Kanpai

Estado de emergência pela pandemia dita 'zero álcool' a bares de Tóquio. Mas não é bem assim na cidade

Juliana Sayuri Do UOL, em Tóquio Juliana Sayuri/UOL

"Não tomo juízo porque já tomo cachaça e não sou fã de misturar", diz um quadrinho bem-humorado no bar de Go Shukuguchi, 46, no distrito de Shibuya, um dos mais famosos de Tóquio. Não é bem verdade: desta vez, ele vem preferindo o juízo.

"Você aceita um guaraná?", pergunta Go, empreendedor japonês que é tão fã de futebol (Galo é seu time) e hip hop brasileiro ("Marcelo D2, que mistura samba e rap") que há 16 anos abriu um barzinho dedicado ao Brasil.

Shukuguchi diz que está cumprindo à risca os pedidos das autoridades no estado de emergência, o quarto imposto à capital japonesa desde o início da pandemia de coronavírus. Em vigor desde 12 de julho até 22 de agosto, no estado de emergência, bares e restaurantes não podem vender bebida alcoólica e devem fechar as portas até as 20h.

A diretriz levantou discussões pois, no fim de junho, foi anunciado que o consumo de álcool seria liberado aos atletas na Vila Olímpica e talvez a torcedores nas arenas das Olimpíadas —o que no fim não se concretizou (nem a cervejinha nem a presença da torcida nos estádios). Além disso, tem muita gente que simplesmente ignora as restrições e segue bebendo em bares e nas ruas.

Mesmo assim, Shukuguchi vem deixando as garrafas de cachaça mineira pegarem poeira, assim como as centenas de LPs que comprou em sebos brasileiros e que antes embalavam festas no seu bar. "Antes da pandemia, eu abria às 18h e ficava até a madrugada. A pandemia mudou tudo: abro às 11h da manhã para servir PF, prato feito, né, você sabe, e fecho por volta das 18h", conta. "Como o bar é pequeno, com custos baixos, estou genki [bem]. Mas bares maiores..."

Juliana Sayuri/UOL
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Juliana Sayuri

Shibuya tem ruas e bares agitados e ato negacionista

O distrito onde fica o bar de Shukuguchi anda tão agitado quanto nos tempos pré-pandemia: bares e lojas lotados, casas de jogos e estações de trem, idem. No sábado (24), quem passou pelo famoso cruzamento de Shibuya (um dos mais movimentados do mundo) poderia imaginar que a pandemia já acabou na capital japonesa.

Para alguns, na verdade, a pandemia nem existiu: em uma das esquinas do cruzamento, um grupo negacionista fez um pequeno ato com música e cartazes dizendo que "covid é uma mentira" e se posicionando contra o uso de máscaras e os testes PCR. Vestindo máscaras, transeuntes apenas fotografavam o pequeno grupo, de dez integrantes e tanto, visto como algo bizarro.

Diversos bares estavam servindo bebidas alcoólicas, inclusive em mesas na rua. Em um pub, um grupo de amigos acumulava canecas de cerveja. Em um canto da estação de trem, outro grupo tomava chuhai, uma bebida gaseificada de alto teor alcoólico e acessível em qualquer loja de conveniência (as famosas konbinis). "Kanpai", diziam —o equivalente ao brinde de "saúde", em português.

Muitos policiais caminhavam pelo distrito, mas não abordavam casos assim (ao menos enquanto a reportagem do UOL Esporte esteve por lá). Isso porque o estado de emergência no Japão é diferente de um decreto no Brasil.

Takashi Aoyama/Getty Images

Como funciona o estado de emergência

No Japão, o governo do primeiro-ministro Yoshihide Suga autorizou governadores a declarar estado de emergência nas províncias (47 no total). Isso significa que há visões diferentes em cada lugar para o que pode ser proibido e liberado. Tóquio, por exemplo, está no quarto e mais severo estado de emergência.

O primeiro durou de abril até fim de maio de 2020. O segundo, de janeiro a fim de março de 2021 —nesse meio-tempo, o parlamento japonês aprovou uma lei para permitir multar negócios e indivíduos que não cumpram os pedidos de restrições para conter o coronavírus.

Por um lado, bares e restaurantes que cumprirem as regras de horários e demais determinações podem pedir compensação financeira ao governo de até 200 mil ienes (R$ 9,4 mil); por outro, os que não as cumprirem podem pagar multas de até 300 mil ienes (R$ 14 mil).

No terceiro estado de emergência, de 23 de abril a 20 de junho, o governo orientou bares e restaurantes a servirem bebidas alcoólicas apenas a clientes que forem beber sozinhos ou ao lado de um único acompanhante, por até 90 minutos e no máximo até as 19 horas. No atual, a medida é mais rigorosa: nenhuma gota de álcool.

"Sob o efeito de álcool, o humor melhora e a atenção diminui. A audição fica letárgica, ficando fácil falar em voz alta. Especialmente em espaços estreitos separados por soleira, ficar por muito tempo e com muitas pessoas aumenta o risco de infecção", justifica o Office for Novel Coronavirus Disease Control, a unidade responsável pelas diretrizes de controle do coronavírus no arquipélago.

Takashi Aoyama/Getty Images

Contamos com a colaboração de todos

Ao contrário de outros países onde há prerrogativa legal para lockdown e punições em caso de descumprimento, na lei japonesa não se prevê prisão, processo ou outros tipos de penalidades, apenas a multa. Assim, alguns bares e restaurantes preferiram ignorar os últimos pedidos das autoridades, em especial o zero álcool.

"Colaboração é a palavra-chave das autoridades japonesas", diz o economista Miguel Kamiunten, 53, coordenador da Universidade Católica de Brasília em Tóquio, que tem policiais japoneses entre seus alunos. Nas mensagens oficiais referentes ao estado de emergência, de fato, "requer", "pedir" e "colaborar" estão entre os termos mais frequentes.

"Entretanto, andando pelas ruas vemos que há bares abertos além do horário pedido pelo governo", pondera Kamiunten, que integrou o Conselho de Cidadãos de Tóquio até 2019. "Com tudo isso que está ocorrendo na cidade, eu era contra a realização das Olimpíadas na pandemia. Mas, agora que elas já estão acontecendo, vou torcer para que tudo aconteça da melhor forma possível."

Shukuguchi, que antes da pandemia imaginava seu barzinho lotado de torcedores, também é crítico à realização dos jogos neste momento. Com a bola rolando, vai assistir às partidas de futebol e torcer pelo Brasil. "Beber só se for dentro de casa, não no bar. É a vida."

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