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Ex-atleta e agora técnico, Carlos Camilo lamenta duas Olimpíadas perdidas

Paulo André costuma comemorar resultados rolando na pista com o pai e treinador, Carlos Camilo - Ricardo Bufolin/ECP
Paulo André costuma comemorar resultados rolando na pista com o pai e treinador, Carlos Camilo Imagem: Ricardo Bufolin/ECP

Roberto Salim

Colaboração para o UOL, em São Paulo

16/07/2021 09h48

São duas histórias olímpicas distintas, com o mesmo desfecho. Uma ocorreu em 1984 e outra acabou de acontecer. O personagem é o mesmo: Carlos Camilo de Oliveira, ex-atleta, técnico e pai da maior promessa da velocidade brasileira nos últimos tempos, o jovem Paulo André, esperança de alcançar a final dos 100 m rasos e integrante do fortíssimo revezamento 4x100 m nos Jogos de Tóquio.

"Tudo está entalado em minha garganta", confessa Carlos Camilo, em conversa por telefone com o UOL, por mensagem, direto de Portugal, onde está acompanhando os treinamentos de seu filho, antes do embarque da delegação brasileira para o Japão.

O que está entalado na garganta de Carlos Camilo de Oliveira é que seu nome não está na lista de 17 treinadores que vão acompanhar os 54 atletas brasileiros na maior competição do planeta. A relação foi divulgada há uma semana pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) e traz a justificativa do presidente Wlamir Motta Campos: "A CBAt respeitou a meritocracia num cenário de pandemia e com base no número de credenciais disponibilizadas pelo COB".

Esta foi a segunda vez que Carlos Camilo viu seus sonhos olímpicos desfeitos pouco antes da realização do torneio.

A primeira aconteceu há 37 anos, quando era um jovem atleta. Um velocista dos bons, que buscava vaga na equipe nacional. Ele correu pelo índice dos 100 m e por um lugar no revezamento 4x100 m na manhã de um domingo, na pista do Ibirapuera. Eram todos concorrentes peso pesados: Nelsinho Rocha dos Santos, Robson Caetano, Katsuhico Nakaya, Arnaldo Oliveira, Paulo Correia e João Batista Eugênio.

"Fui com muita expectativa para a prova, mas senti uma contusão muscular", conta Camilo que, na ocasião, ainda lutava, como muitos atletas, contra dificuldades financeiras e tinha até problemas para conseguir condução para voltar à sua casa, em São José dos Campos.

E ele era um velocista de ponta, como mostra a foto que guarda até hoje em um álbum de fotografias em sua casa em Vila Velha, no Espírito Santo. Na foto, aparece participando de uma prova com ninguém menos que o norte-americano Carl Lewis.

"O Camilo era um grande corredor, um velocista forte. Poderia, com certeza, estar com nossa equipe em Los Angeles, em 1984", relembra Nelsinho Rocha dos Santos.

Se daquela vez, Nelsinho presenciou a contusão, pois participou da corrida que valia pelo Troféu Brasil, desta vez, ele não conseguiu entender por que Carlos Camilo não vai às Olimpíadas de Tóquio como treinador.

"Veja bem, eu não estou discutindo o nome dos 17 treinadores escolhidos. Todos têm seus méritos. Eu só estou dizendo que é uma tremenda injustiça, um erro, o Carlos Camilo não estar na equipe, pois ele é o treinador do velocista brasileiro que mais tem chance de fazer história e ser o primeiro a correr os 100 metros abaixo dos 10 segundos."

Pois é exatamente essa constatação do técnico carioca Nelsinho que deixa Carlos Camilo intrigado. Aborrecido com a decisão da CBAt. Com os critérios. Ele está mesmo inconformado e eu o conheço bem de outras reportagens. Eu estava no Ibirapuera em 1984, cobrindo aquela seletiva pela Folha de S. Paulo e estive outras duas vezes em Vila Velha, na pista de terra onde Paulo André começou a treinar com seu pai.

Carlos Camilo, já professor formado em Educação Física e um pesquisador fanático pelos segredos da velocidade, me disse que o menino iria longe: "O fundamental é não deixar o menino sair de perto da gente", dizia. "É importante voltar para sua terra, sua casa, após as competições. Aqui, ele conhece sua geladeira, seu micro-ondas, sua cama. Isso é muito importante para um atleta: estar em seu ambiente. E eu também não saio de perto dele".

Mas agora, quando é chegado o grande momento da dupla, Carlos Camilo vai sair de perto do filho-atleta.

Aqui segue a conversa que tive com Carlos Camilo por mensagens nesta quinta-feira (15). Mensagens trocadas pelo WhatsApp, quando ele chegou a Portugal, depois da passagem da equipe brasileira por Londres.

UOL - O que dói mais: não ir agora à Olimpíada como técnico ou não ter ido como atleta a Los Angeles?

Carlos Camilo - Dói mais como técnico.

UOL - Como atleta que você foi, qual a importância de estar ao lado do Paulo André em Tóquio para que seu filho suba ao pódio?

Carlos Camilo - Faz toda a diferença. Corrigir técnica, dar apoio psicológico, passar segurança para o atleta e passar o treino na pista e na academia. Estou nessa pegada com o Paulo André, com a finalidade de no mínimo ir à final olímpica, desde 2017. Todos esses anos pensando somente na Olimpíada de Tóquio. Quantos meses no exterior, deixando a família, para atingir esse objetivo! E conseguimos o chamado índice olímpico. Aí vem uma comissão e me tira dos Jogos, sendo que o meu atleta tem índice olímpico. Realmente não dá para entender. Paulo André está muito revoltado, mas agora não é hora para deixá-lo irado. É hora de acalmá-lo.

UOL - É definitivo, você não vai a Tóquio?

Carlos Camilo - Gostaria de falar mais sobre o assunto, mas só irei me pronunciar após os Jogos. Vou esperar o Paulo André correr para depois falar o que penso sobre essa nova administração da CBAt. Está entalado na minha garganta.