Prata, paz e amor

Pedro Barros ganha prata em Tóquio, diz que medalha é souvenir e valoriza fraternidade entre skatistas

Felipe Pereira e Talyta Vespa Do UOL, em São Paulo Gaspar Nóbrega/COB/Gaspar Nóbrega/COB

Pedro Barros conquistou a terceira medalha brasileira do skate em Tóquio-2020. O catarinense que exala good vibes ficou com a prata na categoria skate park, mas trouxe à tona algo que, para ele, é muito mais importante do que o pódio: a fraternidade entre skatistas. No parque de Ariake, nesta quinta-feira (5), Pedrinho exaltou o companheiro Keegan Palmer, que levou o ouro, sem diminuir o próprio feito:

"Sei do meu tamanho, da minha capacidade, do que sou capaz. É muito claro para mim. Mas o que ele estava fazendo era coisa de outro mundo. Elevou para outro patamar", disse o atleta, que entrou absolutamente tranquilo na prova mesmo depois de ver o colega brilhar.

Aos 26 anos, mas respirando o skate desde o primeiro ano de idade, o skatista brasileiro exalou algo tão raro de se ver em competições grandes como as Olimpíadas: leveza. E não é por falta de favoritismo. Pedro Barros coleciona seis ouros, três pratas e um bronze em X Games —a primeira medalha ele conquistou com apenas 14 anos.

Depois de ser pego no doping, com risco de ficar fora da estreia do skate em Jogos Olímpicos, o catarinense deu (algumas) voltas por cima e chegou ao pódio sem abandonar a essência do esporte.

Essa medalha foi simplesmente um detalhe, um souvenir, essa experiência que a gente leva para a vida é muito maior e muito melhor do que qualquer objeto material. Essa medalha aqui não deixa de ser um objeto material, expectativas que as pessoas criam. Estou aqui como um atleta olímpico, mas estou vivendo como um skatista, um ser humano, cativando coisas maravilhosas e colecionando momentos maravilhosos para a minha vida."

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Pedro é roots

Esses valores que Pedro Barros carregou para as Olimpíadas foram ensinados numa praia em Florianópolis. O pai, André Barros, era cozinheiro em Brasília e aproveitou os preços acessíveis da década de 1980 para comprar um terreno no Rio Tavares, uma praia do sul da ilha da capital catarinense.

Mais que preço e localização, o local partilha ideais do que seu filho, o futuro skatista, se tornaria. Em vez de abrigar luxuosos beach clubs de Jurerê Internacional, em que seus frequentadores vão à praia vestidos para a balada, o sul da ilha é roots. Rio Tavares é o lugar em que descendentes de açorianos e forasteiros andam de bermuda e chinelo. A moda é estar de boa. Cafona é ostentar.

Pedro foi criado próximo ao mar, ambiente que convida ao surfe. Outra paixão era o skate, e o pai aproveitou o espaço do terreno para construir uma pista. Nas tardes de verão, churrascos eram preparados enquanto as pessoas davam seus rolês por ali. O medalhista cresceu com um lema: todos torcendo por todos.

Com o sucesso internacional de Pedro, a família passou a receber visitas. O medalhista de ouro Keegan Palmer, da Austrália, passou alguns dias no Rio Tavares quando era criança. "Ele foi lá com o pai, levou a prancha, surfou. Era sorriso no rosto todos os dias. Ele teve essa experiência única de amor, de harmonia, num evento com mais de metade da nossa comunidade. E todos estavam ali só celebrando e dividindo coisas boas."

Pedro fala em "comunidade" porque, com o tempo, o movimento transformou o Rio Tavares numa cena do surfe, skate e cultura. O medalhista vive o que prega.

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A prova numa nice

O que aconteceu no parque de Ariake, na final da prova, ajudou nessa vibe. O australiano Keegan Palmer, que conquistou o ouro, foi o quarto a entrar, antes de Pedro, dos outros brasileiros e de todos que tinham brilhado nas eliminatórias. Ele próprio tinha passado com notas mais baixas. Quando Palmer marcou 94,04, todo mundo percebeu que a medalha de ouro era dele. O brasileiro conta:

O que ele estava fazendo era coisa de outro mundo. Elevou para outro patamar e nem sei se ele fez tudo o que poderia fazer. É assim que a gente evolui, né? Vê pessoas que se esforçam muito, se superam e a gente também corre para dar o nosso melhor. Deveria ser um reflexo para vida. Ao sermos seres humanos melhores, podemos inspirar outras pessoas. Essa é a mensagem que esse evento me passou, e é essa a mensagem que quero passar a partir de então."

Sem essa pressão, Pedro entrou e, logo em sua primeira volta, marcou os 86,14 que bastaram para a medalha de prata. Sua linha com aéreos altos, flips precisos e 540 impressionantes saiu limpa só uma vez. Nas demais tentativas, ele tentou colocar alguma manobra que poderia fazer a diferença, mas não conseguiu.

