Wanderson, o Sugar brasileiro, luta para mudar a história olímpica da Maré
Quando subir ao ringue da Kokugikan Arena, ele não estará carregando nas costas apenas a responsabilidade de um apelido herdado do ídolo Ray Leonard. O "Sugar" brasileiro leva, além da alcunha dada pelo técnico, seus 63 quilos e o peso de representar toda uma comunidade carente do Rio de Janeiro. Wanderson Oliveira nasceu, cresceu e começou a lutar boxe no Complexo da Maré, região que entrou para a história olímpica em 2016 com o confronto entre traficantes e integrantes da Guarda Nacional.
"Quem sabe a Maré entre novamente na história olímpica, agora com uma medalha", espera o técnico Gibizinho, que em 2009, no projeto onde trabalhava, descobriu e se tornou praticamente um segundo pai do menino de 12 anos, um canhoto talentoso que bailava como Sugar Ray Leonard e atacava seus adversários com um jab poderoso.
"Eu durmo toda noite pensando em medalha, sempre sonho com o pódio. Não tem uma noite em que não pense nisso", admite Wanderson, 24 anos, direto de Tóquio, onde treina com a equipe brasileira. "Essa questão da bolha, do isolamento, não atrapalha mais, porque toda a equipe já vem passando por isso nas últimas viagens e competições e estamos acostumados".
Ele luta na categoria até 63 quilos e é um dos cotados ao pódio olímpico tanto pelo estilo quanto pelos resultados conseguidos nos últimos tempos.
"Eu já tenho 235 lutas e cerca de 26 ou 27 derrotas e sei que terei de lutar o dobro para passar por lutadores de EUA, Rússia ou Cuba, pois muitas vezes a tradição pesa na decisão dos jurados. Mas eu estou preparado, acredito no trabalho e creio que vamos ganhar medalhas como nas últimas Olimpíadas."
O técnico Gibizinho, que agora tem seu projeto próprio em Taboão da Serra (SP), acredita mesmo que a medalha é possível.
"Ele tem um bom cruzado, mas seu ponto forte são os ganchos por dentro. A repetição desses ganchos abala o adversário e lhe dá vantagens na luta. Treinamos muito esse golpe, e estou confiante que a medalha vem. Ele tem que ser campeão por ele, pelo país, por mim, pela lembrança da mãe e pelos amigos da comunidade."
Uma lição de perseverança
"Quase impossível é sair da comunidade e realizar um sonho, como o Sugar está realizando", diz ainda o treinador. "Eu mesmo não consegui disputar uma Olimpíada. Participei dos pré-olímpicos de Atlanta e Sydney, fiz parte da equipe brasileira em Jogos Pan-americanos, mas não consegui classificação. Agora, com o Sugar, estou me realizando. É um pedaço meu que estará lutando na Olimpíada no Japão", conta com orgulho o técnico que em sua carreira de peso mosca teve 184 lutas, com 165 vitórias.
"Eu só cai duas vezes, mas levantei e venci essas duas lutas. Nunca fui a nocaute. É isso que ensino a meus lutadores: é preciso perseverança".
"O esporte educa, qualifica e dá muita maturidade. Querendo ou não, o esporte dá responsabilidade. Você não pode estar acima no peso, tem que bater o peso. Você não pode perder para a balança. E só aí já é um round de luta."
Uma lição que Sugar aprendeu muito bem, desde os tempos em que seu apelido no Complexo da Maré era Neném e ele gostava mais de futebol do que das lutas.
"Um dia, depois de um jogo de bola, entrei no projeto para tomar água e acabei gostando do que vi. Tinha 12 anos, fiquei no boxe e três anos depois já tinha viajado a São Paulo para uma luta. Sabe o que é um menino de comunidade saindo assim? Daí para a frente segui no boxe. Meus amigos falavam: o Neném é campeão, ganhou o torneio Galo de Ouro. Isso repercutiu muito na favela".
Foi nessa época que Gibizinho viu semelhança entre o campeoníssimo Ray Leonard e o menino carioca.
"Ele tinha um jab bonito igual ao do Sugar. Tinha estilo e eu comecei a chamá-lo de Sugar. Ele começou a se destacar, e a sua mãe, Sandra Regina, percebeu o quanto era importante o esporte para o seu filho. E ela incentivava e até ia nas competições. Uma vez foi até Sergipe, em um campeonato brasileiro."
Entre carinho e lembranças amargas
Quando Gibizinho deixou o projeto no Complexo da Maré e veio para São Paulo, ela veio algumas vezes para ver como estava o filho.
"Em 2017, montei a Associação Gibi Esportes, Educação e Lazer. Ela veio muitas vezes, mas infelizmente faleceu no ano passado. Mas o Sugar continuou comigo e hoje temos aqui o sobrinho dele, o David Oliveira, o Suguinha, que já vai lutar logo, logo. Dá para entender que o Sugar é um filho para mim?"
Dá, sim, para entender, principalmente porque Wanderson não mantém um relacionamento amistoso com seu pai. "Não quero falar disso", respondeu Sugar, depois de um dia de treinos em Tóquio.
Ele também não gosta muito de falar sobre a tragédia de 2016, no confronto entre traficantes e a Guarda Nacional. Gibizinho, por sua vez, conta que na comunidade todos se respeitam. E lembra que na ocasião da tragédia que repercutiu no mundo todo, ele não estava na Maré, mas trabalhando com as equipes de boxe que foram disputar a Olimpíada do Rio. "Foram 15 dias. Eu montava e limpava a academia para os treinos. E nas competições, eu ficava tirando as luvas e dando o material para os lutadores nos vestiários."
Gibizinho garante que no Complexo da Maré o esporte ajuda muito os jovens. E Sugar concorda. "O esporte educa, qualifica e dá muita maturidade. Querendo ou não, o esporte dá responsabilidade. Você não pode estar acima no peso, tem que bater o peso. Você não pode perder para a balança. E só aí já é um round de luta. Além do mais, tem a questão da humildade, da paciência e da perseverança. Tudo isso é ensinamento para um jovem", admite Sugar.
Gibizinho passa tudo isso a seus alunos e, mesmo em áreas carentes, convive bem com todos os moradores.
"Dá para conviver com muito respeito. Tem muita gente de bem, muito trabalhador. Só saí de lá da Maré para desenvolver meu projeto próprio e fazer do Sugar um campeão".
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