Ouro como técnico de Maurren, Nélio é prata com salto triplo de chinês

Nélio Moura agora tem dois ouros olímpicos e uma prata. Não medalhas, porque técnico não recebe, mas atletas: dois campeões e um vice. Em Pequim-2008 foram nada menos que os dois ouros do salto em distância: de Maurren Maggi e do panamenho Irving Saladino. Desta vez, em Tóquio-2020, o treinador brasileiro viu seu saltador chinês Zhu Yaming fazer 17,57m no triplo e conquistar a prata, atrás apenas do cubano naturalizado português Pedro Pichardo, que alcançou 17,98m.

Mas a aventura chinesa - e mais ainda, a saga para competir em Tóquio-2020 - começa com uma mensagem de WhatsApp ainda em setembro/outubro de 2018. "Alguém me perguntava se eu queria fazer parte da equipe de saltos da China. Achei que era trote", conta Nélio, divertido. "Mas fui pesquisar o nome e de fato existia, como coordenador do corpo técnico deles. Respondi e já me falaram que mandariam passagem para eu ir até lá. Foi um bate-volta de três dias. Fiquei mais no avião do que em Pequim."

Como os chineses chegaram no nome do brasileiro? "Eles me disseram que foi porque a Maurren pegou uma bandeirinha deles para desfilar com a brasileira, quando ela foi ouro olímpico em Pequim-2008."

Quatro atletas, dois garotos e duas garotas, vieram treinar com o técnico no Pinheiros, clube de São Paulo. O intercâmbio, com os dois lados indo e voltando, começou em 2019, passando por treinos e competições, que incluíram o Mundial de Doha. Zhu Yaming ainda não estava no grupo. "A expectativa era pelas Olimpíadas-2020. Em 19 de janeiro, viajei para lá. Quando parei na escala em Amsterdã, vi uma notinha no UOL, sobre um novo coronavírus. Nem comentei nada com a Tania, minha mulher, para ela não ficar preocupada."

Exagero? Era a pandemia

Chegando a Pequim, Nelio foi recebido no dia 21 pelos chineses, já dizendo que seriam tomados cuidados, mas que a cidade estava fora de perigo, porque o coronavírus era de Wuhan. "Achei exagero deles. Mas, no dia 23, Wuhan fechou. No dia 24, a gente não podia mais sair do centro de treinamento. Fiquei dez dias entre alojamento, refeitório e pista. Aqui no Brasil, todo mundo desesperado porque eu estava lá. E eu pensando em competir. Saí sozinho para a base de treinos em Madri e depois viajaram os atletas."

Ainda pouco se falava de coronavírus na Europa, e Nelio e seus atletas competiram na França e na Espanha. "Teve um clássico Real Madri e Barça com 80 mil pessoas, e os chineses perguntavam assustados 'como podem permitir?'. Diziam que não se estava levando a pandemia a sério. Voamos para casa no fim de fevereiro e em março foi atestada a pandemia. Começamos a treinar por vídeo, ao vivo, ainda achando que haveria Olimpíadas em 2020."

Quando adiaram os Jogos-2020, a China fechou, diz Nélio. "Meu visto de cinco anos, o visto de todo mundo, foi cancelado. Se eu fosse, seriam quatro semanas de quarentena: duas do governo, mais duas do Comitê Olímpico Chinês, para chegar perto dos atletas. Eles não podiam sair, nem eu ir para a Europa."

Treinos no vídeo da madrugada

Assim se passou um ano e meio, sem nenhuma competição internacional. Mas no tempo em que houve intercâmbio, conhecendo vários centros de treinamento, Nélio constatou que ainda há muitos treinadores chineses que defendem técnicas antigas, dos soviéticos, como a ênfase no primeiro salto do triplo. Aos poucos, observa, vão assimilando que hoje se treina mais velocidade na corrida, para um último salto 'grande'. Que, em vez de quantidade de horas em treinos, pode-se trabalhar por mais eficiência. Que é preciso períodos de descanso, para recuperação do atleta.

"É uma experiência cultural muito rica. Mudou completamente minha visão de China e dos chineses. Gosto muito de trabalhar com eles", afirma o treinador brasileiro, que segue orientando seus atletas ao vivo por vídeo, "às quatro da manhã quando treinam à tarde, ou às 11h da noite, quando é manhã para eles". O que planejamento para Paris-2024 já está iniciado e, lá, Nelio espera que além de melhora técnica de Zhu Yaming, também Wu Ruiting esteja no caminho do pódio.