Aluna da USP, jogadora leva trabalhos para fazer no tempo livre em Tóquio
Giulia Guarieiro viveu uma experiência maluca em uma quadra de handebol no feriado de Corpus Christi de 2017. Final de campeonato, rivalidade a flor da pele, jogo termina empatado. Pênaltis. Vitória do time dela, festa. Até que alguém desce da arquibancada com o regulamento e mostra que a regra era disputar prorrogação. Até o jogo voltar, o placar eletrônico quebra. Os dois times continuam jogando sem saber quanto tempo falta. E a equipe de Giulia acaba derrotada.
Uma bagunça do tipo só poderia ter acontecido em um evento universitário como o JUCA, disputado por estudantes comunicação e artes de faculdades de elite de São Paulo. Menos de cinco anos depois, ainda como aluna da ECA-USP, Giulia se prepara para um desafio completamente diferente: disputar uma Olimpíada.
"Acho que esse tipo de coisa não tem risco de acontecer na Olimpíada, né?", diverte-se Giulia, de 25 anos, que está em Tóquio para disputar sua primeira Olimpíada.
Em um país onde atleta de alto rendimento e universidade se mantêm tão distantes quanto as duas palavras no dicionário, Giulia é uma exceção. Ao mesmo tempo em que joga na elite da modalidade, continua estudando para, sete anos depois de passar no vestibular, graduar-se em Relações Públicas pela USP.
"Eu entrei na USP em 2015, mas só comecei a jogar pelo time da ECA em 2017, quando fiquei apaixonada pelo handebol universitário, fui a vários campeonatos. Mas recebi uma proposta para jogar na Espanha, em San Sebastian, e tranquei a ECA. Poderia ficar dois anos trancado, e depois desse prazo eu pedi uma exceção e consegui mais um ano sem jubilar. Aí começou a pandemia e, como as aulas passaram a ser a distância, eu consegui destrancar e voltar a estudar", conta Giulia, que tenta se formar ao final deste ano.
Desde que chegou à seleção júnior, em 2013, a meia-esquerda cultivava o sonho de jogar na Europa, caminho obrigatório para uma carreira bem-sucedida no handebol profissional. Quando o convite para jogar na Espanha chegou, ele não era atrativo financeiramente e Giulia ficou dividida entre estudar e jogar.
"Eu via as meninas da seleção e pensava: quero estar aí um dia, quero fazer parte disso. Tenho exemplos muito positivos: Duda, Ana Paula, Deonise, Alexandra... admirava muito, era meu sonho. Tive uma época com muitas lesões e persisti no handebol. Rompi ligamento posterior, saiu o ombro. Já tinha dois anos e meio de faculdade e quando ofereceram para sair, isso pegou. Mas meus pais me incentivaram muito a realizar meu sonho", lembra.
Morando na Espanha, ela precisou parar de estudar, cenário que foi revertido pela pandemia, que fez com que as aulas pudessem ser assistidas estando ela em São Paulo ou na Europa, o que ela, que é "apaixonada por estudar", faz com prazer.
"Tenho na minha cabeça que quando acabar a ECA quero fazer pós, fazer outra faculdade. Amo estudar, amo conhecimento, então por isso eu quis estudar. Eu acho que trabalhar a cabeça é tão importante quanto trabalhar outros aspectos da minha vida. Eu amo ser atleta profissional, mas não vai durar até eu ter 50 anos. Eu gosto de estudar, quero abrir minhas opções para o futuro."
Como o calendário de aulas atrasou desde o ano passado, o primeiro semestre de 2021 começou apenas em abril e isso significa que, enquanto Giulia está no Japão, as aulas e as provas na ECA continuam. Por isso, ela levou caderno e notebook para Tóquio, para estudar nos horários de descanso.
"Aqui a gente treina bastante, descansa bastante. Em alguns momentos que tenho livre, ao invés de ver série, eu vou e faço uma parte do trabalho. Não dá para assistir as aulas porque são 12 horas de fuso, mas eu faço trabalhos para compensar as faltas. Meus professores estão ajudando, meus grupos estão ajudando", afirma.
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