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Ouro de Ana Marcela teve inspiração em Cielo, Fratus e bilhetes da namorada

Ana Marcela Cunha é recebida pela namorada, Maria Clara Fontoura, no desembarque no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro - Daniel Ramalho/COB
Ana Marcela Cunha é recebida pela namorada, Maria Clara Fontoura, no desembarque no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro Imagem: Daniel Ramalho/COB

Danielle Rocha

Colaboração para o UOL, no Rio

10/08/2021 04h00

Eles estão no pensamento dela sempre que entra na reta final dos 10km. Ana Marcela Cunha costuma dizer que ali, nos últimos 50m, a maratona aquática vira prova de velocidade mesmo depois de quase 2h e é preciso ativar o modo Cesar Cielo e Bruno Fratus para não deixar uma medalha escapar. Nas Olimpíadas de Tóquio, a divisão perfeita, que foi seguida à risca, não a fez ser ameaçada pelas adversárias, mas ainda assim os dois velocistas tiveram participação na construção do ouro. Cada um à sua maneira.

Foi num telão do aeroporto de Pequim que Ana Marcela viu Cielo se tornar o nadador mais rápido dos 50m livre naquela edição dos Jogos Olímpicos de 2008. Aos 16 anos, a também caloura olímpica decidiu ali que um dia experimentaria aquela sensação.

"Em 2004 eu tinha 12 anos, era muito nova e não acompanhei muito, sabe? Nunca tinha visto uma Olimpíada da forma como vi e vivi quatro anos depois. Então, aquilo que ele fez foi marcante para mim. Foi no dia que entrei na Vila e pude acompanhar a conquista dele lá. Aquilo ficou na minha cabeça", admite.

Mas o caminho não foi nada tranquilo. Se viu fora de Londres-2012 por uma posição. Chegou à Rio-2016 como favorita, mas problemas de alimentação durante o percurso a deixaram longe de um dos degraus. Foi um baque, mas resolveu se dar mais uma chance e encontrou em Bruno Fratus uma inspiração.

Assim como ela, o atleta tinha sofrido reveses duros. Por dois centésimos, viu o bronze escapar por entre os dedos nos 50m livre em Londres-2012. Quatro anos mais tarde, era tido como uma medalha certa, mas amargou o sexto lugar. Depois dali, ela teve de ser submetida a uma cirurgia de retirada do baço por conta de uma doença autoimune. Ele entrou em depressão e também precisou operar o ombro. Enfrentaram outros contratempos, mas ainda assim se recusaram a desistir. A única certeza que tinham era de que não poderiam deixar para fazer isso em Paris-2024. Na próxima edição, Ana terá 32 anos e Bruno 35. A hora era agora.

"Eu me inspirei desta vez em atletas que não conquistaram medalha e tentaram de novo. Fratus tinha batido na trave. Nesse último ciclo nós tivemos muito contato. Ele passou uma época morando no Rio e treinando comigo no Parque Aquático Maria Lenk. E eu vi o que ele estava fazendo, o quanto ele estava trabalhando. A gente estava na mesma pegada. Conversávamos muito, brincávamos e aquilo tornava mais leve o ambiente. Era um incentivo porque mesmo cansados, a gente estava se entregando no treino seguinte, os dois com o mesmo objetivo, com a mesma obstinação."

E com o mesmo final feliz. Ambos voltaram para casa carregando o objeto que mais cobiçavam na vida. Quando ele chorou com o bronze nas mãos, ela esperava sua vez de enfrentar as águas quentes do Odaiba Marine Park, que chegaram aos 29,3ºC na largada.

Ouro de Ana Marcela teve influência de Bruno Fratus e bilhetinhos da namorada - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Ouro de Ana Marcela teve influência de Bruno Fratus e bilhetinhos da namorada
Imagem: Reprodução/Instagram

Nada nem ninguém chegou perto de ameaçar a vitória de Ana Marcela. A prova, definida por ela como perfeita, não exigiu o "sprint final louco, quando você reza para a chegada chegar logo". Tudo estava sob controle. Mas, ela garante que se recebesse o ataque de alguma adversária, tinha fôlego e velocidade de sobra.

Tinha foco. Deixou de dar entrevistas por dois meses, se isolou, sumiu um tempo das redes sociais. Tinha em mente o pensamento que passou a exercitar desde que iniciou acompanhamento psicológico - após a decepção no Mundial de Xangai, em 2011: o ruim não vai se repetir, o bom pode vir de novo.

"Tudo o que acontece tem que ter sempre um lado bom. É isso que eu tento fazer, evito pensar nas coisas ruins. E a hora boa chegou. Eu me blindei muito", conta Ana Marcela.

Para cada um dos 63 dias que passou fora do Brasil, Ana Marcela incluiu na rotina abrir um potinho e pegar um dos 63 bilhetes feitos pela namorada, Maria Clara Fontoura. A escolha era aleatória, mas encaixava perfeitamente aos momentos que estava vivendo.

"Foi muito louco! O do dia depois da medalha foi algo como 'já deu certo'. E o de dia seguinte foi o desenho do pódio comigo em primeiro lugar. Quando eu estava no treinamento em altitude, tirei um escrito 'Estamos com você. Você tem força'. Tudo se encaixava... E deu tudo certo. Estou muito feliz!".