'Por que não ganhei uma medalha olímpica?': Sanderlei enfim tem a resposta
Do UOL, em São Paulo
12/07/2024 04h00
"Por que eu não ganhei uma medalha olímpica?"
Sanderlei Parrela se fez esta mesma pergunta, repetidamente, por anos. Buscou respostas no atletismo, nos rivais, na injusta suspensão por doping, naqueles 0s31 que o separaram do pódio dos 400m em Sydney-2000. Só foi encontrar um consolo no campo espiritual: "Era o que estava escrito para mim."
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"Confesso que no começo foi difícil encontrar uma resposta. Passei muitos anos pensando: 'Caramba, por que não fui medalhista?'. Mas era o que estava escrito para mim. Com o entendimento que hoje tenho da vida, até da parte religiosa, eu acredito que era o que tinha pra mim, era o que Deus tinha para mim naquele momento. Se eu tivesse sido medalhista, dificilmente eu seria treinador de atletismo hoje", diz Sanderlei.
O ciclo olímpico havia deixado claro que Sanderlei voltaria de Sydney com uma medalha no peito, fosse prata ou de bronze. Depois de estrear em Atlanta, aos 21 anos, chegaria ao auge na Austrália. Treinava nos EUA no grupo de Luiz Alberto de Oliveira, de onde saíam os grandes do atletismo brasileiro (Joaquim Cruz, o maior, Zequinha Barbosa, Agberto Guimarães...) e vinha em ótima forma.
Venceu oito provas internacionais em 1998 e, no ano seguinte, subiu ao pódio dos 15 meetings que disputou, coroando a temporada com a prata naquele Mundial de 1999. Ok, Michael Johnson, talvez o maior corredor da história, estava um passo adiante, já no finalzinho da carreira, mas a prata ou o bronze seria nossa.
Até que veio o anúncio de que Sanderlei havia caído no doping. Positivo para nandrolona, um esteroide anabolizante, a dois meses e meio dos Jogos. Uma suspensão que durou até 18 de setembro de 2000, três dias antes da primeira eliminatória dos 400m em Sydney.
"Na época eu morava nos EUA, fui pra Sydney faltando três dias para a prova, um fuso horário de 14 horas. O julgamento foi logo depois, e fui liberado. Deu tudo certo, mas tinha o jet lag. E o pior dia para o jet lag era o dia da final", lembra.
Sanderlei foi inocentado porque se provou que houve contaminação na amostra A que apontou o resultado analítico adverso. O Ph daquela amostra era de 7,3, enquanto o na prova B era de 5,2. O caso foi anulado e, Sanderlei, liberado para competir, mas sem a preparação adequada.
"Eu fiquei praticamente um mês, um mês e meio, sem conseguir treinar. É muito complicado, era a fase de defesa. Se eu consegui treinar faltando um mês para os Jogos foi muito. Meu treinador falava muito: 'Vamos acreditar, vai acontecer e você tem que estar preparado'. Graças a Deus eu tinha recursos para bancar o advogado, o bioquímico, minha defesa. Se não, teria sido suspenso e nem quarto colocado teria sido."
Até a suspensão, Sanderlei vinha sendo um reloginho. 44s8 no Ibero-Americano, 44s7 em Eugene, 44s6 em Portland, 44s7 em Atenas. Isso em junho, a dois meses e meio das Olimpíadas. Em Sydney, na melhor forma física, era se aproximar dos 44s29 do Mundial do ano anterior e correr para o abraço.
Mas, sem a preparação adequada, o brasileiro só conseguiu um 45s01 na final, terminando em quarto, atrás de Johnson, claro, do norte-americano Alvin Harrison (44s40) e do jamaicano Gregory Haughton (44s70).
"Você saber que não fez nada de errado, é duro. Eu tinha sido vice-campeão mundial, tinha tudo para ter ganho uma medalha. Lá atrás foi muito difícil de entender. Sinceramente hoje eu tenho tão resolvido na minha mente, mas lá atrás não era fácil. Dentro do atletismo, ser quarto nos Jogos Olímpicos é um feito grande? Com certeza, é fantástico, mas para Brasil não é. A gente está acostumado a lembrar do primeiro, e é isso. importante é eu saber o feito que eu fiz. Mudaria minha vida? Provavelmente mudaria. Fui vice-campeão mundial, que em termos de competitividade basicamente é a mesma coisa, mas não tem a repercussão. A dificuldade é a mesma, mas a divulgação, o retorno, o conhecimento, não tem nem comparação. As pessoas começam a entender o esporte quando chegam os Jogos Olímpicos."
Sanderlei sabe que ficou faltando um degrau em sua carreira. "Se você é campeão brasileiro, você é de um grupo. Ir para os Jogos é um grupo diferente. Se é finalista, você é excelente. Medalhista, você já é um cara fantástico. E bater um recorde do mundo é excepcional. Eu ia subir uma escalinha, um degrau."
Não acabou
Sanderlei lidaria com lesões nos anos seguintes e não conseguiria vaga em Atenas-2004. Sydney foi sua última chance de ser medalhista olímpico enquanto atleta, mas não a última de ser medalhista olímpico.
Seguindo os passos de Luiz Alberto, ele se tornou treinador e hoje é uma das referências do país nas distâncias de 400m e 400m com barreiras. "Só trabalho com essas distâncias, e essa foi uma escolha minha. É o que eu gosto. Adoro 800m, tenho uma baita experiência por causa do Luiz, mas minha paixão é 400m". Competitivo, também colocou outra limitação: só trabalha com atletas que ele entende que podem ser olímpicos.
Um desses atletas é visivelmente diferente, e Sanderlei percebeu isso desde que Matheus Lima tinha 15 anos. O treinador, baseado em São Paulo, foi dar uma clínica em Fortaleza e o garoto era um dos atletas que recebia aulas práticas.
"Ele era esperto, passei trabalho de coordenação e ele pegou rápido. Fiz uns testes e tentei trazê-lo (ao Pinheiros) logo em seguida. Só que ele era novo, e o tempo dele ainda não era bom. Mas fomos mantendo contato, até que deu certo. Quando eu bati o olho, não pensei: 'Vai ser medalhista olímpico'. Mas falei 'Esse cara é muito bom, se for trabalhado da forma certa esse moleque vai ser muito bom'. Isso foi em 2017."
E Matheus se mostrou muito bom. Desde que começou a treinar com Sanderlei, seus resultados cresceram exponencialmente. Ganhou o Pan, fez índice olímpico nos 400m rasos e nos 400m com barreiras e foi fundamental para classificar o Brasil às Olimpíadas no 4x400m masculino. Em Paris, deve abdicar da segunda prova, principalmente porque o 4x400m é concorrente no calendário e a primeira chance real de Sanderlei ser medalhista olímpico como treinador.
"Vou falar para você, o olho brilha. Ele tem o potencial físico, ele tem que melhorar muito ainda, mas ele tem a vontade do campeão. Ele tem a vontade do vencedor. Não é aquele negócio de quero ser. É um QUERO ser [Sanderlei impõe a voz]. O cara é alimentado por isso. Não é da boca para fora. O que me dá o brilho é enxergar que o cara fala que quer ser o melhor e ele faz por isso. Tem quem fala que quer e na primeira dificuldade o treino é difícil e tal. É um atleta ainda frágil fisicamente, mas está no caminho correto, que ainda é gigante."