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Oleg, a vodca com pimenta e a revolução

Daiane dos Santos e Oleg Ostapenko - REUTERS/Sergio Moraes
Daiane dos Santos e Oleg Ostapenko Imagem: REUTERS/Sergio Moraes

Roberto Salim

Colaboração para o UOL, em São Paulo

03/07/2021 15h16

Oleg Ostapenko foi um marco na história do esporte brasileiro.

Lembro direitinho quando chegamos a Curitiba e a direção da Confederação Brasileira de Ginástica tentava a todo custo a liberação dos documentos para que o técnico ucraniano pudesse vir trabalhar em nosso país.

"Falta um dia para que ele diga sim ou não", disse a Vicélia Florenzano, na época a presidente da entidade. Só que não havia resposta ainda da Polícia Federal sobre a autorização para sua vinda. Então, eu e o Ronaldo Kotscho - parceiro de reportagem no programa "Histórias do Esporte" na ESPN Brasil - nos dispusemos a ligar para as autoridades e saber se haveria a liberação ou não. Demos sorte.

Logo o telefone tocou de volta na sede da entidade e Vicélia abriu um enorme sorriso. Ela poderia ligar para o ucraniano e dizer que a licença fora concedida.

Ia começar a partir da chegada do grande técnico uma revolução histórica no esporte brasileiro. A mulher dele já estava há um tempo trabalhando como coreógrafa da equipe nacional e estava encantada por conhecer neste Brasil-gigante uma cidade como a de sua origem: a paranaense Prudentópolis tinha até missa no idioma natal.

E chegou Oleg. E foi uma verdadeira revolução.

De cara ele falou que Daiane dos Santos era um fenômeno, que seria uma referência mundial. E sem pestanejar topou fazer uma reportagem vestido de mágico, tirando uma medalha de ouro da cartola.

Por trás daquele rosto sisudo se escondia um cara sabedor de seus deveres e de seu conhecimento requintado. Logo as meninas começaram a gostar do seu jeito. "No bom, no bom", repetia, pedindo que um exercício fosse feito novamente.

Uma vez eu e o Ronaldo Kotscho e o nosso cinegrafista Nilson Pas, vimos ele repetir a frase por 10 vezes, até que uma pequena atleta cumprisse o movimento com perfeição.

Era bravo, mas competente.

Os resultados eram visíveis. Concretos. E as meninas sabiam disso.

Lembro como se fosse hoje no dia em que perguntamos a Daiane dos Santos como era o professor Oleg. E ela com seu jeitinho peculiar fez cara de quem gostava muito dele. Disse que o técnico já arriscava muitas palavras em português. E uma delas divertia toda a equipe.
"Quando a gente erra alguma coisa, ele fala: idiótica", contou Daiane e caiu na gargalhada. O que seria uma ofensa virou palavra símbolo do entendimento entre a turma toda.

Quase uma senha.

E os resultados vieram.

Oleg era também um companheiro dos bons nos churrascos feitos somente entre os técnicos da equipe masculina. Todos moravam em uma casa perto do Centro de Excelência. E nos churrascos de sábado, um produto era disputado: e não era a carne bem assada pelo técnico Ricardo Pereira, hoje trabalhando com ginástica nos Estados Unidos.

Era a vodca com pimenta que Oleg tinha trazido de sua Ucrânia. Quem provou disse que era uma delícia.

A última vez que encontrei o Oleg foi pertinho do Centro de Imprensa, em Pequim, pouquinho antes das solenidades de encerramento dos Jogos de 2008. Eu o saudei e se não me engano ele carregava uma garrafa de vodca, não sei se de pimenta ou não.

A ginástica brasileira realmente fez história como profetizou Oleg em sua chegada.

Daiane com seu "Brasileirinho" encanta até hoje em qualquer vídeo que a gente assista.

E a paixão durou até o fim da vida do técnico.

Nesta semana mesmo eu tinha lido que Daiane estava passando uma lista para juntar dinheiro. Era para que o velho treinador pudesse arcar com as despesas hospitalares em sua Ucrânia.

Oleg se foi.

Fica a lenda.