'Estava revoltada': Luiza Erundina conta como liberou o uso de skate em SP
Consagrado com duas medalhas de prata nas Olimpíadas de Tóquio, o skate já foi um esporte marginalizado. Em 1988, o então prefeito Jânio Quadros proibiu sua prática em São Paulo e, no ano seguinte, o veto foi derrubado pela sua sucessora, a prefeita Luiza Erundina.
Atualmente deputada federal por São Paulo (PSOL), Erundina se tornou, assim, uma espécie de "padroeira do skate", ou "vovó skatista" - segundo ela conta, seu novo apelido - e comemora agora a conquista das medalhas pelos skatistas Rayssa Leal e Kelvin Hoefler, na estreia do esporte nos Jogos Olímpicos.
"Primeiro vibrei com a inclusão do skate como esporte nas Olimpíadas, isso antes dessa enorme alegria que foi ver dois brasileiros, a Rayssa, uma menina de 13 anos nordestina, um gênio da arte e do esporte no skate, e o Kelvin, um jovem de 27 anos de família da periferia de São Paulo, determinado, corajoso, vibrante", afirma Luiza Erundina, em entrevista ao UOL Esporte.
Ela já havia celebrado as duas medalhas olímpicas em suas redes sociais. "Isso só pode dar muita alegria para nós, brasileiros, sobretudo num momento de tanta tristeza, de tanta dor como o que vivemos hoje em nosso país."
Skate proibido em São Paulo
Erundina lembra que essa comemoração vem mais de 30 anos depois de uma lei municipal criada por Jânio Quadros que proibia o skate em São Paulo e posteriormente foi revogada por ela.
A história começou em 1988, quando os skatistas foram impedidos de praticar a atividade no Parque do Ibirapuera, seu principal ponto de encontro na época, após reclamações feitas por frequentadores do local. Eles, então, organizaram uma manifestação contra a decisão, saindo do centro da cidade até o Ibirapuera.
Como resposta, Jânio instituiu uma lei que proibia a circulação de skatistas pela cidade. Muitos skatistas resistiram, 'furavam' essa proibição, iam para as ruas e sofriam retaliação.
"Muitos depois me confessaram que tiveram seus skates quebrados pela Guarda Metropolitana. Uma pessoa que, na época, tinha 8 anos me contou que havia recebido do pai um skate, estava treinando no Parque do Ibirapuera e veio a Guarda Metropolitana e quebrou, e ele saiu chorando. Eu ouvi vários depoimentos", diz Erundina.
No dia 23 de junho do mesmo ano foi realizada uma marcha com cerca de 200 skatistas, que teve início no metrô Paraíso e se estendeu até Avenida Paulista. "Eles fizeram aquela marcha, levaram um abaixo-assinado com mais de 6 mil assinaturas solicitando que o prefeito de então retirasse essa proibição absurda, que só poderia vir mesmo de uma autoridade autoritária, repressora, que não tinha naquele tempo a sensibilidade de um sentimento expresso por jovens, por adolescentes."
Jânio ignorou as reivindicações. A deputada conta que aquela virou uma das bandeiras de sua campanha à prefeita. "Eu estava revoltada, mas sem poder resolver. Aí disse: se eu me eleger prefeita, uma das primeiras coisas a fazer será revogar esse absurdo que é proibir o skate, que é um esporte acessível a qualquer criança, jovem, mas tem toda uma técnica, um conhecimento, uma arte para fazer aquilo, e temos hoje esses grandes skatistas que estão impressionando o mundo com sua beleza, com essa arte do skate."
Três décadas depois, Erundina segue em contato com os skatistas. No início do ano passado, ela recebeu em seu escritório em São Paulo alguns skatistas que trouxeram uma camiseta em homenagem a ela, que fazia parte de uma campanha que revertia recursos ao movimento. Na ocasião, ela subiu novamente no skate, reproduzindo uma cena que foi fotografada nos anos 1980, após a revogação da lei.
Ela diz que também está ajudando em outra demanda: evitar que a prefeitura de São Paulo despeje uma pista de skate instalada numa área desocupada, pública, na zona sul da cidade. "O esporte transforma a vida, o sentimento, as relações, o mundo das pessoas", conclui.
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