Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ouro tirado do Brasil é golpe de credibilidade nas Paralimpíadas
Difícil encontrar, na história do esporte, alguma decisão tão absurda, revoltante, injusta, quanto a que tirou o ouro de Thiago Paulino no arremesso de peso nas Paralimpíadas de Tóquio. Perde todo mundo: o brasileiro, que teve afanada a grande conquista da vida, o chinês, que tem no peito um ouro que não mereceu, e principalmente o movimento paralímpico, que manda para o mundo o recado de que não é confiável.
Thiago, conhecido como Thiagão, é disparado o melhor do mundo na classe F57, e mostrou isso em Tóquio. Último a competir, abriu a apresentação com um arremesso que o colocou em terceiro, em seguida fez um arremesso que o transformou em líder e garantiu o ouro, e fechou a prova com uma tentativa infrutífera de recorde mundial, mas que também foi melhor do que qualquer arremesso do segundo colocado, o chinês. Declarado campeão, fez duas tentativas inválidas e abriu mão do último arremesso. Não precisava, já era campeão.
Foi dormir campeão paralímpico e, de manhã, voltou ao Estádio Nacional de Tóquio para a cerimônia da medalha. Chegando lá, descobriu que os dois arremessos que valeriam ouro, exatamente os dois, foram anulados. Sobrou só o que o deixou com bronze. E azar o dele que ele não fez o último.
O Comitê Paralímpico Internacional (IPC) alega que a China apresentou um vídeo que mostra uma irregularidade que não aparece na transmissão de televisão. Supostamente, ele teria cometido lifting, que consiste em retirar os glúteos da plataforma de lançamento, um misto de mesa e cadeira de rodas. Mas sequer isso é confirmado pelo IPC ou pela federação paralímpica de atletismo, que também é controlada pelo IPC.
O Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) pediu acesso a essas imagens, o que foi negado, ainda que o livro de regras não proíba essa divulgação. Então é assim: o IPC diz que tem provas de que Thiago cometeu uma irregularidade, mas que não vai mostrar, porque não quer mostrar. A opção é acreditar no que diz o órgão, na sua boa-fé.
O IPC, porém, não tem crédito para isso, não quando o Brasil está envolvido. Desde que passou a ser presidido pelo brasileiro Andrew Parsons, o país é muito prejudicado por decisões contestáveis do IPC. Os dois maiores nomes da história do esporte paralímpico brasileiro foram diretamente afetados. André Brasil foi excluído do movimento (ele não é mais considerado elegível, mesmo sua deficiência sendo a mesma de sempre) e Daniel Dias teve que disputar a Paralimpíada contra seis rivais que vieram de classes mais altas, para atletas com grau menor de deficiência.
De uma vez só o Brasil perdeu seis ou sete medalhas de ouro — nas cinco provas que disputou, Daniel só foi superado por esses atletas reclassificados na gestão Parsons no IPC. E agora perde coincidentemente a que seria a 21ª de ouro, justamente a medalha que fez com que essa campanha seja a melhor da história, melhor do que a de 2012, quando o presidente do CPB era Parsons — depois o recorde foi quebrado com um ouro na canoagem.
Desde que Andrews saiu do CPB para o IPC, ajudando a eleger Mizael Conrado, seu antigo vice, a relação entre as duas entidades só se estremece. O movimento paralímpico brasileiro não nega que deva muito a Parsons, mas já não vê nele um aliado. Pelo contrário.
No Brasil, a gestão dele no IPC ficará marcada por decisões inexplicáveis que tiraram a credibilidade da Paralimpíada. Se o resultado de uma prova é mudado até diante dos olhos do mundo inteiro, como acreditar que o que acontece nos bastidores, como as classificações dos atletas, é feito com critério? É inacreditável.
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