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"Sonho tirado de quem merecia", diz 1º técnico de Érica Sena, da marcha

Erica Sena no pelotão de frente na disputa da marcha atlética nas Olimpíadas de Tóquio - Lintao Zhang/Getty Images
Erica Sena no pelotão de frente na disputa da marcha atlética nas Olimpíadas de Tóquio Imagem: Lintao Zhang/Getty Images

Roberto Salim

Colaboração para o UOL, em São Paulo

06/08/2021 17h05

Já tinham passado quase dez horas do fim da marcha atlética, ocorrida em Sapporo, no Japão, mas a quilômetros e quilômetros de distância, na cidade de Recife, o técnico Abraão Nascimento ainda estava inconformado com a punição dada à brasileira Erica Sena a menos de um quilômetro da linha de chegada, quando ela estava em terceiro bem perto de alcançar a colombiana Sandra Lorena Arenas, que perdia rendimento.

Foi Abraão Nascimento que há 26 anos recebeu a menina Érica para seus primeiros passos numa pista de atletismo. E na madrugada desta quinta-feira, ele tinha certeza de que a garotinha magra do "joelho mais grosso que a coxa" iria subir ao pódio olímpico ao fim da marcha dos 20 km.

"Foi cruel. Eu estou muito triste. Na hora é duro de acreditar. Foi um sonho tirado de quem tanto merecia."

Na verdade, Abraão nem está se queixando dos árbitros olímpicos que apontaram irregularidade nas passadas de Érica. Na marcha, os atletas precisam se locomover com as pernas esticadas e mantendo sempre um dos dois pés no chão. Em resumo, eles não podem correr. Mas a margem entre marchar rápido e correr é pequena e, por isso, cada atleta pode tomar até duas punições por essas infrações, cartões amarelos, em uma mesma prova.

Ao receber o terceiro cartão amarelo, Érica foi obrigada a ficar dois minutos parada na lateral da área de competição, terminando a prova na 11ª colocação.

"Eu acompanhei a prova pela internet e pelo nosso grupo de 'zap', que ia dizendo a quilometragem e a colocação. Eu não vi a prova, só ouvi quando falaram que ela tinha sofrido dois minutos de punição. Aí, foi uma tristeza geral."

No grupo de WhatsApp estavam praticamente todos os atletas que fazem parte do projeto "Atletismo Campeão", uma turma com cerca de 750 participantes e que existe em 10 pólos pela capital e interior de Pernambuco.

"Quando a Érica chegou, tínhamos o projeto "Atleta Cidadão", que oferecia bolsa de estudo aos participantes. Era por isso que a professora Elizabeth Medeiros encaminhava as crianças de Camaragibe para a gente", lembra Abraão.

Com 12 anos, Érica estudava na Escola Santa Apolônia e chegou para os treinos mais para que ganhasse a bolsa. "Ela era uma menina persistente, saída de um bairro carente chamado Tabatinga, na região metropolitana de Recife. E não tinha assim uma aptidão para uma prova específica do atletismo. E como não tinha, era magra e tinha o joelho mais grosso que a coxa, sobrou a marcha atlética. E não é que ela se deu bem?"

Na primeira prova já chegou em quarto lugar e, com o tempo, se transformou numa atleta internacional e em um dos maiores orgulhos das descobertas do técnico Abraão, que já está nessa vida há 32 anos.

Casada com o equatoriano Andrés Chocho León - recordista sul-americano da marcha 50km — ela treina e vive há 12 anos em Cuenca, em uma altitude de 2.600 metros.

Durante esse período dramático de pandemia improvisou treinamentos em esteira e superou o falecimento do pai de seu marido. Ainda assim estava muito animada com os treinos dados pelo próprio Chocho na cordilheira dos Andes.

"Há 15 dias, falei com a Érica, e ela disse que tinha certeza de que lutaria por uma medalha", recorda Abraão. "E realmente na prova, ela já estava com o bronze quase garantido e provavelmente passaria a colombiana. Ela se preparou a vida toda para essa prova. Por isso é que difícil de aceitar."

Apesar do sofrimento e da decepção, Abraão não chega a colocar a culpa na arbitragem.

"É o olho do árbitro. E ele vai ver o que ele quiser. São três advertências de três árbitros. Faz parte da prova, faz parte da competição, embora seja muito subjetivo. Mas na última volta é duro!"

Por isso, na pista de atletismo Santos Dumont, no bairro de Boa Viagem, por um bom tempo vai ser difícil esquecer do que aconteceu à sua representante mais famosa no Japão.