Cair e levantar

Medalha de prata é testemunho de como vôlei feminino do Brasil conseguiu se reconstruir após derrota em 2016

Beatriz Cesarini e Felipe Pereira Do UOL, em Tóquio (Japão) Gaspar Nóbrega/COB

Você pode ter ficado triste com a derrota do Brasil para os Estados Unidos nessa madrugada, em Tóquio, na final do vôlei feminino nas Olimpíadas. Não deveria. A derrota na final não conta a história toda do grupo e de tudo que ele teve de enfrentar nos últimos cinco anos.

Lembre-se: a imagem olímpica anterior da seleção feminina era a de Felipe, neto do treinador Zé Roberto Guimarães, entrando na quadra do Maracanãzinho para emprestar o ombro ao avô. O técnico chorava no banco de reservas depois da eliminação em casa nas quartas de final contra a China. O Brasil ficara sem medalha nos Jogos pela primeira vez em 12 anos.

Ainda na quadra, o garoto de cinco anos ouviu uma promessa: Zé Roberto disse que o time ia treinar mais e voltar às vitórias. Ele honrou o compromisso que incluía reconstruir um time. A seleção feminina chegou a Tóquio-2020 com somente três remanescentes do elenco que esteve no Rio de Janeiro: Fernanda Garay, Gabi e Natália.

Durante a campanha, Zé Roberto ressaltava que um resultado desta magnitude tem muito valor. Foi este grupo novo que levou o time ao pódio neste domingo. A jornada de reconstrução acabou em lágrimas pela derrota — a seleção feminina é um time acostumado a troféus. Mas lembre-se: a final é um capítulo de uma história de reconstrução em que muita coisa foi conquistada.

Gaspar Nóbrega/COB
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No Brasil, há sempre aquela mesma história: segundo e último é a mesma coisa. A gente precisa aprender que segundo tem o seu valor. Essa é a história do nosso país e a gente precisa mudar porque segundo, terceiro e quarto [melhores] do mundo tem muito valor. Em sete bilhões de pessoas que existem no mundo, os que foram segundo, terceiro e quarto, estão na frente de bilhões. Acho que é uma história importante que podemos escrever aqui e temos que pensar nisso. Às vezes tem aquela coisa do cachorro vira-lata, de olhar para o quintal do vizinho e ver a grama mais verde que o nossa. O brasileiro é muito bom. Em todas as modalidades. A gente corre muito, se esforça muito. Temos que valorizar a nossa gente, os nossos atletas, nosso país."

Zé Roberto Guimarães

Gaspar Nóbrega/COB Gaspar Nóbrega/COB
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Fernanda Garay na partida contra os EUA

Final sem ouro

Ao contrário de outras Olimpíadas, e de todo o ciclo olímpico que terminou em Tóquio, a caminhada da seleção feminina foi tranquila em 2021. Na primeira fase, a equipe de Zé Roberto garantiu a classificação de forma invicta e foi cheia de confiança para as quartas de final.

O primeiro jogo mata-mata foi justamente contra a Rússia, que estava em um momento tão bom quanto o Brasil. As adversárias chegaram a assustar, mas Zé Roberto sacou Tandara, uma das atletas mais fortes do time, e colocou Rosamaria. A oposto mudou o jogo e foi peça principal na virada sobre as russas.

Tandara acabou deixando o time de vez por potencial violação da regra antidopagem e quando suas companheiras subiram ao pódio, já estava no Brasil preparando sua defesa no futuro julgamento por doping. Rosamaria virou titular na semifinal contra a Coreia do Sul. Apesar do baque com o corte da companheira, a seleção se manteve focada e atropelou as asiáticas, garantindo uma medalha.

Na grande final, a seleção enfrentou os Estados Unidos. Elas sempre souberam que não seria uma partida simples. Nas últimas três finais em que se enfrentaram, as americanas tinham vencido. As exceções eram, justamente, as finais olímpicas, de 2008 e 2012. Mas desta vez a história não se repetiu.

O Brasil não conseguiu manter o nível das partidas anteriores. A soma de erros técnicos e a tensão brasileira fez com que as norte-americanas tomassem conta da partida. O placar, 3 a 0 com parciais de 25/21, 25/20 e 25/14, mostra o domínio rival. A medalha de ouro ficou com os EUA por merecimento.

Reprodução/TV Globo

Os problemas: Macris e Tandara

Mesmo com uma campanha perfeita até a final, o Brasil teve de superar problemas durante os Jogos. O primeiro foi a lesão da levantadora Macris. Ela sofreu uma entorse feia no tornozelo direito na terceira partida da competição. A avaliação médica não viu ligamentos do tornozelo rompidos e ela voltou nas quartas de final, contra a Rússia.

