Pelas beiradas

Fernando Scheffer ganha bronze na natação após passar três meses sem ter uma piscina para nadar

Beatriz Cesarini e Demétrio Vecchioli Do UOL, em Tóquio (Japão) Odd ANDERSEN / AFP

Dizem que todo o esforço vem com uma grande recompensa. Fernando Scheffer fez de tudo para manter seus treinos durante a pandemia de covid-19, nadou até em um açude na cidade de Coronel Xavier Chaves, no interior de Minas Gerais —as raias eram feitas com isopor cortado de bandejas de supermercado. Hoje (27), ele entra para a história ao conquistar a segunda medalha do Brasil nos 200m livre, de bronze, a quarta da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020.

Assim como os demais brasileiros da seleção de natação, ele precisou ficar um tempo sem cair na piscina no começo da pandemia. No caso dele, três meses, até ser autorizado a utilizar a raia de 25 metros de uma piscina em Governador Valadares (MG) e, depois, voltar ao Minas Tênis Clube, pelo qual compete. No início desse ano, quando novamente os clubes fecharam suas portas, ele e cinco amigos seguiram para um sítio da família de Vinicius Lanza, que também está em Tóquio.

Foi um ciclo bem complicado. A gente passou muitos meses sem treinar. Sempre coloquei na cabeça dar o nosso melhor com o que a gente tinha nas mãos. Aluguei uns pesos de academia com uma amiga nossa, montei na garagem de casa, aluguei bike de spin. Me virei do jeito que dava."

Após a conquista histórica, ele falou a família por uma vídeo-chamada promovida pela Federação Internacional de Natação. E, já na zona mista, lembrou dos momentos difíceis vividos nos últimos meses e como transformou isso em força para chegar ao bronze. "Passar por tudo isso nos fortaleceu, nos deixou cascudos. Passar por isso foi importante para a gente ver que é capaz de muita coisa. Acreditar é uma coisa que a gente tem um pouco de dificuldade de fazer, às vezes. Muita gente acreditou junto comigo, então não tinha como eu não acreditar também. Deixei fluir, deu tudo certo", disse.

Odd ANDERSEN / AFP

Um título mundial que mudou tudo

A conquista do título mundial do revezamento 4x200m livre em 2018, em Hangzhou, com direito a recorde mundial, jogou luz sobre um grupo de nadadores que, até então, estava nas sombras. Os líderes dessa equipe eram Scheffer e Breno Correia. Mas aquela conquista veio em piscina curta e, na longa, os resultados ainda não eram os mesmos. No Mundial de 2019, Scheffer foi eliminado na semifinal nos 200m e o time terminou em sétimo lugar no revezamento.

Diante da possibilidade de um resultado melhor no 4x100m livre, Breno abriu mão de nadar os 200m em Tóquio. Scheffer, não. Mais resistente do que velocista — o que permite que ele nade a dobradinha 200m e 400m, mas não os 100m e 200m — , ele estava focado apenas nessa prova e no 4x200m,

Poucos acreditavam, mas ele entregou resultados desde que caiu na piscina do centro aquático de Tóquio. Foi protagonista desde a primeira bateria de uma prova que não tinha um favorito claro. Venceu sua série nas eliminatórias com 1min45s05, novo recorde sul-americano, e foi terceiro na série semifinal, bem mais lento: 1min45s71. Acabou pegando a última vaga na final, o que significa que ficou na pior das raias, a 8, mais afastada do centro. Prenúncio de sorte.

O sentimento que me preenche agora é gratidão. Teve muita gente que esteve comigo todo esse tempo. Todos os treinadores, os preparadores, fisioterapeutas, médicos, amigos de treino, adversários, família, amigos. A galera ficou acordada até tarde para torcer. Hoje todo mundo nadou comigo, não fui sou eu. Então, essa medalha é de todo mundo."

Fernando Scheffer, medalhista de bronze dos 200m livre

Ormuzd Alves/Folhapress e Daniel Ramalho/CPDoc JB/Folha Imagem

Na ponta da piscina, como Gustavo Borges e Cesar Cielo

A natação brasileira conhece bem uma lição: para chegar ao pódio olímpico, é preciso estar na final, não importa em que raia. Na outra vez em que o Brasil ganhou uma medalha nos 200m, foi exatamente assim. Em Atlanta-1996, Gustavo Borges passou para a final com o sétimo tempo e largou da baliza do outro extremo da piscina, na raia 1 —ao lado da raia 8, são as duas nas laterais, que recebem mais ondulações. Pouco cotado, já que era especialista nos 100m, chegou à medalha de prata com recorde sul-americano.

Aconteceria de novo com a estrela seguinte da natação brasileira: Cesar Cielo. Em sua primeira Olimpíada — como Scheffer agora — e nadando a final da prova que não era sua mais forte, a dos 100m, Cesão entrou na final olímpica de Pequim-2008 com o oitavo tempo e caiu na raia 8. Pelas beiradas, beliscou o bronze.

