"Não é hora de fazer Olimpíada", diz infectologista que monitora covid
Para o infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da USP e um dos maiores especialistas da área no país, não é hora de se realizar a Olimpíada de Tóquio 2020, deixando as questões financeiras de lado, e não assumir riscos para a população do país organizador - que entre 70-80% querem os Jogos adiados ou cancelados, de acordo com pesquisas. A cerimônia de abertura do evento está marcada para 23 de julho.
O Japão tem população consciente do que é transmissão respiratória, lembra Marcos Boulos, "tanto que o uso de máscaras é comum, muito antes de qualquer pandemia", em todo o inverno. "Com a Olimpíada, os japoneses teriam dentro de seu país um número expressivo de pessoas de regiões onde a transmissão não está controlada, como o Brasil por exemplo".
Aglomerações facilitam a transmissão da covid-19, independentemente dos protocolos utilizados, afirma o professor. "Com eles [protocolos], procura-se evitar uma transmissão mais intensa. Mas, quando você tem aglomeração, esses protocolos não são obrigatoriamente seguidos, como no caso de se manter distâncias adequadas", diz. "Por isso, não é o momento ideal para se promover qualquer tipo de aglomeração, como nos Jogos Olímpicos, com pessoas lado a lado, mesmo de competidores, que permaneçam juntos", avalia o médico, que também é membro do Centro de Contingência da Covid-19 do Estado de São Paulo.
Para a Olimpíada, segundo o infectologista, seria necessário fazer como na China, que não teve segunda onda, mesmo com a pandemia tendo se iniciado por lá. "O que eles fizeram? Você tem de chegar pelo menos 15 dias antes de seu compromisso, para ser testado, e ainda ficar isolado por 15 dias, que é o tempo máximo de incubação. Aí, é liberado para entrar", diz.
"No Japão, mesmo que os organizadores da Olimpíada façam testes, e que se mostrem negativos, eventualmente podem entrar pessoas que estejam com o vírus. Precisariam de um perfeccionismo exagerado: ter todas as pessoas sob controle, em uma bolha gigantesca, com todos os participantes e trabalhadores, e esse processo é muito virtual."
Marcos Boulos lembra que o que se está vendo são grupos e instituições questionando pelo lado financeiro. "Aconteceu aqui, com a abertura de templos religiosos. Em muitos deles, sob o argumento de que Deus está presente, o que desejavam mesmo é o dinheiro arrecadado pessoalmente. Questões financeiras, apenas. É o que está acontecendo com jogos de futebol, com Olimpíada. Os recursos que entram são muito grandes, querem de qualquer jeito. Mesmo com todas as garantias, acabam expondo pessoas. E principalmente no Japão, país que está relativamente controlado. É um risco".
Para o médico, nem é questão de se ter pessoas vacinadas ou não, com vacinas variadas, algumas com primeira dose outras com duas. "Em Tóquio, não devem estar levando em conta isso, mas sim se as pessoas que entram estão infectadas ou não", afirma.
Boulos explica que, mesmo quem está vacinado pode estar infectado. "A vacina pode ter proteção contra infecção, que varia em porcentagens - pode ser em torno de 53% como a Coronavac, ou mais, como a AstraZeneca ou a Pfizer. Mas se tem a porcentagem de proteção, também tem a chance de estar infectado, mesmo vacinado".
Os organizadores exigem um automonitoramento de quem for para a Olimpíada por aplicativo: querem dados de saúde durante 14 dias antes do embarque, dois testes negativos (um dentro de 96 horas e outro dentro de 72), além dos testes no desembarque e durante três ou quatro dias.
"Estão tomando algumas medidas para evitar que pessoas infectadas entrem. Se for essa grande bolha, se conseguirem fazer isso em todas as pessoas, pode ser que se tenha alguma segurança. Mas fico me perguntando. Por quê? Por que a Olimpíada precisa ser agora? Se estamos próximos de o mundo estar vacinado, pelo menos todas as pessoas que fossem participar... "
Para Marcos Boulos, poderia se adiar o evento por oito meses, ou mais um ano. "Tem Copa do Mundo, mas também de qualquer jeito as competições vão bater, como aqui, com todas as competições e campeonatos juntos. Ninguém quer parar. Então vai ser essa loucura. Resumindo: o ideal é não ter nada agora. Não é momento de ter aglomerações, qualquer que seja."
O COI, "com a última palavra"
Em Tóquio, segue o cabo de guerra entre aqueles que defendem a realização da Olimpíada e os que brigam por seu adiamento ou cancelamento, em razão da pandemia. Nesta segunda-feira (10), o primeiro-ministro Yoshihide Suga falou na Casa dos Representantes que nunca priorizou os Jogos, e, sim, as vidas e a saúde da população, emendando que "devemos primeiro prevenir a disseminação do vírus". Enquanto seguem as enquetes dando opinião contrária dos japoneses quanto à Olimpíada em julho/agosto, a pressão aumenta, com abaixo-assinado de 300 mil opositores e foto de cartazes em um hospital da capital pedindo para "parar com os Jogos".
Ontem, o Sindicato dos Médicos Japoneses apresentou um pedido oficial ao governo do país solicitando que os Jogos Olímpicos sejam cancelados. A entidade justificou a solicitação alegando que o evento oferece perigo pela possibilidade de chegada e disseminação de novas cepas do vírus.
A decisão quanto a se permitir público local nos Jogos já tinha sido adiada para junho e a visita de Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional, marcada inicialmente para 17 de maio, foi adiada depois que o governo central optou por estender o Estado de Emergência em quatro grandes áreas metropolitanas e ampliando sua ação para outras duas e mais alguns municípios espalhados pelo país.
A data da visita de Bach ainda não foi confirmada, mas a previsão é que ocorra apenas em junho. Agora, Suga já começa a se esquivar e dizer que "o papel do governo é tomar medidas para que os Jogos sejam realizados de forma segura, mas que a decisão final sobre o destino da Olimpíada terá a última palavra".
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