Novata com bagagem

Aos 40 anos, Carol Gattaz chega à sua primeira Olimpíada após superar corte traumático no vôlei

Demétrio Vecchioli Do UOL, em São Paulo Divulgação/FIVB

Aos 39 anos, um atleta de alto rendimento já teve muitas primeiras vezes: o primeiro título, a primeira convocação, o primeiro Mundial e até a primeira vez em que se viu no fim de carreira. A central Carol Gattaz passou por tudo isso antes de, enfim, reviver a experiência da primeira Olimpíada, que agora parece certa.

Última cortada da seleção de vôlei antes dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, ela ficou fora do grupo campeão olímpico na China e chegou a desistir do sonho de dormir em uma Vila Olímpica. Até participou de duas Olimpíadas, mas como comentarista de TV, função normalmente reservada a quem já encerrou a carreira ou está muito perto disso.

Mas a um mês de completar 40 anos, a veterana está de volta à seleção brasileira depois de uma longa década. Tem sido titular do time de José Roberto Guimarães na Liga das Nações de Vôlei e vê de novo uma Olimpíada no horizonte. Enquanto jogadoras mais jovens pedem dispensa, pensando na reta final da carreira, Gattaz diz estar na sua melhor fase. "Eu gosto de contrariar as estatísticas", afirma.

Ao UOL Esporte, a central do Minas Tênis Clube falou sobre os deslizes da carreira, a frustração de ter sido a última convocada de um grupo que seria campeão olímpico, da responsabilidade de ser a mais experiente (e ao mesmo tempo novata) da seleção que se prepara para Tóquio e revela que ter tornado público um relacionamento homoafetivo deixou sequelas.

Divulgação/FIVB
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Carol Gattaz (número 2) ao lado das companheiras da seleção brasileiras

"Voltar à seleção em alto nível era impensável"

Quando assumiu a seleção feminina em 2003, José Roberto Guimarães topou a responsabilidade de iniciar uma gradual renovação na equipe. Em sua primeira convocação estavam veteranas como Virna e Fernanda Venturini, mas também os melhores nomes de nova geração: Fabi Alvim, Sassá, Sheilla, Paula Renata (que viria a ser conhecida como Paula Pequeno) e Carol Gattaz.

Dezoito anos depois, só Sheilla e Gattaz continuam na seleção, em situações diferentes. Enquanto a oposta já não tem mais o mesmo nível físico e técnico, mas tem a experiência de dois ouros olímpicos, a central vive ótima fase técnica e pode disputar, em Tóquio, sua primeira Olimpíada.

"Eu nem imaginava que eu ia voltar para a seleção um dia. Nunca pensei que estaria jogando em alto nível, ganhando títulos por um time que eu amo. Era impensável", afirma Gattaz, que não jogava um campeonato pelo Brasil desde 2010 e que não era convocada desde 2013.

Eu jogo porque eu amo. Claro que eu não pensava antes em voltar a ser convocada, mas quando eu comecei em alto nível de novo e vi que estava no nível das jogadoras da seleção, passei a pensar: 'Por que não? Só por causa da idade?' Eu tenho muito mais vontade de estar aqui do que jogadoras que já pediram dispensa."

Carol Gattaz, central da seleção

Cameron Spencer/Getty Images
Fabiana, ao centro, jogou na posição de Carol e conquistou a medalha de ouro em 2008

Corte antes de Pequim foi o maior trauma

Gattaz já esteve a beira de participar de uma Olimpíada. Em 2008, Zé Roberto Guimarães foi até o fim da preparação com quatro centrais, mas optou por levar apenas três a Pequim. Apostou nas jovens Thaisa, então com 21 anos, e Fabiana, com 23, e cortou Gattaz, que havia sido vice-campeã mundial dois anos anos, em 2006.

"Aquele foi talvez o maior trauma da minha carreira de atleta. Eu me esforcei nos quatro anos de período olímpico, e ser cortada foi muito dolorido. Fiquei chateada, como outras atletas ficaram com o corte em outras ocasiões. Em 2004 era meu primeiro ano de seleção, eu não me sentia preparada, Mas em 2008 eu me sentia preparada"

Fora do time que competiu na China, a jogadora acabou sendo convidada pela Globo para comentar a Olimpíada.

"Hoje, fazendo retrospectiva da minha carreira, eu falo que em 2008 eu talvez não estivesse preparada também. E hoje estou muito mais preparada do que em qualquer ocasião. Tanto fisicamente quanto psicologicamente. Hoje é o momento que estou mais preparada para tentar disputar uma Olimpíada e ajudar da melhor maneira possível."