Sabendo desse histórico, Scheffer caiu na piscina hoje sem medo. Virou a primeira piscina em quarto, acelerou, virou vice-líder, chegou a brigar pela primeira posição, mas terminou em terceiro lugar, atrás dos britânicos Tom Dean (1min44s22) e Duncan Scott (1min44s26). Em uma prova muito mais rápida do que os especialistas previam, foi bronze com 1min44ss66, de novo batendo o recorde sul-americano.

Rob Carr/Getty Images Rob Carr/Getty Images

Contaram essa história para mim, eu nem sabia, raia 8, de canto, como as de Borges e Cielo, está abençoada. A gente treinou para estar bem toda hora. Toda vez que cair na água, dar o nosso melhor."

Fernando Scheffer, medalhista de bronze dos 200m livre

Fala, Scheffão!

Satiro Sodré/SSPress/CBDA

Legado

"Esporte é muito mais do que resultado. Importante é o legado que a gente deixa. Conquistar essa medalha para mostrar que o caminho existe, não é porque a gente é brasileiro que não pode subir no pódio. Do mesmo jeito que o Fernando Scherer me inspirou um dia, espero que o Fernando Scheffer possa inspirar também."

Satiro Sodré/SSPress/CBDA

Esforço

"Desde pequeno, nunca fui o mais rápido, o mais resistente, o mais versátil, mas sempre pensei em ser o mais esforçado. Eu comecei a nadar com meu irmão mais velho, Augusto. Ele nadava muito melhor do que eu e sempre quis ser melhor do que ele. E levo essa mentalidade até hoje e isso é um diferencial importante."

Satiro Sodré/SSPress/CBDA

Escondido

"A gente acaba tendo uma visão melhor nas raias do meio, mas eu gosto das pontas. Faz parte da estratégia focar na minha prova. Imagino que estou sozinho na piscina, nadando como se fosse um treino. Ajuda a manter a calma e o foco para saber o que tenho de fazer. Ajuda a ficar escondido para a construção mental."

Jonne Roriz/COB

Fernando Scheffer, não Sherer

Os sobrenomes são parecidos, mas não, Fernando Scheffer não tem nada a ver com Fernando Scherer, o Xuxa. Scheffer, o novo medalhista, também tem seus apelidos. No Grêmio Náutico União, por onde chegou à natação, é conhecido como Monet, por ter o pé grande como o personagem do famoso quadro Abaporu. Sim, a pintura é da brasileira Tarsila do Amaral, não do francês Claude Monet, mas quem deu o apelido não sabia. Foi justamente isso que fez o apelido pegar.

Desde pequeno faziam essa associação. eu dava ao meu nome e falavam que era nome de nadador, e eu falava que era também".

Nascido em Canoas, no Rio Grande do Sul, Scheffer seguiu para o GNU seguindo o caminho do irmão, Augusto, que também foi nadador e depois seguiu carreira no remo. Já atleta de seleção brasileira, convocado para o Mundial de Piscina Curta de 2016, trocou de clube no ano seguinte, para defender o Minas Tênis Clube. Em Belo Horizonte, passou a ser conhecido como Scheffão, uma referência somente ao seu nome, não à palavra formada pelo som desse aumentativo: chefão. O nadador é visto pelos companheiros como um cara quieto, que fala pouco e trabalha muito.

Satiro Sodré/CBDA

Bronze para tirar o peso

Fernando Scheffer já havia nadado em uma piscina olímpica. Foi em 2016, mas não na Olimpíada. A seletiva para formação do time olímpico do Brasil foi disputada justamente na piscina do Parque Olímpico da Barra, que tinha acabado de ser inaugurado. Então com 18 anos recém-completados, ele participou da final B da seletiva brasileira dos 200m livre e, por muito pouco não pegou uma vaga no revezamento mesmo assim.

Acabou assistindo pela TV uma campanha frustrante do Brasil na Rio-2016, em que não ganhou nenhuma medalha em casa. Cinco anos depois, a natação brasileira seguia pressionada por aquele resultado. Em Tóquio, parecia haver apenas duas chances de medalha: o revezamento 4x100m livre masculino e Bruno Fratus. O primeiro ficou em oitavo lugar na final, ontem. O segundo nada a partir do dia 30.

O sentimento de frustração foi revertido de forma exuberante por Scheffer, que conquistou uma medalha para muitos inesperada e que tirou o peso das costas de todo o resto da equipe, após apenas três dias de competições. Aconteça o que acontecer, o time não volta para casa de mãos abanando.

"A atmosfera que a gente traz para a competição define muita coisa. Eu já me preparava para isso e sempre quis criar um ambiente descontraído e sem pressão, não queria colocar uma carga em mim que não precisava. Só queria chegar aqui e fazer a melhor performance do jeito que puder. Essa foi a cobrança certa. Criar um ambiente de estar feliz e curtindo e melhor do que o de cobrança. Todo mundo ama natação e curte nadar."

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