O anúncio de que uma ciclovia será construída no canteiro central da Rodovia dos Bandeirantes, sem que esse projeto tenha sido discutido com o Ciclo Comitê Paulista, só ampliou o incômodo da comunidade ciclística com o governo João Doria (PSDB) em São Paulo. As queixas são de que os ciclistas não são ouvidos sobre o que é o melhor para o ciclismo no Estado. A ciclovia é só o exemplo mais concreto desse problema. Ela terá 57 quilômetros, ligando a cidade de São Paulo ao distrito turístico Serra Azul, na região de Jundiaí — em bom português, vai até o parque Hopi Hari. Construída no canteiro central, a ciclovia será acessível somente em oito pontos. "Terá iluminação? Se alguém tiver um problema mecânico e precisar ser resgatado de veículo motorizado, só sairá da ciclovia num helicóptero? Caso aconteça uma queda, como o atendimento médico chega na ciclovia?", perguntou, no Twitter, Daniel Guth, diretor executivo da Aliança Bike, Associação Brasileira do Setor de Biciclteas. Sem esse tipo de resposta, não dá para saber se o projeto é bom ou ruim. São Paulo tem um Ciclo Comitê, formado majoritariamente por membros de diversos órgãos do governo estadual, mas composto também por representantes eleitos da sociedade civil. Consultivo, o Comitê não tem sido envolvido na discussão sobre como o maior Estado do país deve responder à crescente demanda por espaços para a prática de ciclismo de estrada. É visível que há cada vez mais grupos andando de bicicleta tanto nas rodovias principais quanto nas vicinais, ainda que talvez isso seja proibido. "Talvez" porque uma portaria do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), na prática, proíbe "eventos" nas estradas, mas sem definir o que é um "evento". "Se tiver duas pessoas fardadas, vestidas com roupa de ciclismo, isso pode ser encarado como evento. Vai muito da interpretação do policial militar rodoviário. Uns deixam passar; outros, não", explica um membro do Ciclo Comitê. Em 2008, uma centena de ciclistas desceu a Estrada Velha de Santos pedalando. Em 2010, mil pessoas se reuniram. Em 2012, dez mil, com apoio da Polícia Militar, que fez a segurança. Em 2013 foi editada pela primeira vez a portaria do DER que proíbe eventos. Em 2017, a PM jogou gás lacrimogêneo em ciclistas para impedi-los de descer a serra até o litoral. Desde então, provas ou eventos recreativos de ciclismo estão, na prática, banidos das estradas paulistas. A portaria proíbe, sem exceções, eventos aos domingos, em estradas de interesse turístico, em serra, ou em época de neblina. Nos demais dias, a prática pode ocorrer, mas no limite de uma hora — depois, todas as bicicletas precisam sair da estrada, para liberar a via para os automóveis, e depois voltar. Com essa portaria, o governo tem impedido a realização de provas de ciclismo de estrada. A Federação Paulista pretendia realizar a Volta do Grande ABC saindo de Paranapiacaba, distrito de Santo André, mas nunca recebeu uma resposta do DER. Outros organizadores já desistiram de tentar, cansados de bater o nariz na porta. Ao mesmo tempo, eventos em Campos do Jordão, onde o governador João Doria tem casa e investimentos comerciais, têm sido autorizados. Lá aconteceu ano passado, num domingo, em serra, numa estrada turística, o L'Etape Brasil, evento ligado à Volta da França. Um ciclista morreu. No dia 3 de abril, um domingo, o Giro D'Itália fará um evento na mesma região, passando por diversas estradas e quatro serras. "Só quem tem apoio do governo consegue fazer eventos", reclamam membros do Comitê. Procurado, o DER não respondeu se deu aprovação para o L'Etape Brasil, contrariando a legislação, e disse que ainda estuda o caso do Giro. Na cidade de São Paulo, as provas também são raríssimas. A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) cobra uma taxa para o fechamento de vias que torna inviável a realização de provas de alto rendimento, porque exige o pagamento de valores de inscrição incompatíveis com uma modalidade carente — sem provas, sem patrocínio, sem equipes, sem dinheiro. Não é coincidência que a tradicional Volta Ciclística 9 de Julho, criada há quase nove décadas, tenha acabado em 2018, exatamente o ano em que a Prefeitura voltou a cobrar taxas. Não adianta muita coisa bater no peito e dizer que o Brasil recebe eventos emulando a Volta da França e o Giro D'Itália se, ao mesmo tempo, é incapaz de organizar suas próprias competições. O ciclismo movimenta o turismo, gira a economia e melhora a qualidade de vida e a saúde da população. É preciso ser tratado com mais atenção. PUBLICIDADE | | |