Tiro pela culatra

Medalhista na Rio-16, Felipe Wu lamenta impostos sobre importação de armas, mesmo em cenário armamentista

Demétrio Vecchioli Do UOL, em São Paulo Guito Moreto/Nopp

Desde a eleição de Jair Bolsonaro, o governo federal tem facilitado a compra de armamento pela população em geral. Pela primeira vez em um século, o país tem um medalhista olímpico no tiro esportivo, assim como um campeão mundial na base. O que poderia ser uma onda favorável à modalidade, porém, virou uma marolinha.

Vice-campeão olímpico nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016, Felipe Wu será o único brasileiro no tiro esportivo nos Jogos de Tóquio. É a menor delegação verde-amarela em 17 anos, desde Atenas-2004. Já havia sido assim nos Jogos Pan-Americanos de 2019, quando o país teve seu pior desempenho em 20 anos, ganhando apenas duas medalhas de bronze.

"De alguma forma minha medalha foi mal aproveitada. Não por mim, mas pelas instituições em geral. Poderiam ter aproveitado melhor, pela exposição que ela deu. Alguma coisa não está correta", diz Wu, que só conseguiu a classificação para Tóquio por que o evento foi adiado. Ele conquistou a vaga na última oportunidade que teve em 2021, durante a Copa do Mundo de Nova Déli, disputada em março.

Apesar das medidas tomadas pelo presidente da República para facilitar a aquisição de armas, medidas apoiadas por Wu, os impostos para a compra de equipamentos de tiro esportivo continuam nos mesmos patamares deixados pela presidente Dilma Rousseff (PT), o que o incomoda o atleta.

Ele defende menos burocracia no acesso a armas de fogo para a população. "Aumentou muito a procura por arma, mas a burocracia não diminuiu. É mais burocrático do que deveria ser."

Guito Moreto/Nopp

As pessoas têm vontade de comprar arma pra se defender. O estado não é onipresente. Não tenho opinião formada sobre o porte de arma pra todo mundo. Não acho que deveria ser restrito. Ter arma para defender sua propriedade, sua família, eu concordo."

Felipe Wu, medalhista de prata no tiro esportivo em 2016

Wander Roberto/COB

No fim do ano passado, a Camex (Câmara de Comercio Exterior), subordinada ao Ministério da Economia, publicou resolução que zerava imposto de importação sobre revólveres. O PSB entrou com ação no Superior Tribunal Federal (STF), e o ministro Edson Fachin suspendeu a medida. Para o esporte olímpico, não fez diferença. A resolução não altera a tributação das carabinas, pistolas, rifles e espingardas utilizadas nas 15 provas olímpicas.

Entre 2002 e 2016, uma lei zerou o imposto de importação de equipamentos esportivos sem produção nacional, o que incluía armamentos do tiro esportivo. Mas, pouco antes da Olimpíada, a presidente Dilma vetou a renovação do mecanismo.

"Independente do governo, acho que nada ajuda muito. Eu sou muito cético. Eles não pensam no atleta com o carinho que deveriam. Não faz sentido cobrar impostos para quem vai representar o próprio governo", diz ele, que é terceiro sargento do Exército e beneficiário da Bolsa Atleta.

Apesar da retórica pró-armas, Bolsonaro não zerou impostos sobre equipamentos do tiro esportivo —mas fez isso recentemente em relação a skates profissionais, por exemplo. Wu não culpa o presidente. "Se amanhã o governo publicar um decreto para isentar armas de competição, depois de uma semana vai cair o decreto. Não adianta", avalia, fazendo referência ao STF.

Ele entende que caberia ao Congresso legislar sobre o assunto. "Não é o Executivo que manda, é o Legislativo." O atirador defende benefícios fiscais na importação de todos os equipamentos usados em esporte olímpicos. "Deveria existir a mesma lei que existia até 2016, de todos os equipamentos olímpicos serem isentos. Por que só o tiro? Por que só o skate? Que sejam todos."

