Nas estruturas metálicas do teto da Arena Kokugikan, no leste de Tóquio, cartazes de 16 lutadores de sumô observam a ação que se desenrola abaixo deles. Bandeiras de 82 países decoram a parte superior das arquibancadas. A do Brasil tremula levemente entre a de Porto Rico e a da França.
Se fosse um dia comum, os torcedores estariam sentados em almofadas espalhadas pelo chão, as pernas cruzadas e os pés descalços, como manda a etiqueta oriental. Os lutadores de sumô estariam se encarando antes do choque inicial e tambores japoneses estariam tocando de algum lugar da arquibancada. Haveria luzes, fumaça e a expectativa que carrega o ambiente antes de toda luta. De qualquer tipo de luta.
Se fosse um dia comum, Beatriz Ferreira não poderia estar aqui porque mulheres são proibidas de pisar em um ringue de sumô. Os lutadores de sumô consideram seu ringue sagrado, e as mulheres, impuras. Há três anos mulheres foram expulsas depois de tentar socorrer um homem que passava mal no centro do ringue. Sal foi espalhado para limpar as "impurezas" antes da luta seguinte.
Mas hoje não é um dia comum. E no dia mais incomum da sua vida, Bia Ferreira entra caminhando e saltando na Arena Kokugikan, a meca do sumô japonês convertida em ginásio de boxe. O locutor anuncia seu nome. Ela é a primeira pugilista brasileira a disputar uma final olímpica e tem uma bandeira do Brasil enrolada na cabeça. Seu olhar encontra o da irlandesa Kellie Anne Harrington entre as abas do capacete de proteção. O sistema de som toca o funk "A Favela Chegou", de Ludmilla.
Após cruzar as cordas, Bia Ferreira, nascida em Salvador e moradora de Juiz de Fora, chega ao centro do ringue. Ela pensa em colocar seu nome na história. O silêncio incomum é quebrado apenas pelo som de um coração pulsante que faz vibrar os alto-falantes do ginásio.