Brasil chega ao 100º ouro após transformar paralímpicos em política pública
O Brasil se tornou, nesta terça (31) do Japão, segunda no horário de Brasília (30), o 23º país a superar a barreira das 100 medalhas de ouro em Jogos Paralímpicos. O feito veio por meio do fundista Yeltsin Jacques, que ganhou o título dos 1500m T11, no atletismo, sua segunda conquista em Tóquio.
Realizando a quarta edição consecutiva entre os 10 primeiros colocados do quadro de medalhas, o país mudou de patamar no movimento paralímpico depois de obter a garantia de um financiamento estatal contínuo, previsto nas Lei Agnelo/Piva, das Loterias, de 2001, e agora colhe os frutos, crescendo em ritmo acelerado no ranking histórico de medalhas.
Se até então o Brasil havia conquistado 23 medalhas de ouro entre 1972, na Alemanha, em sua primeira participação, e os Jogos de Sydney-2000, quando subiu ao lugar mais alto do pódio seis vezes, já na primeira edição com financiamento público perene para o esporte paralímpico o país chegou a 14 medalhas de ouro em Atenas-2004. Depois foram 16 em Pequim, 21 em Londres, na melhor campanha da história, e 14 no Rio.
Em Tóquio, faltando ainda mais da metade das provas para serem realizadas, já são 13 medalhas de ouro, o que indica que um novo recorde pode ser estabelecido. E esse possível feito vem depois de mais um novo marco em relação ao financiamento público do movimento paralímpico. Se até 2015 o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) recebia 15% de uma fatia de 2% do arrecadado pelas Loterias, desde então o cálculo é de 37,04% de 2,7% do arrecadado.
Em números totais, isso significa que o CPB, que até 2015 tinha menos de R$ 40 milhões ao ano pela Lei Piva, passou a ter sempre mais de R$ 120 milhões. Só no ano passado foram R$ 163 milhões, de acordo com levantamento da Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados.
Com mais recursos para identificar atletas paralímpicos e treiná-los, o Brasil passou a ser menos dependente de superatletas como Daniel Dias (14 ouros), André Brasil (sete) e Clodoaldo Silva (sete), que estiveram presentes em pelo menos uma de cada quatro conquistas do país na história dos Jogos Paralímpicos. E, em Tóquio, vem mostrando um maior leque de opções de ouro.
Até aqui, 12 atletas diferentes conquistaram medalhas douradas, contra oito na Rio-2016 (mais uma equipe de bocha, o time de futebol de 5 e um revezamento do atletismo), onze em Londres e seis em Pequim (nas duas edições o Brasil também ganhou um ouro em duplas na bocha e outro no futebol de 5). No Japão, só Yeltsin, curiosamente o responsável pelo 100º ouro, ganhou mais de um.
E isso mesmo sem os três astros do esporte paralímpico brasileiro. Clodoaldo se aposentou, André Brasil foi reclassificado e tornado inelegível e Daniel Dias acabou superado por atletas reclassificados, ainda que já tenha faturado três medalhas de bronze. Ele se aposenta depois dessa Paralimpíada.
Individualmente, vêm na sequência da lista Luiz Cláudio Pereira, que ganhou seis medalhas entre 1984 e 1992 nas provas de campo do atletismo, Ádria Santos, velocista cega que brilhou entre 1996 e 2004 com quatro ouros, Dirceu Pinto, jogador de bocha que morreu ano passado de problemas cardíacos e que também tinha quatro ouros, e o ex-jogador de futebol de 5 Marquinhos. Lucas Prado (atletismo), Terezinha Guilhermina (atletismo) e outros quatro jogadores — Fábio Vasconcelos, Damião Robson, Jefinho e Ricardinho — têm três ouros cada.
Dos grandes campeões da história, só os três últimos, Lucas, Daniel e Antônio Tenório, seguem em atividade. O judoca, aos 50 anos, perdeu duas lutas e ficou no quinto lugar em Tóquio, mas promete continuar no esporte para lutar em Paris. Sem ele no pódio, o Brasil conheceu no Japão sua segunda judoca campeã paralímpica: Alana Maldonado, primeira mulher.
O atletismo, com 48 ouros, lidera a lista de modalidades que mais contribuíram para a lista de 100 títulos, mas a natação, com 36, aparece logo atrás. Até Tóquio, o Brasil só havia ganhado ouro em outros quatro esportes: bocha (seis), judô (quatro, sempre com Tenório), futebol de 5 (quatro) e esgrima em cadeia de rodas (um). Na atual edição a lista cresceu com o halterofilismo, graças ao ouro de Mariana D'Andrea.
No quadro de medalhas de todos os tempos, o Brasil atualmente é o 22º colocado, tendo ultrapassado este ano a Rússia (que só participou de cinco edições e tem seus atletas disputando Tóquio-2020 por uma equipe neutra) e agora o México, que também alcançou seu 100º ouro, ontem, e tem menos medalhas de prata. Os próximos da fila são Dinamarca (com 101, pode ser ultrapassada ainda hoje), Áustria e Noruega, países europeus que perderam força depois de 1992.
Aquela edição, de Barcelona, serviu como um marco para o movimento paralímpico, com o estímulo para a criação de comitês nacionais. Até então, os países eram representados por equipes enviadas por diversas associações de deficiências específicas: de cegos (ABDC), de cadeirantes ABRADECAR, de deficientes mentais (hoje chamados deficientes intelectuais), de amputados...
Foi assim que, em 1995, essas associações criaram o CPB, que teve sua primeira sede em Niterói, depois em Brasília, e agora funciona em uma moderna estrutura em São Paulo, construída como legado da Rio-2016. A entidade serve também de confederação nacional em modalidades como levantamento de peso, natação e atletismo.
A CBDV, dos deficientes visuais, cuida de modalidades como o goalball e o futebol de 5. A CBVD, do vôlei sentado. A ANDE, da bocha. A ABRC, do rúgbi em cadeira de rodas, a CBBC, do basquete em cadeira de rodas. Nas demais modalidades, como remo, tênis, tênis de mesa, taekwondo, canoagem, ciclismo, hipismo e tiro com arco, as confederações são as mesmas do esporte olímpico.
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