Em uma volta pelo bairro um pouco mais longa do que o habitual, empurrando um carrinho de bebê, passo por um teatro com ampla programação gratuita, especialmente infantil, e um centro cultural com ótimos shows e boas exposições também na faixa. O museu fechou, mas a biblioteca pública segue aberta. Outro dia, um bloquinho de carnaval, em pleno setembro, passou pela minha rua. Há um teatro de marionetes no quarteirão de casa e uma antiga gafieira um pouco além. Mas se meu filho quiser praticar esporte no bairro, suas duas únicas opções são uma cancha de bocha escondida no terreno de uma distribuidora de material de limpeza ou malhar em uma das 15 academias/boxes de crossfit localizadas em um raio de quatro quarteirões. Três pracinhas próximas até receberam melhorias recentemente, é verdade. Agora elas têm um cercadinho para cachorros. Não há nenhuma tabela de basquete, nenhuma rede de vôlei, nenhum gramado onde seja possível chutar uma bola. Não há uma piscina pública, e na ciclofaixa não passa quase ninguém. Da janela da sala, enxergo seis quadras poliesportivas. Quatro são de condomínios fechados, uma é utilizada por uma hospedaria de cachorros e a outra, de uma escolinha municipal, nunca tem crianças correndo. Pelo Google Maps, vejo que existem duas quadras pintadas em uma enorme área cimentada dentro de um terreno da Sabesp, mas da rua não vejo ninguém entrando lá para jogar. A Constituição Brasileira diz que "o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional", ao mesmo tempo que afirma que "é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um". Mas eu, como a maior parte dos brasileiros, tenho acesso muito mais facilitado à cultura do que ao esporte. Isso porque, ao longo das últimas décadas, a cultura foi organizada e ramificada, pelo poder público e pela sociedade civil. A Prefeitura de São Paulo banca os shows e as peças de teatro, muitas delas de pequenas companhias, que acontecem aqui perto. A livraria do bairro tem seu bloquinho infantil, a quermesse tem uma banca de livros. Por aqui é possível fazer aula de música, de teatro, de dança, mas não de futebol. Por diversos motivos, o esporte não conseguiu fazer o mesmo. Hoje, o direito ao esporte, presente na Constituição, está longe de existir na prática, mesmo em um bairro com boa infraestrutura na mais rica cidade do país. Clubes, governos, instituições, locais de prática, educadores, e tantos outros atores, pouco ou nada se falam. Quando Ana Moser, a nova ministra do Esporte, fala em esporte para todos, em Sistema Nacional do Esporte, em Plano Nacional do Desporto, ela está falando em criar uma engrenagem que gire para permitir que, de alguma forma, seja oferecida uma opção de prática esportiva para o meu filho, para o seu filho, para os seus pais, para você. Seja uma aula de ioga na praça, um tatame de judô no centro cultural, um monitor na cancha de bocha, a substituição do cercadinho dos cachorros por uma quadra de areia, a construção de novos equipamentos onde for possível e necessário. Ana Moser tem falado que quer fazer uma revolução no esporte, uma revolução muito diferente das que o esporte brasileiro já passou. A Copa trouxe novas e modernas arenas para as grandes capitais, a Olimpíada equipou o Rio de Janeiro com instalações das mais modernas, e o combo Bolsa Atleta+Lei Agnelo/Piva+patrocínio de estatais colocou o Brasil entre as potências olímpicas e paralímpicas. Essa revolução brasileira, porém, não estará na capa dos jornais, muito menos na televisão. Será uma revolução silenciosa e, provavelmente, lenta, mas que, se tiver sucesso, será sentida daqui a alguns anos, no bairro, na escola, no posto de saúde. Uma revolução que terá impacto direto na minha e na sua vida. Que ela tenha enorme sucesso nessa gigantesca missão. PUBLICIDADE | | |