Olimpíadas mais restritivas

Jogos de Tóquio só permitem 15 minutos de liberdade por dia na bolha; fora dela, vida normal para japoneses

Beatriz Cesarini, Denise Mirás, Felipe Pereira e Juliana Sayuri Do UOL, em São Paulo e Tóquio (Japão) Juliana Sayuri/UOL

Tóquio lutou para realizar os Jogos Olímpicos mesmo em meio à pandemia de covid-19. E justamente por causa disso, embora as competições estejam acontecendo no Japão, os protocolos de controle dentro da bolha olímpica são tão restritivos que é como se as Olimpíadas de Tóquio-2020 não estivessem ocorrendo no país. Para criar um ambiente seguro para os atletas, perdeu o clima local. E as regras enfrentadas por quem está nos Jogos são muito mais duras que as aplicadas em qualquer lugar do mundo —principalmente quando você compara com o Japão (ou o Brasil).

A maior prova disso é a situação de Tóquio. Na última segunda-feira (2), a cidade registrou 2195 novos casos, a maior marca em um início de semana desde o início da pandemia. Questionado sobre os recordes de infectados na cidade-sede dos Jogos Olímpicos, o primeiro-ministro Yoshihide Suga disse não ver relação entre os fatos.

"Como implementamos medidas antivírus que reduzem o fluxo de pessoas e incluem controles mais rígidos nas fronteiras para evitar a propagação do vírus por visitantes estrangeiros, penso que não há ligação", declarou o premiê na quinta-feira (29). Naquele dia, o Japão registrou mais de 10 mil novos casos de covid-19 por dia.

Juliana Sayuri/UOL

"Comunidade mais testada do mundo"

"Aqui temos a comunidade mais testada provavelmente de qualquer lugar do mundo", disse recentemente o porta-voz do COI (Comitê Olímpico Internacional), Mark Adams, referindo-se à bolha olímpica. Até hoje (4), foram realizados 514.461 testes em pouco mais de 20 mil pessoas.

Atletas, jornalistas e demais envolvidos nos Jogos fazem testes de saliva periódicos e compulsórios. A rotina é intensa. Mesmo quem tem pouco contato com atletas se submete a exames nos três dias seguintes ao desembarque no Japão e depois a cada quatro dias. Para aqueles com contato diário com atletas, os exames são feitos de 24 horas em 24 horas.

Fora da bolha, o acesso a testes é complicado no Japão. Desde o início da pandemia, o país é criticado por dificultar a testagem em massa, acusado de tentar manter os casos de covid baixos artificialmente. A atitude contraria a orientação da OMS de fazer exames no maior número possível de pessoas. "Teste, teste, teste" foi a mensagem martelada pelo diretor Tedros Adhanom logo no princípio da pandemia.

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Brasil e Japão tem problemas em testagem da população

Para ser autorizado a fazer exame de PCR no Japão é preciso ser considerado "contato próximo" a um caso confirmado de covid-19. Isto significa manter contato sem máscara por no mínimo de 15 minutos e a até 1 metro de distância de alguém já diagnosticado.

Há relatos recentes de pessoas que atendiam esses critérios e buscaram centros de saúde e não conseguiram ser testados por não ter sintomas — o que é preocupante já que mesmo indivíduos infectados assintomáticos podem transmitir o vírus. Atualmente, o Japão está fazendo 137,41 testes por mil habitantes, segundo dados do site Our World in Data, da Universidade de Oxford.

Até junho, mês que antecedeu o começo das Olimpíadas, o Japão estava na casa de 109,59 testes a cada mil habitantes. O Brasil faz mais exames e registrou 149,21 até 2 junho (última data em que há dados disponíveis para os dois países). Mas isso não significa que a política brasileira de testes é mais próxima da ideal pregada pela OMS.

No Brasil, só quem tem sintomas como tosse, febre e coriza, dentre outros, pode procurar uma UBS (Unidade Básica de Saúde), a porta de entrada para atendimento mais complexo do SUS (Sistema Único de Saúde).Mas a realização do exame depende da disponibilidade de kits distribuídos pelos Ministério da Saúde ou adquiridos por governos estaduais. Não há um protocolo público definido para testar quem teve contato com pessoas infectadas.

