Pela Olimpíada

Renan dal Zotto fala da internação por covid, visão da própria morte e o foco na recuperação

Denise Mirás Colaboração para o UOL, em São Paulo Reprodução

"Tô correndo atrás pra c*!"

Renan dal Zotto fala animado sobre as duas sessões de fisioterapia diárias que faz. O foco é se recuperar até a viagem à Olimpíada de Tóquio, com cerimônia de abertura marcada para 23 de julho. Técnico da seleção masculina de vôlei, ele perdeu praticamente um quarto do seu peso nos 36 dias de internação para o tratamento de covid-19.

No Hospital Samaritano, do Rio de Janeiro, Renan correu risco real de morte. Foram duas intubações, uma traqueotomia quando não era mais possível realizar uma terceira intubação, outra cirurgia de emergência por causa de trombose na artéria femural com colocação de stent e uma infecção pulmonar por bactéria super-resistente. Enquanto estava internado, viu o próprio corpo amarrado na cama, esteve com os pais e a avó, que já morreram, mas também sentiu a presença de sua mulher, Annalisa, como uma âncora de segurança, nesse período "terrível", como define.

Na semana passada, começou os trabalhos de fisioterapia no Rio. Perto de completar 61 anos (o aniversário é no dia 19 de julho), parece ter voltado aos tempos de atleta. O empenho para recuperação do físico é total e, além das horas na fisioterapia muscular, também faz exercícios respiratórios para reabilitação pulmonar.

Ele diz que está conseguindo se restabelecer muito bem. O objetivo é estar ao lado da quadra no dia 23 de julho, às 23h05 (de Brasília), quando o Brasil estreia, contra a Tunísia, no vôlei masculino nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

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Já me perguntaram se para mim foi mais difícil o tratamento do meu filho Gianluca [contra leucemia, iniciado em meados de 1990, com idas e vindas de internações durante quatro anos] ou ter passado por esse risco de vida".

Renan dal Zotto

Nada se compara com o tratamento do meu filho. Eu, agora, não senti nada. Estava apagado. Foram momentos terríveis, mas me doeu mais, mesmo, quando acordei e entendi que fiquei um mês fazendo pessoas que amo sofrerem tanto".

Renan dal Zotto

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Renan faz a barba, em foto publicada por sua mulher, Annalisa. Na imagem, é possível ver o curativo da traquestomia

36 dias "apagado"

Renan sentiu os primeiros sintomas em Saquarema, onde a seleção brasileira de vôlei treinava. O local deveria ser uma "bolha" para a preparação olímpica. "Só dei uma semana de treino e na quinta-feira [8 de abril] senti o primeiro sintoma: febre. Então, pode ter sido no aeroporto, não sei. É difícil dizer. Tive pouco contato, sempre me cuidei muito, mas ainda assim você está sujeito.... No dia seguinte, fiz exame pela manhã. E, como estava com sintomas (febre, dor de cabeça), já fiquei isolado."

A Annalisa ficou muito preocupada, pegou um avião na madrugada do sábado, alugou um carro e foi me buscar em Saquarema, para vir ao Rio. Lá, ainda fiz outro exame lá e deu negativo. Viemos para o Rio, esperamos dois dias, fiz mais outro exame e aí deu positivo".

Na sexta-feira seguinte, uma semana após o primeiro sintoma, Renan diz que teve de procurar o hospital para tomar oxigênio. Era dia 16 de abril. "No dia seguinte, comecei a usar máscara. E aí começa a ficar uma situação, assim, bem ruim. Porque aquilo sufoca. O ar não vinha, não vinha, e você ali sozinho. Chegou uma hora em que não aguentei mais e pedi para ela [para a mulher, Annalisa]: 'pelo amor de Deus, pede para fazerem o que tem de fazer. Se tiver de intubar, faz qualquer coisa, porque não aguento mais'. No dia 16 fui para o hospital e no 19 já estava intubado."

Pergunto se na hora da intubação Renan teve medo de morrer. "Você está sob efeito de muita medicação, já. Você apaga. Fui intubado no dia 19, extubado no 25, novamente intubado no 26. Depois, foi feita a traqueostomia. Não, não acordei no intervalo. Foram 30 e tantos dias apagado. Sempre apagado. Só tendo essas viagens malucas aí de achar que... É bem difícil."

As viagens malucas

"Fiz muitas viagens no meio desse tempo. Em duas delas tive a convicção de que estava morto. Em uma delas, vi uma manchete de jornal comunicando a minha morte, uma coisa louca. Impressionante. E eu acreditava naquilo, porque cheguei a ver meu pai, minha mãe, minha avó. Em outra, me vi fora do meu corpo. Ele ali, todo coberto, todo amarrado, morto. Mas, ao mesmo tempo, eu sentia a Annalisa segurando a minha mão. Sempre tive essa segurança de saber que ela estava ali. E quando entraram na UTI, a Anna, o Gianluca e o Enzo, meu outro filho, eles ficavam fazendo carinho na minha mão, ficavam cantando, falando coisas, e eu sentia isso, Sentia! E me dava mais conforto."

