Medalhas individuais em Mundiais e Olimpíadas costumam ser a linha que delimita quem são os grandes do esporte brasileiro. É uma boa métrica, especialmente nas modalidades nas quais o Brasil tem tradição, mas jamais pode ser a única. Maria Portela está aí para provar isso. Aos 35 anos, ela é a única das estrelas da ótima geração da qual faz parte que nunca conquistou uma medalha individual em Mundial ou em Olimpíadas. E nem vai conquistar, já que anunciou aposentadoria no mês passado. Foi necessária muita maturidade para Portela chegar à conclusão de que a realidade é essa, e está tudo bem. "Eu venho trabalhando a questão mental, que é algo muito importante, faz bastante tempo, desde Londres. Cada experiência que eu vivenciei foi algo que me trouxe aprendizado. Não tem o que falar dessa geração, eu fiz parte dela. O título em si é importante, representa tudo aquilo a que tu te dedicas, mas isso não minimiza a minha trajetória, minha entrega, a referência que criei dentro dessa categoria. Tenho certeza de que fica toda minha ética dentro do esporte, meu comprometimento, raça, dedicação que eu entreguei. Se eu olhar para trás, para a guria que saiu de um projeto social do interior do Rio Grande do Sul e viveu tudo que eu vivi dentro do esporte, seria até feio dizer que não sou grata." Maria Portela Foram dez participações em Campeonatos Mundiais individuais e três Olimpíadas na fase mais vitoriosa do judô feminino brasileiro. Vide a campanha do Mundial de 2013, no Rio, em que Rafaela Silva, Sarah Menezes, Mayra Aguiar, Erika Miranda e Maria Suelen Altheman ganharam medalha, e a equipe feminina foi prata, reforçada pela medalhista olímpica Ketleyn Quadros e pela própria Portela, que venceu duas lutas decisivas. Aliás, o Brasil sempre soube que poderia contar com Portela nas competições por equipes. Quando as provas viraram mistas, com três categorias de peso para os homens e três para as mulheres, o peso médio foi um dos escolhidos. E a "Raçudinha" sempre correspondeu. Com ela, foram cinco medalhas em Mundiais, sendo três de bronze (2012, 2019 e 2021) e duas de prata (2013 e 2017). Nessas campanhas, foram oito vitórias e cinco derrotas. "Sou vencedora, sim. Coloquei meu nome dentro do judô brasileiro nessa categoria, e quem está chegando tem a responsabilidade. Por muito tempo eu fui a atleta a ser batida. Ok, eu não tenho [medalha] essa do individual. Mas tenho diversos outros títulos, eu estava lá por três ciclos. Eu não tenho o que dizer, só agradecer." Poderiam ser quatro ciclos, já que Portela ainda é a melhor brasileira do ranking mundial da categoria até 70 kg. A decisão de parar a menos de um ano e meio dos Jogos de Paris, porém, foi bastante maturada, desde os Jogos de Tóquio. "Todos os outros Jogos, apesar da derrota, eu sempre tive foco. Saía dizendo que vou para próxima, vou fazer diferente. E nessa eu não tinha esse sentimento. Todas as vezes que perguntavam de Paris, mesmo depois que lutei eu não falei: 'vamos para Paris'. Foi: 'Vamos pensar ano a ano'." Portela conta que teve um ciclo olímpico desgastante até Tóquio, não sabia se conseguiria lutar. Depois da derrota na repescagem, a mãe, que assistia a tudo pela TV, passou mal e foi parar no hospital. "Essas coisas foram mexendo comigo", diz. Mas o tesão já não era mais o mesmo. "Comecei a botar na balança até que ponto deveria continuar. Eu tinha feito uma cirurgia, voltei a treinar, mas precisava de descanso de novo. Eram muitos sinais de que talvez fosse o momento de parar, focar em outros desafios." E o primeiro desses desafios deverá ser na própria Sogipa, clube de praticamente toda a carreira. As coisas estão caminhando para ela, que tem formação em Educação Física, passar a trabalhar como assistente técnica do sensei Kiko, que comanda a equipe e hoje é o técnico da seleção brasileira masculina. PUBLICIDADE | | |