Pascal Guyot/AFP Pascal Guyot/AFP

Porque mais atiradores não significa mais atletas

O tiro esportivo tem 15 provas na Olimpíada, na "carabina e pistola" (que são uma disciplina só) e no tiro ao prato. A entidade de organização do desporto responsável por essas provas no Brasil é a Confederação Brasileira de Tiro Esportivo (CBTE), à qual Felipe Wu é federado. Mas a CBTE cuida de uma parte relativamente pequena do tiro esportivo no país.

A modalidade mais difundida no país é o tiro prático, que também é conhecido pela sigla IPSC de sua federação internacional. Quem quer atirar com revólver faz tiro prático —esses são a maioria dos novos atiradores criados pelos decretos do governo. "Alguns que vão pro tiro prático ainda migram para o olímpico, mas as vezes não conhecem, não sabem como é. Têm poucos clubes preparados para receber os atletas", afirma Wu.

"O que falta é mais uma questão estrutural de organização do esporte. Não é nem uma questão financeira, mas é uma base mais sólida de praticantes. A maior parte dos atiradores faz por conta própria. Não existe uma base de apoio, de treinamento. A confederação está tentando desenvolver. Se está no caminho certo, os resultados que têm que responder."

Rafael Bello/COB

Dos quatro piores resultados da carreira de Felipe Wu, três foram em 2019, exatamente quando ele tentava classificação para Tóquio. Chegou a ficar no 94º lugar na Copa do Mundo de Munique, desempenho muito aquém do que se espera de um atirador de primeiro nível.

Mas aí veio a pandemia e ela trouxe reflexos positivos na carreira de Wu. "No ano passado, que não teve competições, eu consegui parar e treinar com mais calma, sem ter o compromisso de estar toda hora competindo e viajando. Isso me ajudou a me encontrar", avalia.

De forma geral, o ciclo de Felipe Wu entre 2016 e 2020 foi ruim. Não se classificou para o Pan e foi só o 18º no Continental de 2018.

Teve também uma autocobrança em alguns momentos que me atrapalhou. Nesses anos que eu competi mal eu também não estava treinando bem. Não tinha nem expectativas muitos grandes porque não performava bem nos treinos. Nosso calendário não é muito amigável no Brasil em relação ao calendário europeu. Fica sempre muito atropelado."

Fabio Aleixo/UOL
Felipe Wu e Rosane Budag passeiam na Vila Olímpica em 2016

Quando tudo parecia perdido, o atirador conseguiu um surpreendente quarto lugar na etapa de Nova Deli (Índia), disputada em março. Foi sua terceira final em Copas do Mundo, as duas anteriores haviam sido exatamente em 2016. Motivo para começar a sonhar com medalha em Tóquio? Nem tanto.

Atualmente, ele está sem treinador. A parceria com o colombiano Bernardo Tobar, contratado pelo COB, se encerrou no começo de 2019, ainda que o técnico tenha permanecido no Brasil mais um ano com o restante da seleção. "Não estava conseguindo ter bons resultados com o Bernardo e nossas ideias estavam conflitantes, não estavam dando resultado", explica. Desde então, Wu treina sozinho, em casa ou no clube de tiro. "O tiro é um esporte individual. Tudo que eu faço a responsabilidade é minha, seja para o bem ou para o mal."

Por causa da Olimpíada, Wu deu um tempo na programação dos cursos de tiro que ministra ao lado da namorada, Rosane Budag, que também competiu na Rio-2016. "Meu curso é mais voltado ao tiro de precisão. É um nicho mais específico. Ano passado a gente conseguiu fazer cursos no Piauí, Bahia, Cuiabá, Curitiba, São Paulo. Queremos voltar depois da Olimpíada", diz.

É uma situação bem diferente do que a gente estava antes do Rio em 2016. A expectativa é que eu consiga competir da mesma forma que eu venho treinando. Só teve essa competição que foi de alto nível. Quero fazer boa participação, mas não tenho criado expectativa com relação ao resultado. Não que eu não queira, é que eu não me preocupo. Foi uma conquista muito mais de esforço próprio."

Felipe Wu, sobre suas expectativas pra Tóquio

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