Quando foi feita a traqueostomia, em 5 de maio, Renan acordou. Mas diz que só se deu conta onde estava no dia 8. "Nos dias 6, 7, não entendia nada. Foi no domingo, Dia das Mães, que comecei a entender tudo o que estava acontecendo. Foi punk. Aqueles dois momentos foram terríveis. Mas comigo. Então OK, eu estava ali, sofrendo, mas aceitando, ao mesmo tempo em que sentia a Anna me resgatando o tempo todo. Mas quando a Anna começou a me falar tudo, fiquei muito chateado porque por um mês você deixa pessoas que ama em uma expectativa tremenda, se vai dar certo, se vai dar errado. É muito triste isso. Não conseguia acreditar que tinha passado todo esse tempo. Falava: 'Vocês estão inventando'."

Ainda no começo de carreira, na seleção, Renan dal Zotto me respondeu sobre seu sonho como atleta: jogar em um time campeão, um time campeão olímpico. Não era ser "o melhor jogador", mas ser do melhor time. Esse sentimento de grupo, de se preocupar com o outro, transparece no que continua contando. "Sempre fui de trabalho em equipe, foi minha escola, a maneira como fui criado, educado. A maneira como sempre enxerguei as coisas em todos os lugares, como atleta, treinador, gestor. Eu gosto muito de pessoas, de trabalhar com elas, de entender. É um grande desafio e eu curto."

Vem também de São Paulo a lembrança de quando Renan me contou que havia encontrado a parceira de vida — ela, com 17 anos, ele com 28. Foi de Annalisa a primeira voz que ouviu, quando acordou da sedação, ainda sem voz. "Era horrível isso de se comunicar por mímica, mas ainda bem que o Gian, o Enzo e a Anna têm paciência para entender as coisas. Aí me botaram uma cânula e você consegue falar. Agora o lugar está bem fechadinho, já me tiraram tudo."

Folhapress
Renan (e) e Montanaro nos Jogos de Los Angeles (EUA), em 1984

Melhores momentos

Outros marcos de vida, para Renan, além do casamento e do tempo em que morou na Itália, passam pela Copa do Mundo do Japão de 1985. Quando a intérprete contou que ele receberia o prêmio como melhor jogador do torneio, ficou espantado. "O melhor momento da minha carreira era 1984, mas torci o pé uma semana antes da Olimpíada de Los Angeles. Fiquei fora das primeiras partidas e não joguei na minha melhor condição. Foi uma frustração muito grande. Em 1985, ganhei o prêmio de 'jogador mais espetacular do mundo', que não existia. A final foi Estados Unidos e União Soviética. O Kiraly ganhou como melhor jogador e criaram o MVP para me dar. Quando subimos ao pódio, o Kiraly pegou o troféu dele e falou para mim: 'You are the best'. Eu falei: 'Que é isso....'. Fiquei todo constrangido, disse que ele era o melhor. Mas foi muito bacana."

Em 1993, quando parou de jogar, virou treinador "direto". "Eu achava que, por ter sido atleta de alto rendimento, jogado nas melhores equipes do mundo, ia ser fácil. E não é assim. Tive seis anos como treinador, sofri bastante, aprendi também, e fui para a área de gestão. Montei os projetos dos times da Unisul, da Cimed, tive a oportunidade de estudar na universidade. O tratamento do Gianluca, e tudo isso foi um grande aprendizado para mim. De grande crescimento pessoal e profissional também."

Depois de uma passagem na Itália, onde foi campeão da Supercopa do país e terceiro colocado no Campeonato Italiano, teve chance de se tornar técnico da seleção brasileira masculina. "Foi uma tomada de decisão difícil, mas, olhando para trás, tivemos um ciclo olímpico fantástico. Sucesso de 82%. É histórico. Em dez competições oficiais, chegamos a oito finais e ganhamos seis. Vice-campeão mundial, duas vezes campeão da Copa dos Campões, campeão invicto da Copa do Mundo... Usamos as Ligas das Nações para colocar em jogo os garotos que agora estão lá hoje, em Rimini, na Itália."

Matteo Ciambelli/NurPhoto via Getty Images

"Meu foco é uma medalha. Se possível, a de ouro"

O torneio italiano de que Renan fala é a edição 2021 da Liga das Nações, último torneio da seleção brasileira antes das Olimpíadas. Quem está no comando do time é Carlos Schwanke, seu auxiliar na comissão técnica. Em seis partidas, o time venceu cinco —a única derrota foi contra a França.

Enquanto corre na fisioterapia para se recuperar o quanto antes, Renan diz que a "cara" dessa seleção sob seu comando ainda está em construção. "São jogadores fantásticos, de um nível espetacular e que sabem o que fazer. Além de montar uma boa estrutura tática, trabalhar a técnica individual e tudo mais... Olha, as grandes seleções que a gente tem no mundo, quando você olha pra elas, parece que têm algo a mais. Esse algo a mais é construído. E parece que esse time tem alma. Cada jogador se entregando ao máximo, um pelo outro. É essa minha busca contínua e eles já entenderam isso. É o que cobro deles sempre".

Sobre a Olimpíada, Renan diz: "A grande preocupação dos médicos e da Anna era a minha sobrevivência. Eu não tinha noção. Mas agora quero me restabelecer fisicamente. Mais alguns dias e vou conseguir. Meu foco é sem dúvida nenhuma uma medalha olímpica. Se possível, a de ouro".

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