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Cavaleiro que fez delação premiada para não ser preso estará nas Olimpíadas

Yuri Mansur, cavaleiro brasileiro - Reprodução/Instagram
Yuri Mansur, cavaleiro brasileiro Imagem: Reprodução/Instagram

06/07/2021 04h00

Convocado para representar o Brasil no hipismo, Yuri Mansur Guerios já teve prisão decretada e responde, em liberdade, a um processo por descaminho (importação irregular) de cavalos de competição que custavam até R$ 1 milhão, em um esquema que envolvia sonegação fiscal. Ele, que mora na Bélgica e tem como negócio a exportação de animais para o Brasil, evitou a prisão depois de firmar um acordo de delação premiada respaldado por mecanismos semelhantes aos usados por réus da Lava Jato.

O processo corre em segredo de Justiça, mas a investigação do Ministério Público Federal (MPF) em Campinas (SP) apontou crimes de falsidade ideológica, descaminho, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro. Procurado pela reportagem, o cavaleiro se manifestou por meio do advogado, que disse: "Yuri está em dia com a Justiça, e merece os aplausos por ter superado mais esse obstáculo".

Yuri foi o principal alvo da Operação Sangue Impuro, deflagrada pela Receita Federal e pela Polícia Federal em 2015. Na ocasião, foram expedidos três mandados de prisão. Um deles tinha como alvo o cavaleiro, que já morava na Europa. Ele retornou ao Brasil dias depois, se entregou à polícia ainda no aeroporto, foi ouvido e liberado no mesmo dia.

Na época, a Receita Federal informou que as investigações começaram em 2012 e identificaram indícios de subfaturamento na importação de cavalos de hipismo. A Quality Horses, que pertence a Yuri, declarava à Receita valores abaixo dos negociados, sonegando impostos. A Receita chegou a citar como exemplo uma venda a 110 mil euros que teve 20 mil euros declarados. O objetivo seria escapar da faixa de impostos que aumentaria o custo de importação em mais de 50%.

"Além de apresentarem valores declarados muito inferiores aos pagos pelos cavalos, muitas das importações eram realizadas por meio de laranjas, com o objetivo de ocultar os reais beneficiários da operação", disse a Receita na época, apontando uma estimativa de que o calote ao Fisco fosse superior a R$ 100 milhões.

Yuri Mansur com cavalo - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Acordo com o MPF

Todo o processo no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) corre em segredo de Justiça, mas a reportagem teve acesso a uma peça do processo que corre no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), instância do Ministério da Economia. Neste documento, a relatora Sabrina Coutinho Barbosa cita que Yuri e sua esposa, Louisie Weber Ara, fizeram delação premiada.

"Sua defesa [de Yuri] é estruturada a partir do Acordo de Colaboração Premiada, firmado pelo impugnante Yuri Mansur Guerios, onde segundo informa, conseguiu a redução da pena privativa de liberdade em até 2/3 e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em face da total colaboração com as Autoridades Fiscais e Policiais", escreve Barbosa. Em outras palavras, Yuri conseguiu que, ainda que ele venha a ser condenado, não cumpra pena na cadeia.

A principal acusação que pesa contra ele é de descaminho, que é o crime de iludir, no todo ou em parte, o pagamento de imposto, pela entrada ou saída de produtos do país. É um crime similar ao contrabando, a diferença é que não envolve produtos proibidos. O descaminho prevê pena de 1 ano a 4 anos de detenção.

Na colaboração, Yuri "demonstrou o funcionamento do comércio de equinos e seus participantes, assumiu que era o real importador e o valor da aquisição dos animais", pelo que explicaram seus advogados no processo no CARF. Eles citam a delação do doleiro Alberto Youssef no âmbito da Lava Jato para pedirem que Yuri fosse isento de pagamento de multa e que o processo administrativo na Receita fosse anulado. O pedido, porém, não foi atendido.

A reportagem apurou que, na delação, Yuri, que era intermediário de negócios entre brasileiros interessados em comprar cavalos de alto valor e europeus interessados em vender, apontou outros participantes do esquema, incluindo compradores, que agora estão sendo acionados pela Receita. Em 2018, uma nova fase da Operação Sangue Impuro foi deflagrada, desta vez mirando doleiros que seriam os responsáveis por receber no Brasil o valor correto dos animais e pagar, em euros, os valores pedidos pelos europeus exportadores.

Dinheiro para o combate à pandemia

Pelo acordo firmado com o MPF, Yuri paga parcelas mensais para quitar sua dívida com a Receita Federal. Além disso, ele colocou um imóvel no Brasil como garantia. O MPF não detalha os valores, mas informou, no ano passado, ter conseguido na Justiça que R$ 70 mil recuperados no âmbito da Sangue Impuro fossem destinados a ações de prevenção e combate à pandemia desenvolvidas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Apesar das acusações, Yuri continuou sua vida como cavaleiro internacional. Representou o país em diversas competições internacionais, como a Copa das Nações de Roma, em maio passado, e agora foi convocado para ser um dos quatro conjuntos do país em Tóquio, na modalidade saltos. Nas competições, ele se destaca por sempre usar casaca amarela. Atualmente, é o número 105 do ranking mundial. No Mundial de 2018, foi 90º colocado.

Procurado, ele se manifestou por meio do advogado criminalista Roberto Podval. "O processo está em segredo de Justiça, o que impede qualquer tipo de declaração. Yuri está em dia com a justiça, e merece os aplausos por ter superado mais esse obstáculo", disse o defensor.

Pelo Instagram, o cavaleiro, que é visto por colegas como perseverante e muito dedicado ao esporte, festejou a convocação: "Vamos realizar um sonho de vida que me acompanhou em todas as fases da minha vida. Do adolescente ao pai de família, do iniciante ao cavaleiro olímpico. Sonho que nunca me deixou desistir e que me fazia dar um pouco a mais todos os dias", escreveu.