Dias de luta

Abner não chegou na final, mas o bronze o aproxima de outro grande objetivo: dar uma casa à mãe

Felipe Pereira Do UOL, em Tóquio Gaspar Nóbrega/COB

Quando caminhou em direção ao ringue, Abner Teixeira, 24 anos, tinha a cara que se espera de um boxeador que vai lutar por uma vaga na final olímpica. Estava compenetrado, concentrado, pronto para a guerra. Mas a música que escolheu para o momento não ornava com briga.

Os alto-falantes da Kokugikan Arena tocavam Eterno Aprendiz, de Gonzaguinha: "Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar... E cantar e cantar... A beleza de ser um eterno aprendiz..."

Abner teve liberdade para escolher a música e a estratégia de luta na semifinal. Com a trilha sonora deu tudo certo, já a tática para o combate teve destino diferente.

O plano era acertar bastante o corpo dele, ir minando e eventualmente achando os golpes na cabeça. Eu achei os golpes na cabeça, mas ele acabou enrolando um pouco a luta, bagunçando o plano por causa da experiência dele."

O adversário era o cubano Julia la Cruz, medalha de ouro no Rio-2016 e quatro vezes campeão mundial, que dominou a semifinal. No boxe, não há luta pelo terceiro lugar como no judô ou no taekwondo, e Abner ficou com o bronze e uma experiência.

"Um cara a que eu assisto há muito tempo, referência. O cara é campeão mundial desde 2011, então, estar dividindo o ringue com ele foi muito legal, uma experiência incrível. Infelizmente, na parte técnica e tática deixei a desejar um pouco, acabei perdendo a luta. Mas foi irado", disse o medalhista brasileiro.

Mais que uma experiência, Abner leva o bronze e está mais próximo de conseguir outro grande objetivo da vida: comprar uma casa para a mãe se livrar do aluguel. "Esta medalha me aproximou mais deste sonho. Eu tava caminhando para isso, juntando um pé de meia. Então, com certeza ajudou um pouco mais."

Para essa conta Abner já pode contar com, ao menos, R$ 100 mil. Esse é o valor do prêmio que o COB (Comitê Olímpico do Brasil) pagará a todos os medalhistas de bronze em provas individuais.

Gaspar Nóbrega/COB
Reprodução/Instagram

Repetição de uma fórmula

A história de Abner é a história do boxe brasileiro. Garoto pobre que não tinha grandes oportunidades ou perspectivas e se aproximou do pugilismo por meio de um projeto social. Serve para ele, serve para os irmãos Esquiva e Yamaguchi Falcão e para tantos outros.

O caminho é o mesmo, só muda o lugar.

Abner nasceu em Osasco, na Grande São Paulo, mudou-se para Sorocaba e entrou no projeto social "Boxe: mãos do futuro". Até os 14 anos, não sonhava em ser jogador de futebol, médico ou bombeiro. Também não demonstrava a menor aptidão esportiva. Tentou basquete, futebol e atletismo e acumulou fracassos.

Com o boxe foi diferente, Abner tinha potencial. Ganhou uma carreira e um rumo. Foi orientado a continuar estudos e fazer faculdade. Uma mudança muito grande de perspectivas e estilo de vida. Até então, tudo que ele conhecia de luta era Anderson Silva, a quem tinha admiração. E ele era do MMA, não do boxe.

Treinador-chefe da seleção brasileira de boxe, Mateus Alves conta que histórias como as de Abner são comuns. Segundo ele, a base de atletas do boxe brasileiro vem de projetos sociais como esses. Ou de pais pugilistas que treinam seus filhos, como é o caso de outra medalhista de Tóquio-2020, Bia Souza.

"Aproveito aqui para falar para empresários interessados em apoiar alguma coisa: que busquem os projetos sociais de boxe. Eles realmente precisam deste apoio. A equipe olímpica permanente tem o apoio do Time Brasil e da Confederação Brasileira de Boxe. A gente tem uma estrutura."

Reprodução/Instagram

Afirmação do boxe brasileiro

O boxe brasileiro chegou a Tóquio-2020 mirando duas medalhas e já garantiu três. Abner ficou com o bronze e o país tem Bia Ferreira e Hebert Conceição nas semifinais. Se derrotados, vão receber o bronze.

O treinador-chefe da seleção comemora o resultado e lembra que no século XX o país conquistou uma única medalha, o bronze de Servílio de Oliveira nos Jogos Olímpicos do México em 1968. Situação muito diferente da atual. A partir de 2001 foram sete medalhas.

Ele atribui o resultado à criação da seleção permanente de boxe, em 2009. Em relação ao sucesso desta edição do evento, o treinador-chefe afirma que o segredo foi ter conseguido manter o cronograma de preparação mesmo com a pandemia. Os integrantes da equipe brasileira de boxe falam que o Brasil está virando potência. Alves concorda. "Tem alguma coisa acontecendo."

Reprodução/Instagram

Fã de Rocky Balboa

Mais novo medalhista do boxe, Abner compartilha um gosto de quase todos os pugilistas: o apreço por Rocky Balboa, o personagem criado por Silvester Stallone em 1976 e que conquistou três Oscars em 1977, incluindo o prêmio de melhor filme. A admiração pelos diálogos e pela garra do personagem estão escancarados ao mundo em seu Instagram, numa cena que realça o espírito guerreiro de quem sobe no ringue.

O lutador também fala do personagem nas entrevistas em Tóquio. Depois de ganhar o combate das quartas de final, comentava o quanto a luta foi equilibrada, com o desafiante alternando golpes e bons momentos. Ele definiu esta vitória suada como "estilo Rocky".

Abner também posta fotos junto a grafites de figuras negras. Uma delas tem a legenda "poder preto" (foto). Outro símbolo que ele leva para as redes sociais e para a vida é integrar o Exército Brasileiro. O pugilista é atleta militar e agradece por fazer parte do projeto. A ajuda faz a casa da mãe ficar mais próxima porque engorda as economias.

"Tem o Exército Brasileiro, a Confederação Brasileira de Boxe, tem o bolso atleta. Tenho muito apoio. Tem agora esta medalha e com certeza vou ter mais apoio do comitê olímpico. A casa é uma questão de tempo."

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