Pedidos médicos acabam forçando a realização de testes, tanto no SUS e quanto na rede particular. Ainda assim, assintomáticos possivelmente não serão testados a não ser que paguem para isso em laboratórios privados. No Brasil, um teste particular PCR custa cerca de R$ 200; no Japão, são cerca de 20 mil ienes (R$ 950).

ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Vacinação contra a covid-19 em São Paulo

Japão só começou a vacinar idosos em abril e guarda vacinas

Segundo o presidente do COI, Thomas Bach, cerca de 85% dos atletas e dos oficiais da Vila Olímpica estão vacinados. No comitê organizador dos Jogos o índice chega a "quase 100%". Entre os jornalistas credenciados para cobrir as Olimpíadas, o índice varia entre "70 e 80%".

Fora da bolha olímpica, o Japão tem apenas 27,8% de sua população totalmente vacinada até agora. Embora tenha encomendado milhões de doses de vacinas desde o fim de 2020, o país foi o último integrante do G7, o grupo das nações mais desenvolvidas do mundo, a iniciar a campanha de vacinação. A primeira dose foi aplicada somente em 17 de fevereiro.

Entre os motivos para a demora estão as exigências de testes em seu território japonês antes de aprovar o uso dos imunizantes — diferentemente de outros países que aprovaram o uso emergencial. Profissionais de linha de frente foram vacinados ao longo de março, idosos a partir de abril e pessoas abaixo de 65 anos só no fim de junho.

Dias antes do início das Olimpíadas, o Japão acelerou a vacinação, mas agora enfrenta falta de doses para manter o ritmo. Os imunizantes dos laboratórios Pfizer, Moderna e AstraZeneca foram aprovados, adquiridos e armazenados. Mas as unidades da AstraZeneca não estão sendo aplicadas por causa do risco de coágulos registrados em outros países. Atualmente, o governo japonês cogita utilizá-las para pessoas abaixo de 40 anos para acelerar a vacinação diante da atual alta de casos.

O Brasil, por sua vez, iniciou a campanha de vacinação em 17 de janeiro e hoje utiliza os imunizantes da AstraZeneca (fabricada pela Fiocruz), CoronaVac (do Instituto Butantã), Janssen e Pfizer. O país enfrenta dificuldades por falta de insumos. Ainda assim, mais de 40 milhões foram vacinados até julho, cerca de 19% da população brasileira — números só divulgados graças à coleta do consórcio de veículos de imprensa formado por UOL, G1, "O Globo", "Extra", "O Estado de S. Paulo" e "Folha de S.Paulo", em contraponto à falta de informações consolidadas por parte do Ministério da Saúde.

Segundo dados do Datafolha, divulgados no dia 13 de julho, 56% dos brasileiros já receberam uma dose do imunizante e 38% pretendem se vacinar, uma adesão recorde à vacina contra covid-19. Os que dizem que não foram nem querem se vacinar são 8%. No Japão, 11,3% não querem tomar doses contra o coronavírus — 73,9% deles por temer reações adversas.

Danny Lawson/PA Images via Getty Images
Kits de teste de covid que todos os credenciados dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020 receberam

Atletas e jornalistas têm movimentação vigiada por GPS

Atletas, delegações, integrantes da imprensa e funcionários envolvidos com as Olimpíadas são monitorados 24 horas pelo celular. Foi preciso informar as respectivas temperaturas corporais nos 15 dias que antecederam a chegada em Tóquio. Todos realizaram dois testes de covid-19 antes de embarcar ao Japão com a necessidade de laudos padronizados em japonês e seguindo um modelo fornecido pelo governo do país.

O Comitê Organizador de Tóquio-2020 ainda desenvolveu um aplicativo para monitorar a movimentação e as condições de saúde dos visitantes durante o período olímpico. Também foi exigido que todos os credenciados enviassem um plano de trabalho informando onde estariam nos primeiros 15 dias de em que estivessem no Japão. Nessa programação, só podiam ser incluídos locais dentro da bolha olímpica.

O serviço de imigração autorizou a entrada no Japão apenas de quem teve o plano de trabalho aprovado. Na chegada ao país, os envolvidos nas Olimpíadas enfrentaram um processo de cerca de 7 horas no aeroporto até serem liberados para a entrada na bolha olímpica. O protocolo exigiu a realização de novo teste para covid-19 e inúmeras verificações de questionários sobre as condições de saúde.

