No segundo semestre de 2010, um jornalista que trabalhasse em uma redação de jornal ou revista na cidade de São Paulo recebia ao menos R$ 1.833 por mês, piso normativo estabelecido em acordo coletivo. Naquela época, o governo federal reajustou o valor da Bolsa Atleta paga um atleta medalhista em Mundial, Pan-Americano ou Sul-Americano, para R$ 1.850 ao mês. Onze anos depois, sem aumento real, mas compensando a inflação, o piso dos jornalistas mais do que dobrou, para um mínimo de R$ 3.683,28. A Bolsa Atleta continua pagando os mesmos R$ 1.850. E o que me assusta é que não há pressão para isso ser corrigido. Se todas as categorias (uso a minha, de jornalista, como exemplo) merecem reajuste salarial, por que não os atletas? Mariana Marcelino, heptacampeã brasileira e tri sul-americana do lançamento do martelo, tem a Bolsa Atleta Internacional de R$ 1.850. Sem clube e em uma prova na qual as Forças Armadas nunca contrataram uma atleta mulher, ela não consegue sobreviver no esporte com esse dinheiro, que mal paga os custos básicos com aluguel, alimentação e transporte. Muito menos dá para investir nas necessidades de treinamento. O governo se gaba, desde Lula (PT), que o Bolsa Atleta é "um dos maiores programas de patrocínio individual de atletas no mundo". Mas, sem que Dilma (PT), Temer (MDB) ou Bolsonaro (PL) tenham movido uma palha para ao menos reajustar o valor da bolsa pela inflação, o Bolsa é, hoje, metade do que era há dez anos. E, todo ano, ele fica 10% menor. Se os R$ 1.850 não dão para um atleta do nível de Mariana Marcelino, pior ainda os campeões nacionais que recebem R$ 950, valor que, em São Paulo, hoje não compra nem o que o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) considera uma cesta básica. A verdade é que o Bolsa Atleta está sendo desmontado, derretido aos olhos de uma comunidade esportiva impassível. Essa deveria ser uma pauta do Conselho Nacional de Atletas (CNA), mas o órgão consultivo do antigo Ministério do Esporte foi aparelhado sob Bolsonaro e hoje é presidido por Mosiah Rodrigues, ex-ginasta, e também o diretor do Bolsa Atleta. Como não é possível sentar-se dos dois lados do balcão, Mosiah representa só os interesses do governo, e o posto de porta-voz dos atletas fica vazio. Confederações, o Comitê Olímpico Brasileiro e o Comitê Paralímpico Brasileiro agem que como se isso não fosse problema deles, porque não é diretamente. Preferem se indispor com o governo, se necessário for, por algo que os favoreça. Os atletas com mais espaço na mídia e mais seguidores nas redes sociais não se movimentam porque a bolsa é parte menor do orçamento deles, e não vale o estresse. Quem depende do auxílio, porém, tem medo de se rebelar sozinho, ser retaliado, e acabar de mãos abanando. A Comissão de Atletas do COB até já levantou o tema em conversa com o secretário, ouviu que não havia dinheiro em um governo que torra dinheiro com motociatas e passeios jet-ski, e o assunto morreu ali. A Secretaria Especial do Esporte já tirou o reajuste da pauta política. Por falta de dinheiro, a pasta vinha, há anos, desde o segundo mandato de Dilma, fazendo uma espécie de pedalada orçamentária, pagando a bolsa de um ano com o orçamento do ano seguinte, e isso foi equacionado com a decisão do governo de cancelar a Bolsa Atleta em 2020. Quando o Esporte ainda estava na mão dos militares, no início do governo Bolsonaro, foi discutida a péssima ideia de as estatais pagarem pela Bolsa. Claro que não daria certo, e não deu. Não havia, e não há, um plano B. Para a pasta, é melhor deixar como está do que bater de frente com Paulo Guedes. Como meu histórico de atleta se resume a uma medalha de bronze por São Roque (SP) em Jogos Regionais, como goleiro reserva de um goleiro-linha no handebol, essa briga não é minha. Mas eu sinceramente acho que os mais de 6 mil atletas que recebem a Bolsa e que sabem que o dinheiro dá cada vez para menos, deveriam começar a se mobilizar. O interesse é deles. PUBLICIDADE | | |