Mesmo após o susto, ela preferiu seguir jogando sem proteção no tornozelo, embora o técnico Zé Roberto tenha recomendado. Segundo ela, a tornozeleira limita os movimentos em quadra e ela não se sente confortável.

O doping de Tandara foi o segundo problema: 12 horas antes da semifinal contra a Coreia do Sul, o técnico Zé Roberto foi acordado com a notícia de que Tandara estava cortada da seleção por potencial violação da regra antidopagem.

A grande dúvida era como a equipe iria entrar em quadra para uma partida decisiva após perder uma das principais peças do elenco. "A Tandara sempre fez parte deste grupo. É tão importante quanto qualquer uma de nós. Jogamos para ela e estamos torcendo pela inocência dela", afirmou Carol Gattaz depois da vitória sobre a Coreia.

Gaspar Nóbrega/COB

Medalha no peito aos 40

Talvez o maior exemplo do valor da campanha brasileira seja Carol Gattaz. A jogadora de 40 anos se tornou a atleta mais velha de qualquer modalidade a ganhar uma medalha para o Brasil em Olimpíadas. Gattaz é meio de rede e superou a marca da levantadora Fofão, que conquistou o ouro em Pequim aos 38 anos.

No esporte brasileiro, está atrás somente do velejador Torben Grael, ouro em Atenas-2004 quando estava com 44 anos.

A atleta, porém, obteve essa marca muito porque, durante o ciclo olímpico, o Brasil perdeu duas jogadoras consagradas em sua posição: Fabiana e Thaisa. As duas estão entre as melhores da história na posição e, muito por conta delas, Gattaz nunca tinha disputado uma Olimpíada anteriormente.

Fabiana, porém, acabou deixando a seleção para ser mãe: o plano era parar após as Olimpíadas de Tóquio, mas o adiamento de um ano por causa do coronavírus a fez priorizar a maternidade. A segunda, melhor jogadora da última Superliga, não aceitou a convocação. Vindo de uma série de lesões graves, uma delas que quase a fez encerrar a carreira, preferiu abrir mão dos Jogos para poupar o corpo.

Gattaz não fez feio: foi titular durante toda a campanha olímpica e uma das melhores jogadoras da seleção no Japão.

Gaspar Nóbrega/COB

Oito estreantes

A meio de rede de 40 anos foi uma das oito estreantes em Jogos Olímpicos que Zé Roberto levou para o Japão. Pode parecer que o time era jovem, mas não era exatamente isso. A média de idade do elenco era superior aos 30 anos e só uma jogadora, a revelação Ana Cristina, de 17 anos, tinha menos de 26 anos.

A derrota na final pode mascarar, mas o que essas estreantes mostraram em quadra nas Olimpíadas foi o torneio mais consistente do Brasil nesse ciclo olímpico. Fernanda Garay e Carol Gattaz lideraram um time que soube superar momentos de adversidade, como a lesão da levantadora Macris e o corte de Tandara, com serenidade.

Além disso, o elenco sai com algumas opções de liderança para os próximos três anos (já pensando em Paris-2024). Gabi, de 30 anos, foi para a Rio-2016 para ganhar experiência e deve ser o esteio técnico e de experiência que Natália e Garay foram agora. Ela estava ao lado de Zé Roberto na zona mista e o treinador avisou que conta com ela para o próximo ciclo olímpico.

Outro nome citado pelo comandante do time foi Rosamaria. A jogadora mostrou força e espírito de luta que caracterizou Garay, de saída da seleção. Considerada amadurecida, Rosamaria se candidata a liderança da equipe e já avisou que quer estar em Paris-204.

Valentyn Ogirenko/Reuters

Fator Rosamaria

Rosamaria, aliás, é um desses casos improváveis do esporte em que uma série de pontos de interrogação se revolvem na hora exata para uma jogadora brilhar. Ela estava em crise existencial em 2019, queria jogar numa posição e o mundo a queria em outra. Perdida e em baixa na carreira, a atleta pediu dispensa da seleção brasileira e foi jogar num clube pequeno da Itália.

Essa atitude extrema no ano anterior às Olimpíadas tinha tudo para tirar a jogadora do evento. Mas o adiamento de Tóquio-2020 deu tempo para Rosamaria reencontrar seu vôlei. O técnico Zé Roberto Guimarães destaca o amadurecimento. Ela foi o destaque do time na partida de quartas de final contra a Rússia. Um jogo enroscado, em que as adversárias abriram 1 set a 0 e que mudou de lado com a entrada dela.

Gaspar Nóbrega/COB Gaspar Nóbrega/COB

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