Principal programa de fomento ao esporte de altíssimo rendimento no país, o Bolsa Pódio lança uma chamada todo ano (às vezes, duas vezes ao ano), convidando atletas de ponta a se inscreverem para receber um benefício que vai de R$ 5 mil a R$ 15 mil — e que não é reajustado desde que foi lançado, há dez anos. Toda a comunidade esportiva já conhece as regras e os valores, porque tudo é igual há uma década. Com suas qualidades e defeitos, o programa seguia idêntico, parado no tempo. Até que uma troca de funcionários, no ano passado, gerou uma mudança importante. Para cada modalidade, existe uma comissão de três pessoas que avalia a pertinência de se conceder (ou não) a bolsa a determinado atleta. Ela é formada por um membro do COB ou do CPB, uma pessoa da confederação, e um indicado pelo governo. Por muitos anos, esse indicado foi Hudson Pereira de Souza, que deixou Brasília e hoje trabalha no CPB. Desde os últimos meses de 2022, é Laise Pereira. E os dois têm interpretação diferente sobre os critérios de concessão. Hudson instituiu, informalmente, uma flexibilidade. O edital diz que o beneficiado deve "estar ranqueado junto à entidade internacional relativa à sua modalidade entre os vinte primeiros colocados do mundo em sua prova específica". Mas, há anos, o governo aceita inscrições de quem fica entre os 20 primeiros do Campeonato Mundial. A flexibilidade faz sentido em provas em que não há um ranking mundial. Isaquias Queiroz é o melhor exemplo. Ele disputa uma etapa de Copa do Mundo por ano, e o Campeonato Mundial e/ou Olimpíada. Nem existe um ranking na canoagem velocidade e, se existisse, ele não necessariamente estaria entre os primeiros, por competir pouco. O resultado do Campeonato Mundial é o que diz o ranqueamento dele entre os melhores do mundo. Mas essa possibilidade vinha sendo usada por modalidades que têm um ranking mundial, como a natação. A antiga Fina, hoje World Aquatics, computa (com muitas falhas, diga-se) os melhores tempos do mundo. Qualquer pessoa consegue entrar no site, filtrar prova e período, e descobrir, por exemplo, que Stephanie Balduccini fechou o ano em 29º lugar do ranking mundial dos 100 m livre. Logo, fora dos critérios para o Bolsa Pódio. A Comissão de Atletas da CBDA, porém, entende que ela faz jus, sim, ao benefício. Não só ela, como outros sete atletas na mesma situação. Nadadores que ficaram entre os 20 primeiros do Campeonato Mundial de 2022, como Stephanie, que foi 10ª nos 100 m livre, mas que não fecharam o ano no top 20 do ranking. A discussão fica mais complexa: Stephanie foi 29ª do ranking, mas à frente dela estavam sete australianas, seis norte-americanas e três canadenses. Como os Jogos Olímpicos só permitem dois atletas por país por prova, excluindo essas 10 excedentes, a brasileira seria 19ª do ranking — logo, dentro dos critérios. Alguns anos atrás, escrevi sobre o dueto do nado sincronizado do Brasil ter recebido o benefício, mesmo que todo mundo soubesse que não havia a menor chance de o país brigar por medalha olímpica. Elas se encaixavam por terem tido uma classificação intermediária em uma Copa do Mundo muito esvaziada, que tem peso de Mundial na modalidade, e foram contempladas. Particularmente, eu entendia ser um absurdo, e continuo vendo dessa forma. E, pessoalmente, entendo que a comissão, criada para fazer essa análise subjetiva, precisa fazer seu trabalho. Só a classificação de um Mundial esvaziado pela covid não pode ser critério. Mas um ranking com diversos atletas de um mesmo país também não pode. O prazo de inscrição se encerrou no fim de janeiro e agora essas comissões estão decidindo quem receberá, ou não, a bolsa. Por enquanto, a ministra Ana Moser não interveio e segue valendo a interpretação que estava valendo no fim do governo Bolsonaro, a de que o Mundial não vale. Acho muito improvável, aliás, que ela interfira. Por isso, quem não fechou 2022 no top 20 do ranking não terá Bolsa Pódio. PUBLICIDADE | | |