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Brasileira dá treino pela internet e empresta roupa do bronze no Pan

Angélica Kvieczynski e a colombiana Vanessa Galindo - Arquivo pessoal
Angélica Kvieczynski e a colombiana Vanessa Galindo Imagem: Arquivo pessoal

Amanda Romanelli

Colaboração para o UOL

11/06/2021 04h00

Angélica Kvieczynski não tem medo de encarar os desafios e se reinventar. Aos 29 anos, superou seis cirurgias durante a carreira de atleta e denunciou uma série de abusos que sofreu, e presenciou, quando era integrante da seleção brasileira de ginástica rítmica. Mas nem tudo são dificuldades. Nesta sexta-feira (11), a partir das 14h30, encarnará, orgulhosa, sua nova faceta: oficialmente, entrará na Arena Olímpica do Rio como técnica de uma atleta de alto rendimento.

A brasileira estará ao lado da quadra acompanhando a colombiana Vanessa Galindo, de 19 anos, uma das participantes do Campeonato Pan-Americano de ginástica rítmica. A competição, que termina no domingo, dará uma vaga olímpica para a melhor atleta da disputa individual e para o melhor conjunto.

Voltar ao Rio é especial para Angélica. Em 2007, ela disputou os Jogos Pan-Americanos meses depois de ter iniciado sua primeira temporada na seleção principal. Tinha apenas 15 anos, e era uma das caçulas da delegação. Em meio às adversidades da carreira, disputou mais dois Pans —Guadalajara/2011 e Toronto/2015. No total, tem seis medalhas pan-americanas (duas pratas e quatro bronzes), tendo sido a primeira brasileira a ganhar uma medalha no individual geral.

"Eu estou bastante emocionada, realizada. Quando virei treinadora, não imaginei que estaria tão rápido com uma atleta em um Pan. A responsabilidade é gigante. Estou trabalhando para alguém seguir os meus passos, mas quero que ela seja melhor do que eu fui", diz. "O Rio é o lugar onde eu praticamente iniciei minha carreira como ginasta, e agora, como treinadora também."

A parceria começou no ano passado, já na pandemia - e cada uma em seu país. Vanessa havia trocado de clube, estava sem técnica, sem ginásio. Para complicar, recuperava-se de lesão e estava desmotivada. Foi a mãe da ginasta que contatou a brasileira, que havia feito uma rápida clínica na Colômbia em 2018. Mesmo via internet, o trabalho floresceu.

Em janeiro de 2021, Vanessa veio para o Brasil, encarando pela primeira vez a distância da casa da família, e passou a morar com Angélica, em Santos. "Ela quer ficar no Brasil, gostou do trabalho. Combinamos que ficaria até o Pan e aí decidiria o que fazer. Sou bem clara: a atleta não é da Angélica, eu não tenho posse. Em qualquer momento, se não quiser mais o trabalho, tudo bem. Mas ela é um amorzinho".

Vanessa não poupa elogios à técnica e ao trabalho realizado no Brasil. "Tem sido uma experiência incrível, que mudou a minha vida. O trabalho no Brasil é muito diferente, e eu melhorei muito. Os treinos são duros, mas a Angélica é paciente —muito paciente", enfatiza. "Ela também é muito amorosa e sabe como lidar com as ginastas. É um ídolo, e como uma mãe", conta Vanessa. Natural de Bogotá, ela começou no esporte aos 7 anos. "Eu adorava fazer piruetas, saltar, e meus pais viram que eu tinha uma inclinação artística. Primeiro fui para o balé, depois para a ginástica artística. Mas conheci a ginástica rítmica e me apaixonei perdidamente".

Angélica mudou "para o outro lado do tapete" em 2017. Depois da boa campanha no Pan de Toronto, em 2015, era a favorita para a vaga olímpica que o Brasil teria direito por ser país sede. Bastava ser a melhor ginasta brasileira no Mundial de Stuttgart. Mas Angélica ficou atrás de Natália Gaudio na classificação geral. Ela tentou voltar a competir, mas vieram mais lesões e cirurgias nos ombros.

"Precisei fazer a sexta cirurgia e eu fiquei completamente deprimida. Saí da depressão quando fui chamada para uma clínica em Fortaleza, em 2017. Vi que gostava de ensinar, mas com amor, com respeito - esse é o meu lema, é a tecla em que tenho batido. E eu tenho uma bagagem bem grande para compartilhar."

No ano seguinte, Angélica foi chamada para a clínica na Colômbia. Atualmente, dá consultoria pela internet para atletas de vários países. "Montei a minha própria academia que, por causa da pandemia, virou online. Hoje trabalho com ginastas do Chile, do Panamá, da Costa Rica. Faço com elas trabalhos específicos, complementares."

Pela seleção brasileira, nunca foi chamada. "Mas não tem problema", diz Angélica. "Bati muito de frente, e não tenho dificuldade em me reinventar".

A brasileira também tem mostrado que é boa no improviso. Desde o início do ano, precisou lidar com as restrições da pandemia. "Quando começamos a crescer no planejamento, fechou tudo em São Paulo. Ficamos um mês e meio trancadas. Faz apenas um mês que retornamos ao ginásio e, por isso, dei uma facilitada nas séries. Mas fizemos milagres atrás de milagres".

E os imprevistos não pararam aí. Para a disputa do Pan, a delegação colombiana não trouxe para Vanessa as bandeirinhas que são pregadas no collant das ginastas. Sem crise. "Passei em uma loja de armarinhos, comprei tecido, caneta e estou aqui fazendo as bandeirinhas. Serão bandeirinhas artesanais", brincou a técnica, que usava a habilidade artística enquanto dava entrevista e acompanhava Vanessa na fisioterapia.

Os collants de Vanessa, aliás, também não chegaram. Produzidos pela avó da ginasta, viajaram da Colômbia ao Brasil, mas estão presos em alguma etapa da burocracia alfandegária. De novo, sem crise. Vanessa usará um collant próprio e até um traje que é de Angélica. Um traje medalhista pan-americano, aliás. Foi o collant rosa que a brasileira vestiu em Toronto/2015 na apresentação do arco, sob a música "The winner takes it all", do ABBA, e ganhou a medalha de bronze. "Digo para a Vanessa que é preciso ser adaptável. O collant não faz a série, quem faz é a ginasta".

Angelica - Washington Alves/Exemplus/COB - Washington Alves/Exemplus/COB
Angélica Kvieczynski com o arco nos Jogos Pan-Americanos 2015
Imagem: Washington Alves/Exemplus/COB

Vanessa tem pouca experiência internacional. Disputou o Mundial de Baku, em 2019, e duas etapas de Copa do Mundo (2018 e 2019). Será seu terceiro campeonato pan-americano, e nunca foi finalista. "Nosso objetivo é que ela chegue à final dos quatro aparelhos", projeta Angélica, o que já seria o melhor resultado da carreira da colombiana.

Assim, a vaga olímpica para Tóquio não é a meta a ser alcançada. "A vaga deve ficar entre as duas brasileiras [Natália Gaudio e Bárbara Domingos]. A Vanessa está sendo preparada para o ciclo de Paris. Ela ainda está maturando, mas é uma menina de ouro. Eu trabalho sempre com antecipação, e já estou usando o novo código de pontuação [que entra em vigor após Tóquio]. Ela é uma menina de potencial gigante, mas temos os pés no chão".

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi informado na primeira versão do título da matéria, Angélica Kvieczynski ganhou bronze no Pan, não ouro. O erro foi corrigido.