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Alê do handebol: a quinta Olimpíada da menina que só queria atenção do pai

Divulgação/COB
Imagem: Divulgação/COB

Roberto Salim

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/07/2021 12h00

Muita coisa que aconteceu na vida de Alexandra Nascimento não é lá muito comum: ela é um fenômeno do esporte, foi pedida em casamento em um coreto, fez a carreira praticamente toda fora do Brasil, já foi campeã mundial, já foi eleita a melhor jogadora do planeta e tem braços que, por serem compridos, permitem arremessos incríveis. E quando entrar no Ginásio Nacional Yoyogi para enfrentar as russas no próximo sábado (24, às 23h, contra a Rússia) em Tóquio, Alê vai dar início à sua quinta participação nas Olimpíadas.

"Cinco Olimpíadas...", diz a jogadora da camisa número 3, que nasceu em Limeira e foi criada em Vila Velha. Após um longo suspiro, continuou sua resposta, como se um filme tivesse passado por sua mente, agora que está na capital japonesa esperando o momento de entrar na Vila Olímpica. "Sou a primeira jogadora brasileira de handebol a conseguir isso e sinto um misto de prazer e responsabilidade, quase um peso mesmo, uma obrigação de ajudar as mais novas".

É uma emoção que resume uma vida dedicada inteiramente ao handebol.

"Eu durmo, acordo e me entrego 200 por cento a esse esporte. Fiquei longe da família, sofri contusões, senti saudade do Brasil e sei exatamente o preço que se paga por essa dedicação".

Alexandra, Alê ou Lelê (como dizem as amigas da seleção) é uma fora de série. E isso vai além de sua dedicação, de um biótipo perfeito para o handebol e para a posição que ocupa nos times que defende: a ponta-direita. Na verdade, ela deve muito de sua trajetória ao pai, Suemar Jorge do Nascimento, o jogador Mazinho, lateral-direito que em 1981 jogou no Santos e teve passagens também por Inter de Limeira, América de Rio Preto, Coritiba e Mixto de Cuiabá. Um desafio estabelecido por ela mesma foi mostrar ao pai que também era uma esportista.

"Meu pai sempre falava do meu irmão mais velho. Dizia: esse é o meu garoto! E eu ficava ali só olhando, só ouvindo. Meu pai só tinha planos para o meu irmão. Eu queria que meu pai olhasse para mim também e então comecei a praticar tudo quanto era esporte: joguei basquete, fiz atletismo e até futebol para ver se ele me elogiava. Pratiquei remo durante um ano. Então me encontrei aos 10 anos no handebol, mas ele nunca me viu jogar."

Alexandra nascimento vertical - Getty Images - Getty Images
Alexandra Nascimento foi eleita a melhor do mundo em 2012
Imagem: Getty Images
E Alê joga cada partida até hoje como se Mazinho ainda estivesse vivo. E pudesse sentir orgulho por ela, mesmo tendo partido aos 38 anos. O pai morreu quando ela tinha 12, mas dona Nelza, mãe da craque da seleção nacional, incentivou a carreira da filha, quase toda desenvolvida fora do país, num total de 22 anos defendendo times europeus. Atualmente, joga no handebol francês.

O começo das viagens, dessa verdadeira aventura, foi quando saiu de Vila Velha e aceitou o convite para defender o Jundiaí Handebol Clube.

"Foi em um momento difícil, porque eu tinha sofrido uma contusão no joelho e ainda assim a técnica Rita Orsi falou com a minha mãe, me levou para Jundiaí, pagou o exame de ressonância, bancou a cirurgia e me convenceu de que eu era uma ponta-direita. Foi ela quem descobriu o meu potencial. Eu treinava chorando, porque não queria jogar naquela posição. Eu dizia: eu não sou ponta-direita. E ela garantia que eu era e, por isso, a Rita foi determinante em minha carreira."

Logo, a menina promissora se transferiu para o fortíssimo time de Guarulhos, que nos bons tempos chegou a ter sete jogadoras na seleção nacional, além da técnica Marisa Lofredo.

"Alexandra é uma ponta-direita única. A melhor que já tivemos", garante a treinadora. "É uma canhota com qualidades incríveis e nem o fato de estar com 39 anos impede atuações brilhantes. Ela é canhota, e isso é essencial para a posição. Em segundo lugar: seu biótipo é adequado, pois ela é longilínea, alta, esbelta, magra e tem os braços longos em relação ao tronco, o que permite uma amplitude de movimentos mais largos, criando ângulos improváveis para os arremessos ao gol, dificultando a defesa das goleiras. Ela tinha um mundo todo pela frente no esporte. E as meninas aqui em Guarulhos costumavam brincar dizendo que a Alexandra não tinha braços, mas sim pernas."

handebol feminino - Divulgação/COB - Divulgação/COB
Imagem: Divulgação/COB
Ao escutar a referência aos seus braços pela técnica Marisa Lofredo, Alê sorri gostosamente do outro lado do telefone, já em seu quarto após mais um treino da equipe brasileira em Tóquio.

"É verdade. Normalmente as pontas são baixinhas, mas eu tenho braços longos e pernas compridas. E isso facilita os arremessos a gol", admite a jogadora, que foi eleita a melhor do mundo quando defendia o Hypo, da Áustria, em 2012. E foi campeã mundial com a seleção brasileira na Sérvia.

"Falta a Olimpíada", confessa Lelê, que como muitas outras jogadoras não esquece a derrota para a Noruega, na Olimpíada de 2012, em Londres. "Estávamos ganhando por uma grande diferença, mas faltou frieza no segundo tempo, faltou um amadurecimento maior. Aquela derrota doeu muito. Achávamos que já estávamos prontas para uma medalha olímpica".

Hoje, o time nacional é experiente. Porém, a chave das brasileiras é muito difícil: Rússia, Espanha, França, Hungria e Suécia. Das seis equipes, quatro passam para o confronto direto com as classificadas do outro grupo. E dependendo do cruzamento, o caminho se torna ainda mais árduo.

"É uma competição curta e estamos preparadas. Esse período de pandemia gera muito medo. Receio de até ser dispensada caso a gente seja contaminada pela doença. Então temos conversado muito sobre medo, insegurança. E colocar o assunto em discussão e botar para fora essa situação nos fortalece mais. Quando não se fala dos medos e aparece algo inesperado em um jogo, isso pode ser fatal. Mas nós agora estamos fortes."

Aos 39 anos, Alê já pensou em parar algum tempo atrás. Mas segue na luta, ao lado do marido chileno Patrício Martinez (também jogador de handebol), que a pediu em casamento em um coreto da zona internacional dos Jogos Pan-americanos de 2007, no Rio de Janeiro.

"Estamos juntos há 15 anos e completamos 10 anos de casados agora no dia 9 de julho", conta uma mulher encantada, que pensa em filhos e na medalha olímpica com a mesma paixão.