Pressão pelos Jogos de Tóquio 2020: seguros não devem cobrir novo adiamento
Com a incerteza que assombra a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio 2020, o peso maior se coloca sobre a questão financeira, na visão de Dulce Thompson, ex-jogadora da seleção brasileira de vôlei que se tornou consultora de seguros de riscos para grandes eventos. "A gente se pergunta: como vão realizar em meio a um Estado de Emergência? Como irão misturar atleta americano com indiano, com essa cepa nova? Os cientistas não sabem ainda se as vacinas dão proteção contra a cepa indiana, ou a P1 brasileira... Mas ainda assim, eu acredito que vão no risco. Que não cancelam. Porque não se tem mais dinheiro para cobrir um novo adiamento".
Segundo estimativas de analistas internacionais, os Jogos de Tóquio têm seguro em torno de US$ 2 bilhões (pelo menos R$ 10,5 bilhões), mais US$ 600 milhões (R$ 3,2 bilhões). "Para esses grandes eventos, existem modalidades de seguro que a gente nem tem ideia — como de cancelamento, adiamento ou interrupção, seja para um Rock in Rio, um show dos Rolling Stones, com os quais já trabalhei, ou etapa de Fórmula 1, que faço há dez anos. É como se fosse o seguro de lucro cessante de um motorista de táxi — a mesma premissa: ele faz um seguro multirrisco; se bater o carro, tem garantido, por exemplo, dez dias da média do que ganhava diariamente".
É o mesmo no caso do seguro de grandes eventos, garante Dulce, que acumula anos de experiência trabalhando em algumas das mais reconhecidas instituições da área no mundo, como Chubb, Marsh e AON. "Para concorrer a uma sede olímpica, a cidade que se propõe já precisa estar com todo o planejamento pronto: físico, financeiro, operacional... Escolhida a sede, o COI estipula a data que deve ser contratado o seguro — e o de cancelamento, com todas as maluquices que acontecem, é o primeiro que o COI exige: 'Ok, você vai fazer uma Olimpíada. Mas, se não houver, quem vai pagar seus fornecedores, como vai devolver o dinheiro que repassei?', perguntam".
O COI tem patrocinadores próprios e ainda ganha com venda de direitos de transmissão (calcula-se que passe de 70% da receita). "Se não houver a Olimpíada, como ficam Visa, Coca-Cola, ou quem for? Eles querem garantias de retorno pelo dinheiro que investem. E essa garantia é o seguro de cancelamento, adiamento e interrupção".
Dulce explica que são seguros separados: "O COI tem o dele, o Comitê Organizador tem o dele, e assim por diante. É como seguro de responsabilidade civil. Quando cai um avião, por exemplo. São vários os 'culpados'. Cada um tem de ter sua apólice: a empresa aérea, a fábrica do motor, da turbina, todo mundo tem seu seguro e vai se defender com ele. Por isso, as pessoas, às vezes, confundem achando que tinham seguro mas não, não pode usar tal apólice em tal caso, porque não é 'dono' daquele seguro".
As pressões vêm de todos os lados. O COI garante uma quantia de dinheiro para o Comitê Organizador local de uma Olimpíada, mas, no caso de Tóquio 2020, já houve a perda dos ingressos das competições, porque não haverá público internacional (e a decisão final sobre público local ainda será em junho). Apenas a NBC, dos Estados Unidos, com o maior naco de dinheiro do COI pelo pagamento dos direitos de transmissão de tevê dos Jogos de Tóquio 2020, teria prejuízo em torno de US$ 1,2 bilhão (R$ 6,3 bilhões) — um recorde — em relação a anunciantes.
Cascateamento de riscos
O seguro de uma Olimpíada é um "catálogo" com uns dez centímetros de altura, calcula Dulce. "Fiz a programação para entrar na concorrência do Rio 2016 e as cláusulas são inúmeras: do que cobre e o que não cobre, do limite segurado, mais as exigências, desde o conjunto de walkie-talkies e frota de automóveis utilizados, que entram na conta do seguro dos organizadores, até o cancelamento do evento todo. Começa do seguro do COI — o que mais perde —, vai para o Comitê Organizador local e há um cascateamento de risco que segue pelos fornecedores de limpeza, com seguro para cada funcionário... Cada contrato é um bafafá e um sinistro desse tamanho é uma maluquice. O show de abertura e o de encerramento, por exemplo, têm seguros separados, porque se forem adiados só se paga esse custo".
São várias fórmulas e a perda total de uma Olimpíada como a de Tóquio 2020 sobe a US$ 2/3 bilhões (R$ 10/15 bilhões) para as seguradoras que, por isso, distribuem os riscos para resseguradoras. Especula-se que a Munich RE e a Swiss RE teriam de arcar, respectivamente, com US$ 500 milhões e US$ 250 milhões (ou R$ 2,7 e R$ 1,3 bilhões). Se esses contratos estão sob sigilo total, o que se sabe, como diz Dulce, é que "as chamadas RE é que vão ficar com a pancada".
Com o adiamento, os seguros já devem ter sido pagos, explica Dulce, cobrindo parte dos prejuízos. "O Comitê Organizador certamente tinha seguro de cancelamento, adiamento ou interrupção. Devem ter recebido o prejuízo do adiamento. Mas não sabemos quando termina a vigência dessa apólice, porque esses detalhes não são passados nem para.... para ninguém. Então, talvez nem se tenha mais prazo ou dinheiro para se pagar um cancelamento e aí poderiam quebrar. Por isso, não cancelam. Por isso, acredito, que vão enfrentar o risco. Mas também estamos enfrentando o inédito. Nunca tivemos uma pandemia por tanto tempo, e ninguém poderia prever nada do que está acontecendo".
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