"Não se pode questionar um ouro olímpico"

Eu queria entender por que a comissão técnica escolheu uma e não outra, mas não se pode questionar um ouro olímpico. Sempre tive grande gratidão pelo Zé. Sempre fiz parte das equipes dele. Fiquei chateada, mas não consegui ter raiva, porque eu tinha muita gratidão. Esse sentimento nunca vai deixar de existir.

Carol Gattaz, sobre ter sido cortada por José Roberto

Acervo Pessoal

Primeira jogadora da elite a assumir relacionamento lésbico

Durante o período em que esteve longe da seleção, Gattaz se tornou a primeira jogadora da elite do vôlei brasileiro a assumir um relacionamento homoafetivo. A relação entre ela e a também jogadora Ariele era tratado naturalmente pelas duas nas redes sociais, mas a central evitava falar sobre o assunto com a imprensa. Em 2016, ao UOL Esporte, Gattaz quebrou esse tabu.

Cinco anos depois, as duas já não estão mais juntas. Gattaz não se arrepende de ter exposto a relação, mas se ressente da forma como parte dos fãs reagiram ao término.

Carol e Ariele

Arquivo pessoal

"Eu nunca quis levantar bandeira, porque não é meu estilo. Mas sempre quis deixar muito claro que isso não é problema. Eu estar com homem, mulher, não é problema. A gente não tinha medo, expunha porque gostava, e muita gente se inspirava. O lado ruim foi quando a gente terminou."

Arquivo pessoal

"As pessoas atacavam porque a gente não estava mais juntas. Ela começou a namorar outra pessoa e eu a ficar com outras pessoas. E elas foram atacadas. Nosso relacionamento foi bom enquanto tinha que durar. Esse foi o único ponto negativo da nossa exposição. As pessoas têm que entender que cada um tem sua vida."

Arquivo pessoal

Sobre exposição em futuros relacionamentos: "Se tiver que postar sobre alguém, eu vou postar, mas me assustou um pouco depois de tudo. Se viver mais reservada, a gente tem uma paz de espírito maior. A internet está ultrapassando um pouco o que é real, o que não é. É uma terra sem lei."

Divulgação

Lesões e má fase levaram Carol a pensar em parar

Com Thaisa e Fabiana firmadas como duas das melhores jogadoras do mundo e titulares da seleção, Gattaz foi perdendo espaço no grupo de Zé Roberto. Problemas físicos e pessoais também atrapalharam.

"Em 2010 eu tive uma lesão muito séria na fáscia plantar e eu não estava na minha melhor condição. Depois disso eu não fiz boas temporadas para ser convocada, mas por questões técnicas mesmo, por ter jogadoras que estavam melhores que eu. Eu dei uma deslizada naquele momento da carreira. Eu não fui bem orientada por mim mesma", admite.

Novamente comentarista da Globo na Olimpíada de 2012, chegou a achar que sua carreira havia chegado ao fim.

"Naquela época eu pensava em parar de jogar vôlei. Eu ficava: 'Será que eu tô indo para o lugar certo? Estão surgindo jogadoras novas e talvez eu tenha que ir por outros caminhos'"

"Depois da Olimpíada eu fui para a Amil (time de Zé Roberto em Campinas), mas quando a Amil acabou eu fiquei sem clube. Já era setembro e eu não tinha nenhum convite, e falei: 'Sobrei'. Mas aí veio o convite do Minas..." Começava ali uma nova fase na carreira da central.

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Retorno à seleção para substituir bicampeã Thaisa

A volta à seleção deveria ser para jogar ao lado de Thaisa, revivendo a dupla que faz sucesso no Minas, mas a bicampeã olímpica, quase seis anos mais nova que Gattaz, optou por se aposentar da seleção. Quer ter uma carreira mais longeva e, para isso, abriu mão de defender o Brasil no calendário internacional.

Com Gattaz aconteceu o contrário. Fora da seleção, ela fez menos jogos nos últimos 10 anos, descansou nos períodos entre temporadas, e agora está em forma para, na prática, substituir Thaisa na equipe.

"Pude ter esse tempo de descanso, férias. Acabar uma temporada e me cuidar. Minha longevidade passou por aí. A Thaisa precisava desse tempo que ela nunca tinha tido. Se ela estivesse aqui ia ser muito bom, porque eu queria muito ela no time. Quero ser titular e com certeza do lado dela ia ser muito melhor, porque a gente sabe da qualidade dela, que para mim é a melhor jogadora do Brasil."

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