Meu amigo, o vento

Robert Scheidt se despede do Japão sem medalha, mas com uma relação íntima com as forças da natureza

Adriano Wilkson Do UOL, em Enoshima (Japão) Clive Mason/Getty Images

Havia um descompasso entre as forças da natureza na baía de Sagami, na ilha de Enoshima, quando os barcos se posicionaram diante de uma linha imaginária no mar. O vento soprava em direção à praia, onde banhistas aproveitavam o domingo de verão, enquanto a correnteza fluía para o outro lado, na direção do coração do Oceano Pacífico.

O que velejadores como Robert Scheidt fariam numa situação dessas?

Não era a condição que ele tinha sonhado para a regata. Aos 48 anos, o mais velho entre os dez velejadores do grid hesitou. O comportamento do vento não era o problema. Scheidt deveria velejar contra ele, o que tem feito com tranquilidade desde que ganhou seu primeiro barco do pai, antes de completar 10 anos, e começou a guiá-lo pela represa de Guarapiranga, em São Paulo.

O que lhe causou surpresa foi o movimento incomum da maré, que o impulsiva ainda mais em direção à linha imaginária da largada. Faltavam menos de 30 segundos para o início da última regata das Olimpíadas, e se o barco de Scheidt fosse atingido por uma corrente ainda mais forte e inesperada, ele poderia queimar a largada.

E se você é o mais experiente velejador da flotilha, se você já foi duas vezes campeão olímpico e disputou sua primeira Olimpíada quando a maioria dos seus adversários ainda usava fraldas, você não quer queimar a largada.

Um helicóptero sobrevoava a região, aumentando o drama, assim como a locutora, que em inglês explicava a prova a quem assistia da marina:

"Representando o Brasil, Robert Scheidt vai tentar sua sexta medalha olímpica, ele que está na sua sétima participação nos Jogos", anunciou a locutora, enquanto a imagem do brasileiro aparecia em um telão instalado em uma plataforma no mar. "Uma verdadeira lenda!"

Clive Mason/Getty Images

Manejar um barco sem motor tendo apenas o vento como combustível e o próprio corpo como contrapeso, e fazê-lo navegar em diferentes direções, em velocidades de até 13 km/h, ao mesmo tempo em que outras pessoas tentam exatamente a mesma coisa, em um espaço delimitado do mar: esse é o trabalho de um velejador olímpico.

Para fazer bem o seu trabalho, um velejador precisa conhecer bem o seu barco, mas precisa conhecer ainda melhor o comportamento do vento. Velejar sem saber a direção e a intensidade do vento é como dirigir com olhos vendados. Como o ar é invisível, eles vivem em busca de pequenos sinais.

Eles sabem que o vento está mais forte onde o mar está mais escuro, porque as pequenas ondulações na água tendem a refletir menos luz do que a superfície plana. Eles sabem que quando as ondulações começam a ganhar uma crista de espuma branca na ponta, o vento está provavelmente a 12 ou 13 nós, um bom vento para impulsionar barcos.

Gaspar Nóbrega/COB Gaspar Nóbrega/COB

Como são muito íntimos, eles acabam chamando os diferentes tipos de vento por seus apelidos: vento real, vento imaginário, vento folgado, vento alheta. Logo depois que Scheidt cruzou a linha de largada da regata final das Olimpíadas, ele pegou um dos piores tipos de vento, o vento sujo.

Por razões que ele ainda ficará remoendo por algum tempo, seu barco foi parar bem atrás do alemão Philipp Buhl, que recebia a corrente de frente e deixava para Scheidt apenas o que sobrava dela, o vento sujo. Por causa disso, o brasileiro não conseguiu atingir boa velocidade e caiu para o rabo do pelotão.

O que aconteceu a seguir foi, para Scheidt um sofrimento interminável.

Quando os primeiros colocados cruzaram a linha de chegada e ouviram gritos e aplausos vindo da marina Enoshima, o brasileiro ainda lutava para completar a prova na penúltima posição.

Gaspar Nóbrega/COB

Mesmo tendo o pior resultado em toda sua carreira olímpica, Robert Scheidt circulou como uma celebridade entre barcos, atletas e voluntários nos bastidores da competição. Ele posou para fotos, assinou camisetas e cumprimentou fãs que o abordaram após a prova.

"Competir com ele no alto nível das Olimpíadas...", começou a refletir o australiano Matt Wear, medalha de ouro na classe laser, a mais popular do iatismo. "Eu não poderia me sentir mais grato por isso."

Scheidt é o atleta olímpico brasileiro mais vitorioso da história, com cinco medalhas —dois ouros, duas pratas e um bronze. Ele ainda não sabe se chegará aos Jogos de Paris daqui a três anos, no que seria sua oitava participação olímpica.

O que ele sabe é que, competindo ou não, seguirá velejando por muito tempo porque entender as forças da natureza e brincar com elas é o que o faz se sentir livre. Ele seguirá velejando porque é isso o que tem feito há mais de 40 anos. É isso o que fez seu pai Fritz, é isso o que faz sua mulher Gintaré e é isso o que ele tem ensinado ao filho Erik, que aos 11 anos começa a entender do que se trata o esporte da vela.

Velejar é conhecer os segredos trazidos pelo vento e usá-los para seguir adiante, mesmo que as condições não sejam as melhores.

É isso que velejadores como Robert Scheidt fazem.

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