a competições de base - quando deixou de ir a esses eventos, o Brasil foi suspenso pela Fiba. Já era reflexo de uma engrenagem que esmaga o basquete brasileiro. Sem dinheiro para o básico, a seleção não evolui o suficiente, sequer vai a Mundial ou Olimpíada, e passa a receber ainda menos dinheiro, já que o desempenho nesses eventos é critério para o COB repassar mais ou menos verbas da Lei Piva. Em popularidade, o basquete pode ser equiparado, no Brasil, ao vôlei. Mas, em verbas, o basquete está mais perto do hóquei sobre a grama. Em 2022, a CBB terá direito a R$ 3,6 milhões da Lei Piva, só R$ 200 mil a menos que o hóquei. O vôlei receberá mais de R$ 8 milhões. A CBB até tem algum pouco dinheiro privado, mas que está sempre sob risco de ser tomado na Justiça por algum credor. Para fazer o mínimo, a entidade precisaria de R$ 10 milhões/ano, mas não tem nem metade disso. Para muitos, a CBB só não quebrou até aqui porque o presidente Guy Peixoto, empresário do setor logístico, coloca dinheiro próprio e virou mecenas da entidade. Com orçamento apertadíssimo, ninguém na comissão técnica tem salário, trabalhando voluntariamente. O técnico José Neto, que trabalha paralelamente em uma equipe de Angola, só recebe diárias quando está com a seleção. Pela desvalorização do Real e a exigência de testes de covid, as viagens estão mais caras. Só a ida ao Pré-Mundial consumiu 15% do orçamento do ano. O cenário internacional do basquete feminino torna tudo ainda mais difícil. Se no masculino o Mundial foi ampliado de 24 para 32 times, com eliminatórias semelhantes às do futebol, no feminino o evento foi reduzido de 16 para 12 equipes, com um Pré-Mundial de quatro dias, prejudicando países em desenvolvimento. Com Brasil, Porto Rico e Mali eliminados, o "Mundial" (entre aspas mesmo) não terá times da América Latina ou da África. Além disso, como há menos dinheiro circulando, menos clubes e menos patrocinadores, as jogadoras têm que fazer jornada dupla, atuando em duas ligas em um ano, uma depois da outra. No Brasil, a LBF dura só de março a agosto, o que faz a temporada ter só seis meses de salário, que raramente superam R$ 10 mil. A solução para muitas é jogar na periférica liga de Portugal. A LBF tem apenas 10 times e uma segunda divisão, ainda incipiente, semi-amadora, foi criada só no ano passado. Os grandes clubes sociais, como Pinheiros, Minas Tênis Clube e Flamengo, que se orgulham de serem parte da história do basquete brasileiro, não têm times femininos nem na base. É como se "basquete" e "basquete masculino" fossem sinônimos. Historicamente o feminino acontece principalmente no interior de São Paulo, mas o último Campeonato Paulista Sub-19 teve apenas três equipes. Como não forma e não treina, o Brasil foi último colocado no Mundial Sub-19 do ano passado, com direito a derrota por 83 a 22 para a Espanha. No Sub-17, a seleção nem vai ao Mundial deste ano porque foi só sexta na última Copa América. A esperança está nos EUA. Sem clubes por aqui, as melhores brasileiras da base têm ido jogar no sistema escolar americano (já são mais de 50 garotas por lá). Mas as universidades americanas não costumam liberar suas jogadoras para a seleção, uma vez que não têm qualquer obrigação. É nos EUA que estão Kamilla e Stephanie, pivôs, que têm boas chances de chegar logo à WNBA. Ambas foram bem no Pré-Mundial, e a primeira entrou na seleção das melhores do quadrangular jogado pelo Brasil. Por enquanto, é nelas que estão depositadas as esperanças de um futuro melhor para o basquete brasileiro. Mas o caminho ainda é longo e tortuoso. PUBLICIDADE | | |