Basta um breve contato cara a cara com alguém desconhecido para Tomás Levy dar seu cartão de visitas. "Eu tenho Síndrome de Tourette, você sabe o que é? Por isso que eu tenho esses tiques nervosos, espero que você me entenda", costuma dizer. Agora, ele pode adicionar no breve perfil o título de campeão brasileiro de remo no single skiff, a prova que define o melhor atleta do país. A Síndrome de Tourette é, nas palavras do médico Drauzio Varella, "um distúrbio neuropsiquiátrico caracterizado por tiques múltiplos, motores ou vocais". Em alguns casos, está associada a sintomas obsessivo-compulsivos (TOC) e ao distúrbio de atenção com hiperatividade (TDAH). "É uma vergonha a pessoa me vendo sem saber o que eu tenho. Eu acabo querendo provar que tenho Tourette. É um ponto frágil meu, é um ponto delicado", diz Tomás. Paulistano de 20 anos, o remador do Corinthians é o paciente padrão desta síndrome, que para ele veio com "pacote completo". Teve os primeiros sintomas aos 4 anos, a fase mais aguda a partir dos 12, chegou a se contorcer no chão durante a adolescência, quando também desenvolveu síndrome do pânico, e voltou a melhorar aos 16. Mas os tiques faciais (piscadas, franzir de testas, mexidas repentinas de cabeça), os tiques vocais (fungar e limpar a garganta) e o TOC continuam presentes, suavizados pelo consumo medicinal de princípios ativos da maconha, vendidos em forma de óleo. "Eu tomo vários remédios, mas o THC e o CBD juntos funcionam como nenhum igual. Quem está do meu lado percebe nitidamente a diferença, principalmente dos tiques. Eu me sinto mais calmo. Eu sou ligado no 220, sou meio impulsivo, de 'ai meu Deus, preciso fazer isso daqui'. Com a cannabis, acabo refletindo melhor sobre as coisas, tenho foco maior. Eu também tenho um pouco de Déficit de Atenção, não conseguia focar, na escola era uma desgraça. Quando eu estou sob o efeito (da medicação), eu viro outra pessoa", conta. No remo desde os 12 anos, Tom, como é chamado, perdeu alguns campeonatos na base porque simplesmente parava de remar no meio da prova. "Eu ficava nervoso e simplesmente largava a prova. O [Fernando] Melo ficava louco. Eu estava na frente e parava", lembra, falando do técnico do Corinthians, com quem treina desde que voltou de Brasília para São Paulo, em 2016. Os tiques, em si, nunca foram um problema nas provas, uma vez que, extremamente concentrado, Tom não os tem em competições — o mesmo acontece quando ele toca piano ou medita. Mas a Tourette também gera muita ansiedade, o que a cannabis medicinal ameniza. "Melhora meu rendimento e minha qualidade de vida. Está tudo muito ligado, porque se eu estiver em uma fase ruim, o treino vai ser um cocô. A cannabis me ajuda muito e acho que é um passo superimportante. Não é que tomo e viro um super-herói. Mas é, dos remédios, o que está me fazendo melhor", detalha. Pelo código antidoping atualizado, o CBD, um dos princípios ativos da maconha, é permitido todo o tempo. Mas o THC, substância psicostimulante da cannabis e responsável pelos efeitos principais da droga (o que dá barato), não é autorizado durante o período de competição. Quando vai competir, Tomás tem que parar com o THC. Aconteceu recentemente, quando o atleta do Corinthians venceu o Campeonato Brasileiro de Barcos Curtos no single skiff, tanto no adulto quanto no sub-23. "Duas semanas antes, eu estava com THC ainda, estava me sentindo muito tranquilo. Mas tive que parar e comecei a piorar. Agora vou voltar a tomar". Também apaixonado por música, e produtor musical nas horas vagas, Tom sonha em, futuramente, ser DJ. Como não dá para conciliar apresentações à noite e treinos logo cedo pela manhã, o foco está no remo, onde ele tem a oportunidade de dar visibilidade à causa das pessoas com Tourette. "Imagina um menino que tem Tourette ver alguém com Tourette que foi campeão brasileiro, foi para as Olimpíadas. Tem também a questão do diagnóstico. Muita gente não sabe que tem Tourette." PUBLICIDADE | | |