Palmer, quando entrou para sua terceira volta, melhorou ainda mais sua nota, subindo para 95,83, já sem a pressão do resultado. A medalha de bronze, porém, foi definida apenas com o último skatista a entrar.

O brasileiro Luiz Francisco, o melhor das eliminatórias, acertou toda a sua linha e saiu comemorando. Quem assistiu achou que era o suficiente para bater os 84,13 do norte-americano Cory Junneau. Os juízes discordaram: a nota foi 83,14, e ele terminou em quarto lugar. "Fiz o mesmo que na eliminatória e coloquei uma manobra a mais. E tive menos nota", ponderou depois. Ele foi o melhor nas baterias, com 84,31, que valeria uma medalha.

Gaspar Nóbrega/COB/Gaspar Nóbrega/COB

Dono e proprietário do X Games

Seis vezes campeão no X Games, torneio considerado os Jogos Olímpicos dos esportes radicais, Pedro Barros começou a carreira bastante cedo: aos 13 anos, ele já havia abandonado os estudos para focar, exclusivamente, no skate profissional.

Um ano depois, aos 14, já enfrentava grandes nomes do esporte mundial. E o menino foi se consagrando: aos 14 anos, ganhou a primeira medalha no X Games, um bronze. Ele ficou em terceiro lugar no vertical na edição de Los Angeles, em 2009.

O ouro no maior torneio de esportes radicais do mundo veio no ano seguinte, em 2010, e se repetiu por cinco vezes entre 2012 e 2016. Pedrinho conquistou a prata três vezes, totalizando 10 medalhas no evento.

O catarinense foi campeão mundial de park na primeira edição da competição, em 2018, na China. A classificação para Tóquio-2020 se deu por meio do resultado da etapa Dew Tour, nos Estados Unidos, já que o mundial deste ano foi cancelado devido à pandemia de coronavírus. Pedro Barros ocupa o quarto lugar no ranking mundial masculino na categoria.

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Doping por maconha

Em 2017, Pedro foi um dos cinco indicados ao prêmio do Laureus para os melhores do esporte radical no mundo. Pouco depois, foi flagrado em um exame antidoping. Ele apresentou resultado positivo para um derivado da maconha.

A suspensão poderia ter deixado o skatista fora das Olimpíadas, mas em 2019, ele foi julgado pelo Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJDAD) e recebeu uma suspensão de seis meses, retroativa à data da coleta —ou seja, janeiro de 2018.

Dependendo do entendimento do tribunal, instalado em Brasília (DF), a punição poderia começar a contar também da data do julgamento. E isso afetaria não só a tentativa de classificação para Tóquio, como poderia inviabilizar a participação do principal astro do skate masculino do Brasil nos Jogos. Mas não aconteceu.

Existe um debate internacional sobre maconha ser ou não considerada como doping. A Agência Mundial Antidoping (Wada) chegou a elevar consideravelmente o nível mínimo de Carboxy-THC para que um resultado seja considerado analítico adverso (logo, passível de suspensão), apenas em competição. Hoje, esse nível é de 180 ng/mL, mas o exame de Pedro estava em uma faixa acima disso, não revelada pela ABCD.

Pelo código da Wada, o THC é considerado como substância especificada, o que significa que seu uso é menos grave, por haver menos probabilidade de uso para trapaça. Isso foi levado em consideração no julgamento, assim como o fato de o Oi Park Jam, em que ele fez o exame positivo, não ser classificado como uma competição "oficial" — na época, não era chancelada nem pela confederação brasileira, nem pela federação internacional.

Gaspar Nóbrega/COB/Gaspar Nóbrega/COB Gaspar Nóbrega/COB/Gaspar Nóbrega/COB

John Lennon de rodinhas

Com a medalha de prata no peito, Pedrinho não esconde a felicidade pelo desempenho. Mas, para ele, o diferencial é a maneira como a conquista ocorreu. Ele considera o apoio mútuo entre os rivais a essência do esporte que escolheu praticar.

"No skate, você está sempre caindo no chão, sempre se quebrando, mas você tem as pessoas ao seu lado, os skatistas, as pessoas que carregam amor, para trazer você de volta e te reerguer. Esse é o exemplo, sabe? Podemos ser muito mais fortes se estivermos juntos".

Muito se falou sobre a possibilidade de os valores do skate se deteriorarem ao entrar para o programa olímpico. Mas existe o caminho inverso. Pedro chama as Olimpíadas de plataforma e acredita que o evento é um ótimo caminho para espalhar a mensagem do esporte.

"Todos esses atletas competindo entre si estão, na verdade, torcendo uns pelos outros e querendo o melhor um para o outro. Estão ali para se abraçar e compartilhar amor, uma coisa que falta muito no mundo. O skate como um todo tem mostrado isso aqui em Tóquio."

A primeira medalha da história do skate park brasileiro veio acompanhada de um discurso que lembra John Lennon cantando Imagine.

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