Todos querem ser Fadinha: escolinhas de skate lotam após medalhas em Tóquio
Adriana Del Ré
Colaboração para o UOL, em São Paulo
15/08/2021 04h00
O sucesso dos skatistas brasileiros nas Olimpíadas de Tóquio refletiu nas escolas de skate, que tiveram um boom de novos alunos nas últimas semanas. Em São Paulo, o Grito Skate Clube, localizado no Ipiranga, viu seu número de alunos aumentar consideravelmente desde a conquista das medalhas de prata de Kelvin Hoefler, Rayssa Leal e Pedro Barros.
"Depois do dia da Fadinha (Rayssa), só em uma semana 12 novos alunos procuraram a gente. No Instagram, recebemos em média de 3 a 4 mensagens por dia, e a gente consegue converter quase 100% em aulas", afirma o proprietário do Grito, Guilherme Tremante, de 44 anos, skatista desde os 13. Atualmente, a escola tem 52 alunos, a partir de 3 anos. A aula/hora custa R$ 70.
Clara, de 8 anos, entrou na escolinha um pouco antes do começo das Olimpíadas, justamente porque ficou sabendo que o skate estrearia como esporte olímpico. Ela começou a ver vídeos no YouTube das meninas do skate e descobriu Rayssa. "Achei legal e quis começar a fazer aula", disse. Ela entrou sem saber nada e agora já mostra segurança sobre quatro rodinhas. Hoje, o skate não só faz parte de sua programação de atividades da semana, como de seu dia a dia. Em casa, a garota está sempre com o skate embaixo dos pés - e até assiste à TV sentada nele.
"Durante a pandemia, Clara sofreu com crises de ansiedade. Ela foi para a natação. Só que a natação não chegou ao limite do que ela precisava. Meu filho é goleiro de futsal, treinador, e falou para ela fazer futebol, mas ela não quis. Quando Clara descobriu que o skate era esporte olímpico, falou para o irmão: quero fazer skate", conta a mãe de Clara, a secretária Graziela Ferreira Lima, de 44 anos. Seu irmão, então, indicou a escolinha que fica em frente ao local onde ele dá aulas. "Ela já quer fazer coisas mais difíceis, fica brava quando não consegue. Aqui virou uma segunda casa", completa a mãe.
Sonho de medalha
Eduardo, o Dudu, de 9 anos, desistiu do futebol para fazer skate, depois de ficar sabendo que o esporte se tornou olímpico. Desde os 4 anos, o garoto frequentava a escola de futebol e participava de competições. Veio a pandemia e as quadras fecharam. Em casa, Dudu descobriu vídeos de skatistas na internet e Rayssa no TikTok.
"Começaram a reabrir os espaços, foi chegando mais próximo das Olimpíadas. Perguntei se ele queria voltar para o futebol ou se gostaria de fazer outro esporte. Se quisesse judô, natação, que ficasse à vontade para escolher. Foi quando ele escolheu o skate", lembra o pai do garoto, o analista administrativo Eduardo Clemente Ribeiro, de 37 anos, que inscreveu Dudu no Grito e ele próprio voltou a andar de skate para acompanhar o filho. "Assistimos às competições do skate em casa. Ele quis assistir ao masculino, mas o foco principal era ver a Fadinha. Ele assistiu, torceu, vibrou."
Dudu já anda no skate com desenvoltura. Assim como Clara, gosta de desafios, é competitivo, e já sonha em conquistar uma medalha olímpica. "Eu era viciado em jogar futebol, aí vi na internet a Fadinha andando. Senti que era uma coisa legal, senti que ia ser desafiador, ia brincar, me divertir. Ganhei um skate. Comecei a andar, comecei a vir aqui para treinar. Hoje em dia, treino mais ainda, com mais esforço, para um dia chegar às Olimpíadas. Esse é meu sonho atualmente. Se a Rayssa foi, eu vou algum dia."
