Talvez estejamos vivendo as Olimpíadas mais disruptivas da História.
Meu pai e eu tomávamos café na cozinha da casa dele enquanto eu contava sobre essa crônica, que estava prestes a escrever. Relatei alguns dos eventos maravilhosamente transgressores que têm acontecido antes mesmo da abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, relacionados à diversidade e questões de gênero.
Citei Douglas Souza, atleta do vôlei assumidamente gay que, em poucos dias, se tornou o queridinho dos brasileiros ao registrar os bastidores dos Jogos Olímpicos pelo Instagram.
"Pai, você viu o Douglas do vôlei? Ele é assumidamente viado, e isso é maravilhoso para o esporte". Meu pai, de 59 anos, não sabia que pessoas LGBTQIA+ se apropriam de termos pejorativos e os ressignificam. Meus amigos me ensinaram: só viado chama viado de viado. Amigos também podem. Em resposta, meu pai, prontamente, me corrigiu:
"Taly, ele não é viado. Ele é homossexual, e um ótimo jogador. Adoro ele. Não fale assim."
Nunca imaginei que meu pai me corrigiria achando que eu havia sido preconceituosa contra uma pessoa LGBTQIA+. E fiquei tão, mas tão feliz, que só ficou ainda mais escancarado algo que já está nítido: Tóquio-2020 vai deixar um legado muito além do esportivo.
Douglas Souza vai fazer um monte de gente que não ligava para o vôlei acompanhar e torcer para a seleção brasileira. Jogadoras das seleções da Grã-Bretanha, Chile, Estados Unidos, Suécia e Nova Zelândia ajoelharam-se em protestos antirracistas antes do início de suas partidas. Marta fez dois dos cinco gols na estreia do futebol feminino contra a China, e o último deles foi dedicado à esposa, Toni Deion. No mesmo dia, a narradora Natália Lara, do SporTV, citou a substituição de Quinn, da seleção canadense de futebol, e explicou que Quinn é uma pessoa transexual não binária. O comentarista Conrado Santana complementou com pronome neutro: "Elu jogou muito bem".
O maior evento esportivo do mundo, em meio a uma pandemia destruidora, chega com muito significado: esperança para todo lado. Além dela, tem outra mensagem bastante explícita: jogaram fora as chaves do armário. A diversidade existe, e no esporte não é diferente. Nunca foi. Só que essas pessoas precisaram se esconder em nome de uma hegemonia excludente de raça, orientação sexual e até religiosa.
Para Exu aplaudir
A seleção masculina de futebol tem Paulinho — candomblecista que agradece a Exu como os tantos jogadores de futebol agradecem, diariamente, a Deus. A mãe dele, em entrevista à repórter Gabriela Chabatura para o UOL Esporte, afirmou que o filho sofreu diversos ataques nas redes sociais ao manifestar sua gratidão a um orixá importante para ele. Apesar deles, Paulinho continua agradecendo a quem o protege, com Emicida de fundo: "Nunca foi sorte, sempre foi Exu".
Paulinho marcou o quarto gol do Brasil contra a Alemanha nesta quarta-feira (22). Prontamente, o narrador do SporTV Guga Villani gritou: "Paulinho! Para Exu aplaudir!". O jogador comemorou fazendo um gesto que simboliza a flecha de Oxóssi, orixá das matas. Vocês conseguem entender quão importantes são esses atos na principal seleção de um país tomado por intolerância religiosa? Mais da metade dos casos de intolerância registrados pelo Disque 100 são contra religiões de matriz africana.
Também nesta quarta, ginastas alemãs se apresentaram no treino de pódio, ensaio geral da ginástica artística, com as pernas cobertas em protesto contra assédio sexual e sexualização do esporte feminino. O colunista do UOL Esporte Demétrio Vecchioli conversou com a atleta Pauline Schäfer, em Tóquio, que confirmou a ação.
Os uniformes utilizados nos treinos já são os oficiais que serão usados nas competições, e não é a primeira vez que o time protesta dessa maneira. No Campeonato Europeu, em abril desse ano, a ginasta alemã Sarah Voss vestiu o macacão de corpo inteiro em vez do maiô cavado — antes disso, atletas só tinham coberto as pernas em competições internacionais por motivos religiosos.
A decisão de Sarah foi apoiada pela Federação Alemã — que, ao que tudo indica, decidiu repetir o feito. Fora das Olimpíadas, mas nesse mesmo período, as jogadoras de handebol de praia da Noruega pagaram uma multa de R$ 9,2 mil (1.500 euros) por se recusarem a jogar o Campeonato Europeu usando bíquini. Elas competiram de shorts.
Que tempos, meus amigos!
Não se descola o esporte da sociedade. Ele faz parte dela, é um recorte. Representatividade é isso. O esporte tem papel social, de educar, além de entreter. E as Olimpíadas de Tóquio, apesar de acontecerem em meio a um cenário devastador de uma pandemia, trazem a mensagem que está na boca de todo mundo: não existe mais espaço para intolerância. Em lugar algum.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.