Por que corpos gordos felizes incomodam tanto o cidadão comum da internet?
Desde a publicação do primeiro capítulo da série Corpo de Atleta, na segunda-feira (28), tenho sido atacada nas redes sociais. Isso que foi só o primeiro. Imagine quando a internê descobrir que ainda tem quatro histórias de atletas gordos —fotografados por J.R Duran— a serem publicadas?
Sou uma repórter calejada de hate —e confesso que estou sempre no aguardo dele. Mas, não vou mentir: não imaginava que corpos gordos, felizes e campeões pudessem incomodar tanto o cidadão comum da internet. A começar por Danilo Gentili, que foi o primeiro a divulgar o debate com Ellen Valias e Vanessa Joda que marcou a estreia da série. "Vai tomar no rabo", elogiou ele.
Tentei contato com Danilo para entender o que o incomodou. Ele não me respondeu. No Twitter, lendo um pouco das mensagens que recebi, entendi que o corpo gordo, para essas pessoas, não pode ser exposto se for normalizado, exaltado e respeitado.
Alguns justificam o ódio com o argumento de que esse corpo não é capaz de performar bem no esporte. As medalhas e índices incontestáveis de Maria Suelen Altheman não são subjetivos. São reais e provam o contrário.
Também li bastante que estava, com a série, romantizando a obesidade. Romantização da obesidade não existe, até porque não consigo enxergar romantismo algum em não conseguir encontrar uma cadeira apropriada para o próprio tamanho; ou, então, em encontrar um fiscal de saúde alheia a cada esquina querendo saber a quantas anda o seu colesterol. Não existe romantização de um corpo que não tem acesso básico à saúde. E é tão óbvio que é a isso que limito essa resposta.
Falando em fiscal de saúde —esses são muitos—, não vejo a mesma galera preocupada com a saúde de pessoas magras. Ser magro não é sinônimo de saúde, como explica a doutora em nutrição e mestre em ciências pela Unifesp Mariana Dimitrov Ulian. "A sociedade, ao longo dos anos, passou a associar o peso corporal à saúde. E isso é uma afirmação que deve ser desconstruída. Para que uma pessoa tenha um corpo gordo, hoje classificado como obeso, há uma série de fatores, não apenas culturais e sociais, como também genéticos. Há pessoas gordas com um estilo de vida muito saudável, que comem de maneira saudável e exercitam esse corpo. O mesmo é dito para pessoas magras que, mesmo quando não têm hábitos saudáveis de alimentação e atividade física, sequer são questionadas a respeito da saúde".
Em outra série do UOL, chamada Minha História, a campeã mundial de ginástica Daiane dos Santos relembra as dietas incansáveis e tenebrosas a que tinha que se submeter para estar dentro de um peso mínimo na ginástica. Alguém questionou isso? Não.
E tentar se encaixar em um padrão pode, aí sim, prejudicar a saúde. Já ouviu falar de distúrbios alimentares de restrição, como bulimia e anorexia? Eles matam. Na mesma série que apresentou o relato de Daiane, a também ginasta Angélica Kvieczynski contou sua história com transtornos alimentares: para se adequar às exigências da ginástica rítmica, ela começou a tomar laxantes e desenvolveu transtornos com que convive até hoje.
O médico e psicólogo Roberto Debski afirma que o padrão estético que rege a sociedade é irreal: "Esse padrão absurdamente magro também não é saudável, além de não ser o tipo de corpo da maioria das pessoas. Pessoas com corpos atléticos são minoria, e tem quem não consiga alcançá-lo nem mesmo querendo e tentando. Existe um biotipo, uma formação cultural e um componente genético que não podem ser descartados", diz.
O único momento da minha vida em que meus exames de rotina se apresentaram catastróficos foi também o único momento da minha vida em que tive o IMC "ideal". Glóbulos brancos, responsáveis pelo sistema imunológico do meu corpo, praticamente inexistiam; meus cabelos e unhas caíram; eu desmaiava na academia com frequência. Tudo isso para tentar ser aceita por uma sociedade gordofóbica, que nenhuma vez questionou minha saúde. Eu estava magra e era o que importava.
A psicóloga e criadora da página Saúde Sem Gordofobia, Gabriele Menezes, afirma que o hate sofrido por mim e pelo UOL Esporte, devido à série, é sofrido por ela e por todas as pessoas gordas todos os dias. Esse ódio, ela explica, no âmbito psicológico, tem a ver com a tentativa de minimizar o outro para se sentir melhor consigo mesmo. "Quando você aponta o que odeia no outro, dentro de uma construção social, está falando sobre coisas que abomina dentro de você. É uma fuga das próprias questões, uma tentativa de externalizar o ódio que sente de si mesmo", explica.
Não faz sentido odiar corpos gordos. Não faz sentido odiar pessoas LGBTQIA+, nem pessoas pretas. Não faz sentido oprimir quem já é oprimido por um sistema excludente. Mas as pessoas fazem isso porque não sabem, nem querem, lidar com quem consegue ser feliz sendo quem é; com quem se escancara e ocupa os espaços, principalmente dentro do âmbito esportivo.
"Elas destilam esse ódio para não precisarem encarar e questionar o próprio preconceito. Existe uma infelicidade que toma conta dessas pessoas, e é diminuindo outras que elas externalizam isso. Quem é infeliz com as próprias escolhas se incomoda ao ver um corpo gordo feliz e, não, lamentando ou cedendo a milhares de dietas. ", diz Gabriele.
Encerro este texto com a consideração de Vanessa Joda, do movimento Yoga Para Todes, trazida durante o Entrevistão UOL Esporte de sexta-feira (26): se a sociedade fosse minimamente preocupada com as pessoas gordas, como diz ser, brigaria, junto a ativistas, para que o acesso à saúde chegasse a elas; para que elas não precisassem ir até uma clínica veterinária ou a um zoológico quando tivessem de fazer uma ressonância magnética —pelo simples fato de não haver, nos laboratórios, aparelhos em que elas caibam.
Aceitem, não há mais espaço para a intolerância. Ah, e o próximo capítulo da série #CorpoDeAtletaUOL será lançado na segunda-feira (5). Não percam!
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