O vôlei brasileiro tinha tudo para terminar 2022 nas alturas. Patrocínios renovados, fim dos escândalos, e cinco medalhas em Campeonatos Mundiais, sendo três na praia (uma de cada cor), e uma prata e um bronze na quadra. Mas a demissão de Adriana Behar do cargo de CEO da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) voltou a mexer com as estruturas da modalidade. Executivos profissionais estão sempre sujeitos à demissão, mas a forma como se deu a dispensa é antagônica ao discurso de modernidade que a CBV vinha tentando vender. Ninguém escondeu que a "cabeça" de Adriana foi entregue a pedido de um grupo de presidentes de federações estaduais — 11 deles deram as caras assinando uma carta pedindo a demissão dela. O movimento da diretoria da CBV gerou incômodo dentro da própria confederação, em clubes (mesmo aqueles que tinham críticas ao trabalho dela) e em jogadores da seleção. Capitã da seleção feminina, Gabi foi a primeira a se expressar publicamente, pelo Instagram, em postagens compartilhadas por diversos ídolos do vôlei brasileiro, inclusive o capitão do time masculino, Bruninho. Os dois líderes do volêi de quadra falaram com exclusividade ao Olhar Olímpico sobre o assunto. "Considerei importante (me posicionar) justamente por ter tido uma experiência diferente nos últimos meses/anos. Exatamente por ter tido essa abertura, por termos sido ouvidas e por termos visto evoluções, que sentimos ainda mais essa demissão. De alguma forma nos sentimos representadas dentro da Confederação, mas infelizmente tivemos esse retrocesso. Claro que todas as partes precisam ser ouvidas e consideradas, mas neste momento, para mim, os motivos apresentados não condizem com a realidade." Gabi, capitã da seleção feminina "Houve um passo e uma vontade de reconstruir a confiança, mas agora é um passo falso com esse tipo de política. Nesse momento apoiei a Gabi, pois concordo que principalmente o sistema eleitoral nas confederações não é o correto, e as questões políticas acabam tendo mais peso que decisões técnicas." Bruninho, capitão da seleção masculina A carta das federações, que circulava no meio do vôlei antes mesmo da demissão de Adriana Behar, começa com a reclamação de que ela "frequentemente se ausenta de seus afazeres profissionais para convivência com familiares em outro país". A CBV adotou o sistema de trabalho híbrido entre o home office e o presencial, e Adriana relata que seu acordo com a confederação sempre previu que parte do tempo ela trabalharia de forma remota. A carta cita que a gestão de Adriana estava em "descrédito", e que ela não tem "experiência em gestão", ainda que ela tenha sido gerente-geral de planejamento esportivo do COB por oito anos. Segundo as federações signatárias, Adriana agia "de forma por vezes truculenta" e poderia levar a confederação ao "fundo do poço". À coluna, Gabi fez uma defesa enfática de Behar. A declaração é longa, mas vale ser reproduzida. "O mundo vem mudando muito nos últimos anos e a gente precisa se adaptar. Às vezes um trabalho que vinha sendo feito há muito tempo, que rendeu muitos frutos, hoje não funciona mais. E aí a gente precisa reavaliar, conversar, sugerir, intervir e melhorar. E isso estava acontecendo. As coisas estavam funcionando de maneira clara e objetiva. Falei [no Instagram] também sobre transparência e sobre nos sentirmos parte do processo. Isso passou a acontecer há pouco tempo. Tivemos acesso fácil e rápido, seja presencialmente em muitas vezes em Saquarema, em treinos, e também nas competições. Como também remotamente, porque se fazer disponível e acessível não diz respeito somente a presença física. E isso aconteceu em 100% das vezes. Não temos um 'ai' para falar sobre isso. E não estou falando isso partindo de um princípio de que tivemos nossas ideias atendidas. Pelo contrário. Por diversas vezes nossos desejos foram negados, mas sempre tivemos a conversa, o canal aberto, e a justificativa de estar sendo negado ou atendido. E acho que é dessa maneira que as coisas precisam ser tocadas, com respaldo, embasamento e entendimento de todas as partes envolvidas. A gente passou a ter acesso às coisas e isso nos deu esperança de que o trabalho estava sendo feito de uma maneira séria e comprometida." O passo adiante também incomoda Gabi. Afinal, a demissão veio sem justificativa técnica, e a CBV não indicou como pretende substituir Adriana. "As coisas precisam ser melhor discutidas, elaboradas e amadurecidas. Os motivos apresentados não condizem com a realidade e não fazem sentido. Quem assumirá agora? Qual o novo plano? Existe um novo plano? As cartas precisam ser colocadas na mesa. A nota que foi emitida não nos diz nada e agora fica um futuro no vazio, mais uma vez, infelizmente." Bruninho foi na mesma linha. Ele também não concordava com todas as decisões da ex-CEO, mas valorizava o trabalho de Adriana Behar. "Nós conseguimos nos comunicar com ela. Nem sempre poderíamos estar de acordo nas poucas reuniões que fizemos, mas a transparência e a maneira que ela sempre expôs o que estava buscando, como melhorias pro voleibol brasileiro, são coisas que valorizamos muito. Não tive muito contato, mas sei da seriedade e da competência. E desde o dia que ela entrou, buscou estar próxima dos atletas, querendo entender o que nós pensávamos." Líder da geração campeã olímpica na Rio-2016, Bruninho defende que o sistema eleitoral da CBV seja revisto. No ano passado, Walter Pitombo Laranjeiras, o Toroca, foi reeleito para um terceiro mandato tendo a oposição de praticamente todo o vôlei "profissional", mas com os votos de federações de estados com menor tradição. "A montagem do colégio eleitoral nas confederações está ultrapassada. Os atletas e ex-atletas praticamente não têm peso suficiente nos votos. Então é um problema estrutural também no Estatuto da CBV. Tem que mudar também nas federações estaduais. Buscar pessoas competentes e que queiram o bem do nosso esporte e não se perpetuar no poder e nesses cargos", afirmou. O poder de voto de atletas em federações e confederações ainda é novidade no esporte brasileiro, e o que se viu no ciclo olímpico passado foi uma baixa adesão de atletas na discussão ativa sobre o futuro de suas modalidades. Gabi acredita que o tempo tem mostrado que o esforço da participação vale a pena. "Acaba que a vida do atleta é a mais difícil de todas. E se envolver com esse tipo de decisão é ainda mais cansativo. Mas hoje vejo a importância deste esforço. É preciso que a gente fale cada vez mais. Mas também é preciso que se crie ambientes favoráveis para isso. A gente precisa se sentir à vontade para falar. Sem medo de boicote ou retaliação. Porque o sistema é forte. Agora eu me sinto mais confiante para dar esse passo. Estou assumindo essa responsabilidade como capitã da seleção brasileira. Vimos outras atletas repostando, colaborando, mas é preciso ainda mais. É preciso ter espaço para que a gente tenha voz." Além de Adriana Behar, a carta dos presidentes de federação também criticava o trabalho de Julia Silva, gerente de seleções. Ao menos por enquanto, Julia continua no cargo, e Gabi, capitã da equipe feminina, deixou claro que pretende que as coisas continuem assim. "Aproveito para reforçar que apoio o trabalho desenvolvido pela Julia Silva. Porque ela é tão questionada? Quais são os questionamentos? O que não foi feito e que poderia ser feito? Parece que acontece uma caça às bruxas, procuram-se culpados e depois tudo segue da mesma forma. E isso é péssimo em todos os sentidos." PUBLICIDADE | | |