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Olimpíadas: Japão bate recorde e taxa de transmissão de covid supera Brasil

Juliana Sayuri

Colaboração para o UOL, em Tóquio (Japão)

06/08/2021 04h00

Quebrar recordes é uma das conquistas celebradas em Olimpíadas. Quebrar recordes na pandemia, não: quase no fim da Tóquio-2020, a capital japonesa ultrapassou pela primeira vez a marca de 5 mil novos casos de covid-19. Aconteceu na quinta-feira (5). No Japão como um todo, foram 15 mil casos nas últimas 24 horas — outro recorde negativo desde o início da pandemia no país.

Para se ter ideia, segundo o último relatório da Imperial College de Londres, a taxa de transmissão da covid no Japão é de 1,17. Isso significa que dizer que 100 pessoas contaminadas podem transmitir a doença para outras 117. Como comparação, o índice do Brasil é de 0,97 (100 contaminados podem transmitir para 97 pessoas). Não significa que a pandemia por aqui está pior do que no Brasil, mas significa que, enquanto no Brasil os números caem, no Japão, eles crescem.

Tóquio parece ser o maior exemplo disso. A capital japonesa está sob estado de emergência, mas muitos não parecem se importar mais com o que a palavra emergência quer dizer. Diferentemente da bolha olímpica, que possui restrições rigorosas e até agora mantém o número de infecções relativamente sob controle (353 desde o início dos jogos), o Japão não faz lockdown: o estado de emergência permite a autoridades japonesas "pedir" (e não "impor") alterações de horários e outras diretrizes.

Governo pede, mas não manda

"As autoridades podem pedir e as pessoas podem obedecer ou não. Atualmente, como se pode ver, não estão. Com a chegada do verão, a época de férias e as Olimpíadas, as pessoas perderam a paciência depois de tanto tempo sob estado de emergência. Elas não querem mais ficar em casa", diz a médica japonesa Haruka Sakamoto, pesquisadora do departamento de políticas de saúde global da Universidade de Tóquio.

Médica japonesa Haruka Sakamoto, pesquisadora do departamento de políticas de saúde global da Universidade de Tóquio - Juliana Sayuri/UOL - Juliana Sayuri/UOL
Médica japonesa Haruka Sakamoto, pesquisadora do departamento de políticas de saúde global da Universidade de Tóquio
Imagem: Juliana Sayuri/UOL

Com a temporada de férias, poucos estudantes andavam nesta quinta-feira no campus da universidade, uma das mais antigas do país. A expectativa, diz Sakamoto, é que todos eles estejam vacinados até a volta às aulas, no outono.

Na onda atual, os jovens correspondem a cerca de 60% dos casos de covid em Tóquio, onde avança a variante delta, altamente contagiosa. "Os mais jovens estão subestimando o vírus. É como se dissessem: entre 'uma febre de uns dias' e um tempo indeterminado sem ver os amigos, vou arriscar", critica a médica. Fenômeno similar se viu no Brasil, com a alta de casos entre jovens que preferiram ignorar riscos na pandemia.

Se antes a população japonesa estava majoritariamente preocupada com a vinda de variantes do vírus com a chegada de estrangeiros para as Olimpíadas, agora também é preciso considerar o caminho inverso: estrangeiros se infectando no Japão com a variante delta e levando o vírus de volta a seus países. Segundo Sakamoto, essa questão foi levantada nos comitês que ela participa. "Há risco, sim, e não pode ser desconsiderado. Se estamos em uma pandemia global, o que acontece em um país pode impactar os outros. Basta um infectado viajar e, sem saber, contaminar sua família, que pode contaminar sua cidade, seu país", diz Sakamoto.

Mensagem confusa

Mídia e médicos japoneses vêm destacando que sediar as Olimpíadas na pandemia levou uma mensagem confusa ao público quanto à gravidade da situação no arquipélago. "Muitos fatores podem aumentar o número de infecções. Os cidadãos estão cansados do coronavírus, há a variante delta... e há as Olimpíadas. A maior crise é que a sociedade não está acreditando na urgência da situação. Se o clima atual continuar, a pandemia definitivamente vai piorar", destacou Shigeru Omi, que lidera o painel de especialistas do governo japonês.

"O governo sinalizou que as pessoas deveriam ficar em casa, mas, ao mesmo tempo em que celebram as Olimpíadas. É uma mensagem totalmente inconsistente", assinalou Kenji Shibuya, ex-diretor do instituto de saúde pública do King's College, em Londres, e professor visitante da Universidade de Tóquio.

Em outras palavras, é como se o governo mandasse duas mensagens contraditórias: de um lado, tudo está sob controle para sediar um evento da dimensão das Olimpíadas, com a vinda de milhares de atletas, dirigentes e jornalistas do mundo todo; de outro, o surto não está tão controlado assim e é melhor todo mundo ficar em casa no Japão.

Para Sakamoto, isso rompeu a confiança da sociedade japonesa com as autoridades. "Assim, muitos preferiram ignorar os pedidos do estado de emergência."

Ministério da Solidão

No Japão, pesa outro fator para tentar compreender o comportamento dos jovens de preferir se arriscar e se aglomerar no pior momento da pandemia. É o impacto psicológico do isolamento social, num país historicamente marcado por fenômenos de solidão e alta de suicídios desde outubro de 2020 — em fevereiro de 2021, o governo japonês inclusive instaurou um tipo de Ministério da Solidão para realizar campanhas e políticas públicas voltadas para o cuidado da saúde mental da população na pandemia. "É um fenômeno singular no Japão. Está atingindo principalmente os mais jovens", diz Sakamoto, que está estudando o assunto academicamente.

"É nosso papel, como acadêmicos e jornalistas, ter um olhar crítico a tudo o que está acontecendo. Mas estamos vivendo uma crise inédita, uma emergência global. Ninguém tem todas as respostas", assinala a pesquisadora.

"Há quem diga que é uma insanidade ter a Tóquio-2020 na pandemia — e é verdade. Ao mesmo tempo, há quem prefira ver os jogos como uma chance de destacar a solidariedade global, um olhar otimista para o futuro. Se pensarmos que, até agora, as Olimpíadas foram ok e não tiveram explosões de casos [dentro da bolha olímpica], mostra que é possível compartilhar um momento positivo com gente do mundo todo, com todos os protocolos possíveis. Eu, pessoalmente, prefiro ser otimista."