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Teste de QI fez nadador se aceitar paralímpico e chegar ao ouro em 18 meses

Gabriel Bandeira comemora após vencer a final dos 100m borboleta da classe S14 - Miriam Jeske/CPB
Gabriel Bandeira comemora após vencer a final dos 100m borboleta da classe S14 Imagem: Miriam Jeske/CPB

Demétrio Vecchioli

Do UOL, em São Paulo

25/08/2021 11h52

Gabriel Bandeira nunca havia nadado uma prova internacional paralímpica até três meses atrás. Hoje (25), colocou no peito a sua primeira medalha de ouro dos Jogos Paralímpicos de Tóquio, e provavelmente não a única. Aos 21 anos, ele deixou para trás um preconceito da sociedade e dele próprio para se aceitar como uma pessoa com deficiência intelectual e, como consequência, entrar para o movimento paralímpico.

Nascido em Indaiatuba, no interior de São Paulo, Bill, como é conhecido no meio esportivo, tem o dom para ser nadador segundo o atual técnico dele, o também jovem Alexandre Vieira, de apenas 33 anos. Ao longo de toda juventude, buscou o sonho de ser um atleta olímpico, chegando a participar dos principais campeonatos nacionais de natação convencional até 2019, defendendo uma das maiores equipe do país, o Minas Tênis Clube, de Belo Horizonte (MG).

Foi lá que um dos técnicos da seleção brasileira paralímpica, Luis Antônio Cândido, conheceu Bill e identificou no nadador uma deficiência intelectual pelas dificuldades que ele mostrava ao acompanhar orientações dadas em treinos. Ele, porém, não demonstrava interesse em receber um diagnóstico. Mudou de ideia, porém, no fim de 2019, quando foi submetido a uma bateria de testes de QI (coeficiente de inteligência) conduzidos por um neuropsicólogo.

Nesses testes, que ficaram prontos no início de 2020, foi medido que o QI dele é abaixo de 75. Isso significa que o nadador tem uma deficiência intelectual e é, portanto, elegível para o esporte paralímpico, "O Gabriel tem um apoio muito grande da família dele, e tudo foi mais fácil para a aceitação porque a família aceitou antes dele. A família dele é muito top. São cabeça muito aberta, falam tranquilamente sobre todo tipo de assunto, sobre qualquer dificuldade que ele pode vir a enfrentar como deficiente", conta Alexandre Vieira.

A deficiência, porém, não tira a capacidade do nadador - que também foi diagnosticado com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) - de estudar ou tirar uma carteira de motorista, por exemplo. "Ele se virava bem na escola. Ele tinha dificuldade de prestar atenção, mas acompanhava turma, fazia aula de reforço, a avó incentivava. Nunca foi um problema para ele", explica o treinador.

Ao migrar para o esporte paralímpico, Gabriel deixou o Minas, que não tem uma equipe paralímpica, e aceitou o convite para se juntar ao time do Praia Clube, de Uberlândia, comandado por Alexandre. Logo na estreia, em fevereiro de 2020, em uma competição regional, bateu o recorde brasileiro da classe S14, única para deficientes intelectuais na natação, em quatro provas.

Mas aí veio a pandemia, o adiamento dos Jogos Paralímpicos e o cancelamento da etapa do circuito internacional realizada em São Paulo. O movimento paralímpico exige que um atleta passe por classificação funcional em um evento internacional e, para tornar Gabriel apto a disputar os Jogos de Tóquio, o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) precisou conseguir que o Brasil fosse aceito como convidado no Campeonato Europeu, disputado no fim de maio, em Portugal.

Em Funchal, no Europeu, Gabriel ganhou seis provas, das quais cinco são disputadas nos Jogos Paralímpicos, e estabeleceu seis novos recordes continentais. Então especialista no nado borboleta, ele já vinha treinando para usar sua ótima técnica de nado para também conseguir bons resultados em provas nos quatro estilos e também no medley.

Enfim apto pela classificação funcional realizada em Portugal, ele depois viria a alcançar os índices necessários na seletiva disputada em São Paulo. Classificado em cinco provas, chegou a Tóquio como um dos três melhores do mundo em todas elas e como forte candidato a ajudar o revezamento 4x100m livre misto a também subir ao pódio.

"O objetivo não é bater recorde, fazer melhor marca da vida, é brigar por medalha. Independente da prova, ele estar no pódio entre os três melhores. A prova mais difícil de ele conseguir isso é os 100m peito, mas mesmo assim ele tem grandes chances", acredita o técnico.

Se tudo der certo, Gabriel deve ocupar uma lacuna deixada, na natação paralímpica, pela desclassificação funcional de André Brasil, cuja deficiência física não o coloca mais em condições de ser elegível para o movimento paralímpico. André ganhou cinco medalhas tanto em Pequim-2008 quanto em Londres-2012, sendo quatro e três de ouro, respectivamente.