Há sete meses o esporte olímpico do Brasil vivia o melhor momento de sua história, com recorde de medalhas nos Jogos de Tóquio e uma conexão sem igual com o público brasileiro. O Comitê Olímpico do Brasil que triunfou em Tóquio, porém, não existe mais. Hoje, no seu lugar, há um remendo de entidade, que o presidente Paulo Wanderley administra como se fosse o quintal de sua casa. O foco não é mais vencer competições, mas seu projeto pessoal de poder. Eleito em 2016 como vice e promovido a presidente no fim de 2017, com o afastamento seguido de renúncia de Carlos Arthur Nuzman, Paulo Wanderley foi reeleito em 2020. Achou-se que para um último mandato, mas ele vai se basear em uma interpretação da Lei Pelé, na qual o mandato-tampão de três anos não entra na conta. Por isso, tentará uma segunda reeleição em 2024. Mas, ao se lançar candidato, Paulo Wanderley rompeu o acordo que tinha com Marco La Porta, que é seu vice, e pretendia ser seu sucessor em 2024. De aliados, presidente e vice do COB passaram a adversários depois dos Jogos de Tóquio. La Porta foi o chefe de missão em Tóquio, e seu trabalho foi muito elogiado. Tudo deu certo na complicada logística de uma Olimpíada na pandemia e La Porta, então porta-voz do COB no Japão, foi visto como o responsável. Mas, após a vitrine do ano passado, o vice foi escanteado, tirado das decisões e de qualquer visibilidade. Virou um figurante. Paralelamente, La Porta perdeu a aliada Manoela Penna, diretora de comunicação e marketing, que pediu demissão para morar na França, por questões familiares. Manoela foi responsável pelo sucesso de comunicação do COB antes e durante as Olimpíadas de Tóquio, com a criação do Canal Olímpico, a explosão dos perfis do Comitê nas redes sociais e bons acordos com patrocinadores. Mas, na contramão do discurso de austeridade, Paulo Wanderley botou na cabeça que comunicação e marketing precisam ser duas diretorias separadas — Manoela era contra. E também decidiu que Jorge Bichara, diretor de Esporte e com afinidade com La Porta, estava grande demais dentro dentro da entidade. E decidiu que, para podar suas asas, também dividiria essa diretoria. Bichara foi contra, e acabou demitido. É verdade que existiam algumas lacunas no trabalho de Bichara, especialmente pelo enorme foco na elite da elite, sobrando pouco dinheiro para quem não briga por medalha. Mas o modelo inegavelmente vinha dando resultado. Exemplo: eu critiquei mais de uma vez a falta de atenção à renovação na ginástica artística, com todos os olhos para Rebeca Andrade. Mas foi isso que fez a atleta ganhar ouro e prata em Tóquio. Essa lacuna poderia ser resolvida com uma nova política de distribuição de recursos, com um equilíbrio maior entre o modelo implementado por Bichara e as reivindicações das confederações menores. Mas Paulo Wanderley deixou falar mais alto a vontade de dar mais poder a duas pessoas que, de tão próximas, são quase da família: Kenji Saito e Christian Trajano. É até constrangedor escrever isso, mas Kenji, que é afilhado do presidente do COB, é descrito por muita gente que trabalha ou já trabalhou com ele como um profissional ruim. Um exemplo: ele era o responsável por renovar a seleção de judô, algo que não conseguiu executar. Mas agora Kenji é diretor de desenvolvimento esportivo da entidade por duas únicas razões: porque Paulo Wanderley quer e porque Paulo Wanderley pode. Nenhuma mais. A Comissão de Atletas divulgou uma nota reclamando que queria ser consultada sobre uma decisão desse porte. Não foi e não será durante a gestão Paulo Wanderley, conhecido por ser centralizador. A caneta é dele, e ele faz com ela o que quiser. Ingênuos foram os atletas que acreditaram. É assim que a banda toca. Sempre foi e continuará a ser. Em meio à crise, o COB foi atrás correndo de Ney Wilson, então gestor da Confederação Brasileira de Judô. Era preciso apresentar um nome de peso à comunidade olímpica, que não deixou de demonstrar toda sua insatisfação com a demissão de Bichara. Na apresentação do ex-dirigente do judô como diretor de alto rendimento, ao justificar a demissão do antecessor depois de um excelente trabalho, Rogério Sampaio, CEO da entidade, alegou que "é natural que haja alternância das pessoas que ocupam cargos na entidade". Ney Wilson estava há 21 anos na sua antiga função. E Paulo Wanderley, que ficou 16 anos como presidente da CBJ, quer ficar outros 11 no COB. PUBLICIDADE | | |