Felipe, de 6 anos, teve sua primeira aula de skate depois que as Olimpíadas já tinham começado. Ao final da primeira experiência, garantiu que não era difícil de aprender. "O skate ajuda a desenvolver psicomotricidade, equilíbrio", comenta sua mãe, a professora Fabiana Andrielli, de 43 anos. "Com as Olimpíadas, a visibilidade do skate aumentou muito, deu muita projeção para o esporte. Mostrou que há bons profissionais no Brasil, que não existe coisa de menino e de menina."
Instrutor há cerca de 2 meses na escolinha, o skatista Ricardo Matos Pereira, o Castor, de 40 anos, lotou sua agenda de alunos da noite para o dia. "Quando rolou a competição em que a Rayssa Leal levou a medalha de prata, bombou minha agenda, todo mundo chegando e falando da Fadinha. Está bem corrido para marcar, está tendo briga dos pais de alunos por horário", diz Castor, que trabalha numa empresa de informática de dia e dá aulas à noite. Atualmente, ele atende aproximadamente 30 alunos. "Tem lista de espera."
No Brasil Skate Camp, na Casa Verde, zona norte de São Paulo, a procura por aulas também cresceu. Criador do espaço, Cris Fernandes, 48 anos de idade e 35 de skate, conta que o número de alunos já vinha crescendo antes das Olimpíadas, mas que, com os medalhistas olímpicos, sobretudo Rayssa, houve um impulso ainda maior. "Ela causou esse alvoroço por aprender, por conhecer o mundo do skate. Estamos num momento bem legal. Acredito que vai se perpetuar por muito tempo", diz o skatista.
O local já contava com uma média de 60 alunos mensais e, por causa das Olimpíadas, passou a ter entre 80 e 90 alunos. "A gente imaginava que, com as Olimpíadas, ia dar essa movimentada grande. O skate oscila como qualquer outro esporte. Então, a gente sempre aproveita esses ciclos fortes, como o que está entrando agora", afirma Cris. As aulas podem ser feitas por alunos a partir de 5 anos. O valor da aula avulsa varia de R$ 90 a R$ 120; o pacote mensal custa de R$ 310 a R$ 450.
Em Poá, município de São Paulo, Armando Negrão Paiva, de 48 anos, decidiu colocar o filho Heitor, de 5, nas aulas de skate da ONG Social Skate por causa das Olimpíadas. O próprio Armando andou de skate durante dez anos, parou depois que começou a trabalhar, mas agora, no embalo, voltou a praticar também. "Assistimos à competição do Kelvin e da Rayssa, e ficamos emocionados. E ele já se via lá, no lugar deles. Se o Heitor quiser se dedicar mesmo ao skate, vai ter todo o apoio nosso", afirma Armando. Heitor faz o curso às segundas e quartas, e Armando conta que o filho gosta de chegar cedo à escolinha e ser o último a ir embora. "Está sendo muito legal", resume o garoto.
Fundada em 2011, a ONG Social Skate voltou a funcionar recentemente, depois de um longo período sem funcionar por causa da pandemia. Antes com uma média de 150 alunos cadastrados, as aulas só puderam ser retomadas com cerca de 65 crianças e adolescentes, que fazem parte da comunidade de baixa renda de Calmon Viana. Uma parte deles já era aluno da escolinha enquanto a outra parte começou a aulas após participar de uma "Olimpíada local" na semana anterior aos Jogos Olímpicos de Tóquio.
"Na hora que flexibilizar total, com todo mundo vacinado, a gente pode atender até 180 alunos", calcula o fundador da ONG, Sandro Soares, o Testinha, de 43 anos e skatista há 30. A tática é não ultrapassar esse número pensando nos recursos da ONG, que oferece aos alunos material, uniforme e alimentação. Reconhecida no meio e premiada por unir pedagogia, educação e skate, a ONG conta com o patrocínio da Nike e da Centauro.
Os Jogos Olímpicos de Tóquio colocaram a prática do skate — e a própria ONG — ainda mais em evidência na cidade. "A comunidade em geral achava que era para botar a galera para brincar de skate. Agora é: 'caramba, alguma pessoa dali pode ser a Fadinha daqui a uns anos'. Eles começaram a ver de outra forma, porque achavam que era brincadeira, passatempo, e passaram a ver como uma coisa mais séria", explicou Testinha.