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Craque de três Olimpíadas, Roseli pede alegria nos pés do Brasil de Pia

Roseli disputou três Olimpíadas e ganhou a prata em Atenas-2004 - Reprodução/FIFA
Roseli disputou três Olimpíadas e ganhou a prata em Atenas-2004 Imagem: Reprodução/FIFA

Roberto Salim

Colaboração para o UOL, em São Paulo

15/07/2021 16h54

Marta é um fenômeno do futebol. Sissi foi uma jogadora incomparável. Mas e Roseli de Belo? Pouca gente da nova geração sabe, mas nas três primeiras Olimpíadas disputadas pela seleção brasileira, ela era uma jogadora fora de série: não só pelos gols, mas pelo verdadeiro show que dava com seus dribles, chapéus, seu gingado e habilidade.

"O que falta para a seleção que vai jogar em Tóquio?", indaga Roseli. E ela mesma responde: "Falta a confiança no drible, hoje o futebol feminino está muito parecido a um jogo de robôs. Falta alegria no pé!"

Talvez por isso recentemente Roseli foi chamada a trabalhar com a comissão técnica da seleção brasileira sub-17. Foram duas semanas como assistente técnica ao lado de Simone Jatobá, a treinadora da equipe. Provavelmente para ensinar os segredos do drible e a sabedoria da objetividade na hora de concluir para o gol adversário. Só assim, a sueca Pia Sundhage poderá realizar o sonho de remodelar o futebol destes lados do Atlântico.

"Eu preciso fazer agora o curso exigido pela CBF para poder trabalhar como treinadora", conta Roseli que, nos seus tempos de jogadora, construiu uma ficha incomparável.

"Ela era o nosso Pelé, era impossível parar a Roseli, ela jogava em todas as posições do ataque", diz Romeu Castro que, na Olimpíada de Atlanta, em 1996 (a primeira em que se disputou o futebol feminino), era o administrador da equipe treinada pelo grande Zé Duarte. Hoje ocupa na CBF o cargo de supervisor de competições e especialista de seleções do futebol feminino. "E olha que no time de Atlanta tínhamos Sissi, Pretinha, Michael Jackson, Kátia Cilene e a Formiga".

Em 20 anos vestindo a camisa brasileira, Roseli marcou 76 gols. "Ela fez 72 jogos pela seleção e esse levantamento é exclusivo, em primeira mão, acabamos de fazer", fala Romeu. "Hoje com certeza Marta tem mais gols, mas tem também mais jogos disputados com a camisa da seleção. Creio que, na média, Roseli esteja à frente. Ainda estamos concluindo o levantamento estatístico".

Em uma ocasião, na goleada por 11 a 0 sobre as mexicanas, Roseli marcou 5 gols. "Uma vez, contra a Coreia do Sul, ganhamos por 4 a 1 e eu marquei todos os gols".

A grande recordação de Roseli, que começou na seleção aos 17 anos em 1988, é a conquista da medalha de prata na Olimpíada de 2004. "Esta medalha está guardada em uma caixinha especial, no guarda-roupa aqui da minha casa, em Osasco".

É um troféu que só sai do quarto quando a ex-jogadora de 51 anos vai trabalhar com jovens atletas. "É um incentivo, uma prova de que com muito trabalho é possível sim chegar às grandes conquistas. Mesmo com todas as dificuldades que enfrentávamos em nosso tempo".

Paulista, com 14 anos, Roseli já era vista como uma fora de série. No futebol de salão era impossível marcá-la. "Eu driblava tanto que o meu técnico na época me implorava para passar a bola para as outras meninas. Eu só queria driblar. Então, nos treinos, ele me dava uma bola para eu segurar com as mãos. Ele dizia: você quer a bola só para você? Então fique com essa. A outra, a bola do jogo, você passa também para as companheiras".

Roseli começou a jogar futebol na rua, com os meninos. "Na minha época era na rua mesmo e era jogo com objetivo de fazer o gol. Sempre indo ao ataque."

Com a fama criada, logo a menina estava na equipe do Radar, no Rio de Janeiro. "A gente treinava três vezes por dia. Treino intenso. Não tínhamos condução própria. Então, a gente acordava cedo, pegava ônibus e ia treinar na Casa do Marinheiro, ali na Avenida Brasil. Treino puxado. Na hora do almoço a gente comia embaixo de uma árvore, descansava ali mesmo e depois reiniciava os treinamentos. É isso que procuro mostrar às meninas, que hoje tem mais condições de treino, tem até drone para mostrar a movimentação em campo. Elas têm de entender que precisam se dedicar para chegar longe. Nós plantamos isso e sabemos como foi difícil, pois a cada temporada se dizia que o time ia acabar, que o futebol feminino não tinha futuro. Era uma luta constante."

Roseli vai acompanhar todos os jogos da Olimpíada pela televisão. Acredita que na primeira fase o Brasil passe com alguma tranquiilidade por China, Holanda e Zâmbia. "Tenho confiança de que o time vai passar também para a fase seguinte. Mas é preciso ter aquela filosofia de gente como o seu Zé Duarte: com ele era ganhar ou ganhar. Ele punha o time para frente. Imagina o time com Pretinha, Kátia Cilene, Sissi, Michael Jackson, eu... Era gás total o tempo todo. Isso será fundamental para a nossa seleção lá no Japão, desde a estreia contra as chinesas".

Roseli acha que as características da seleção mudaram muito do seu tempo para hoje em dia. E tem uma explicação. "Muitas jogadoras estão atuando fora do país. Isso é bom, porque dá experiência, mas ao mesmo tempo, elas trabalham com treinadores que tem uma filosofia de jogo diferente. Isso prejudica a nossa técnica. Perde-se a alegria do drible".

Mas será que ainda assim o time brigará por medalha? "Eu fico nervosa, mas vou torcer, porque a medalha de ouro sempre escapou das nossas mãos. Sempre batemos na trave. Quem sabe venha agora".

Roseli espera que venha com dribles. Com a tal alegria nos pés.