Os pouco mais de 11.500 atletas inscritos não escaparam disso. Todos ficaram confinados aos locais de hospedagem e treinos de suas modalidades. Não era permitido acompanhar, por exemplo, jogos de outras modalidades que não as suas. Aliás, as viagens foram encurtadas e a permanência no Japão foi a mínima possível. Os brasileiros, por exemplo, viajaram um ou dois dias depois de terminada sua participação nos Jogos —em outros jogos, os atletas costumavam estender sua permanência.

À Reuters, membros da delegação holandesa definiram a situação como "estressante".

Gaspar Nóbrega/COB
Pódio da prova em o brasileiro Alison Piu foi medalha de bronze: atletas são orientados a usar máscara até na cerimônia de medalhas

Credenciados só tem 15 minutos de "liberdade" por dia

A bolha da Tóquio-2020 envolve a Vila Olímpica e hotéis oficiais determinados pela organização. Foi proibida, por exemplo, a hospedagem em outros locais ou aluguel pelo Airbnb —isso afastou uma série de voluntários internacionais que costumam compor a força de trabalho olímpica. Só é possível usar ônibus oferecidos pela organização e que ligam os hotéis aos centros de transportes oficiais e às arenas de competição. Para a imprensa, por exemplo, a organização forneceu 14 vouchers de táxi, mas não é possível parar um carro na rua. Somente motoristas dedicados aos Jogos Olímpicos podem ter contato com estrangeiros.

Nas primeiras duas semanas, foi possível deixar a bolha por apenas 15 minutos diariamente. Este período é monitorado por um aplicativo oficial que acompanha pelo GPS do telefone celular a movimentação da pessoa credenciada. Também existe um vigilante na recepção de cada hotel da bolha olímpica. Ele anota a hora de saída e de retorno.

O uso de máscaras é obrigatório, assim como o distanciamento social de 2 metros entre as pessoas. Quem violar as regras pode ser banido dos jogos. "Eles realmente estão vivendo em um mundo paralelo", destacou Mark Adams, porta-voz do COI, referindo-se ao rigor das restrições de movimento.

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Metrô de Tóquio em junho durante hora do rush: máscaras, mas sem distanciamento social

Japão se fecha ao mundo, mas não consegue controlar sua população

Jogos Olímpicos à parte, o Japão continua com fronteiras fechadas para turistas e só podem entrar estrangeiros que já tenham visto de residente. Critérios severos com quem é de fora, mas regras amenas para os japoneses. Quem moro país enfrenta restrições mínimas, que sequer se aproximam do protocolo das Olimpíadas.

Na capital Tóquio, por exemplo, o uso de máscaras (cirúrgicas ou KN95) é comum, mas não obrigatório. E o distanciamento social é impossível na hora do rush nas principais estações de trem. Nas ruas de distritos agitados como Shibuya e Shinjuku, há registros de aglomerações em bares e lojas, apesar do estado de emergência, prorrogado até 31 de agosto.

Não é muito diferente da realidade brasileira. Com a possibilidade de decisões descentralizadas do governo federal, estados e municípios brasileiros adotaram medidas próprias e em períodos diferentes com relação a "lockdown". Em São Paulo, por exemplo, transportes públicos lotados eram a regra mesmo quando a cidade quebrava recordes de mortes no início do ano. Ainda assim, no Brasil governadores e prefeitos tem ferramentas de ação e podem decretar o fechamento de escolas e estabelecimentos comerciais, por exemplo, para tentar conter a propagação do vírus.

No Japão, há menos ferramentas para regular os setores. O estado de emergência permite às autoridades pedir a redução de horários de funcionamento sob pena de multa. Mas não pode proibir o funcionamento.

Poderes diferentes não significam resultados distintos. Nem Brasil, nem Japão conseguiram evitar aglomerações. O exemplo dos "bares no Leblon", com clientes na rua, sem máscaras e peitando a fiscalização da prefeitura carioca, foi um retrato de como parte da população reagiu às medidas contra a disseminação do vírus. Os distritos de Shibuya e Shinjuku tiveram a mesma situação, só que do outro lado do mundo.

Hoje, o Japão continua fechado a passageiros vindos do Brasil, exceto os que já têm visto de residência no país ou os que participaram das Olimpíadas.

Até domingo (1), o Brasil registrou 19,9 milhões de infecções e 556 mil mortes por covid-19. O Japão, 927 mil casos e 15,2 mil mortes. As Olimpíadas, 259 casos.

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