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OPINIÃO

No ouro de Ítalo, Everaldo Marques é campeão além dos bordões

Globo/Mauricio Fidalgo
Imagem: Globo/Mauricio Fidalgo

Alexandre Cossenza

Colaboração para o UOL, em São Paulo

27/07/2021 05h47

"Vai, Ítalo Ferreira! Para a eternidade olímpica!" ... "Você é campeão! Você é especial! Você é eterno! Você é ridículo!"

Foi assim, embalada por um empolgado e empolgante Everaldo Marques, na TV Globo, que a maioria do Brasil comemorou a primeira medalha de ouro do país nos Jogos Olímpicos Tóquio-2020.

Não sou grande fã dos bordões repetidos quase obrigatoriamente que tomaram de assalto as transmissões esportivas brasileiras recentemente. Na maioria dos casos, saio com a impressão de que o narrador quer viralizar e vender a si mesmo mais do que passar emoção. Como se o que acontece no campo, na quadra, na pista - ou, claro, no mar - seja algo secundário e que não seria relevante sem aquela voz ali.

Everaldo Marques passa longe desse tipo de profissional. Sim, todos meio que esperamos o momento em que ele vai chamar alguém de ridículo, seu próprio bordão usado para exaltar um atleta (e já falo mais sobre isso!), mas os méritos do locutor global vão muito além de frases ensaiadas. E a narração da final olímpica do surfe masculino, vencida por Ítalo Ferreira, foi daquelas para gravar, rever e mostrar em escolas de jornalismo e radialismo.

Os motivos são muitos, e o principal talvez seja a natureza do esporte. O surfe tem baterias de 35 minutos em que, somando todas ondas dos competidores, não temos mais do que cinco minutos de ação propriamente dita. É preciso conteúdo, talento e tato para levar uma transmissão assim. Everaldo é mestre nisso. Aliás, mestre não. Maestro. Porque o "Evê" não só narra, mas conduz. Faz a orquestra funcionar envolvendo os comentaristas e os repórteres na hora certa. Aponta brilhantemente quando cada um fará seu "solo" na sinfonia.

Nos 35 minutos da final olímpica, Everaldo abriu com informação, perguntando a Teco Padaratz e Miguel Pupo, os comentaristas, sobre as qualidades do adversário do brasileiro. Em seguida, deu uma pequena aula de matemática, explicando como é feita a contagem dos pontos. Pouco depois, Evê teve a sensibilidade de pedir silêncio para que ouvíssemos a conversa de Ítalo e sua equipe na hora da troca de prancha. E, com timing impecável, pediu aos especialistas opiniões sobre as consequências de usar outra prancha naquele momento.

Enquanto Ítalo e o japonês Kanoa Igarashi duelavam no mar, Everaldo também envolveu o competente repórter Guilherme Pereira, explicou o conceito surfístico de "combinação" (quando um atleta precisa de pelo menos duas ondas para virar o placar da bateria) e ensinou o que é "prioridade" na modalidade.

Na reta final, com ouro de Ítalo assegurado, Evê mostrou que fez o dever de casa. Citou as tampas da geladeira de isopor do seu Luisinho (Ítalo começou a surfar com uma tampa assim), lembrou do sacrifício da família para que o pequeno Ítalo surfasse e ainda deu uma aula de história de surfe, citando Pepê, Picuruta Salazar, Carlos Burle, Fabio Gouveia e Rico de Souza, entre outros.

E, já no finzinho da transmissão, no meio da emoção do primeiro ouro brasileiro em Tóquio, deu um curso expresso de como fazer seu bordão funcionar sem criar confusão. Escolado desde que os fãs de Lady Gaga não entenderam seu "ridículo" em um show de intervalo de Super Bowl, Everaldo aplicou o bordão nesta madrugada de uma maneira que não deixou dúvidas. Notem, no vídeo acima, a frase inteira. O "ridículo" só vem depois que Evê qualifica Ítalo como "campeão", "especial" e "eterno". A construção é brilhante.

Emoção, informação, generosidade e, acima de tudo, simplicidade. O pacote completo. Everaldo Marques é de ouro. Muito além dos bordões.