Como funciona nova engrenagem que amplia proteção de atletas nas Olimpíadas
Os Jogos Olímpicos de Paris vão inaugurar uma nova engrenagem, desenvolvida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), que visa dar maior proteção a atletas, além de acolhimento em casos de violência e abuso. Entre as novidades está a criação de novos cargos nas delegações, ocupados por profissionais responsáveis por garantir a segurança dos envolvidos, especialmente atletas.
"A questão da violência, dos desvios de comportamento ético, isso é da sociedade, e também acontece no esporte, infelizmente. A gente não consegue ter uma bolha segura para o esporte, mas temos entendimento interno [no COB] de que a segurança no esporte é uma jornada: uma série de pequenas ações que vão contribuindo para a segurança, um despertar dentro da instituição", diz Soraya Carvalho, que é a safeguarding officer do Time Brasil.
O que isso significa? Ela, que é gerente do Instituto Olímpico Brasileiro (IOB) e líder da área de esporte seguro dentro do COB, é a pessoa responsável na missão brasileira, entre outras coisas, por garantir que o sistema de proteção de atletas vá funcionar.
"São quatro pilares, sempre com o atleta no centro. O primeiro está relacionado a política, procedimentos e fluxos. O segundo é voltado a ações de sensibilização e educacionais. Todo membro da delegação teve que fazer cinco cursos obrigatórios. A terceira ação é um canal de denúncia. E o quarto pilar é em relação à recepção, acolhimento e remediação", ela explica.
De acordo com Joanna Maranhão, ex-nadadora e hoje uma das líderes globais em defesa do esporte seguro, as discussões sobre o tema avançaram bastante dentro do COI no último ciclo olímpico.
"Eu acho que é meio motivado por escândalos do esporte de modo geral, e precisava de uma resposta. Mas o departamento de esporte seguro no COI cresceu muito. Não tem muito como esperar. O antidoping cresceu tanto que é um braço à parte do COI, manipulação de resultado tem um departamento dentro do COI só pra isso, faz parte do critério de elegibilidade. O próximo passo é esse cuidado com segurança e saúde mental", avalia.
Joanna é uma das pessoas à frente do Sports & Rights Alliance, uma organização da sociedade civil que conecta indivíduos e organizações impactadas por experiências de abuso no esporte. Nas últimas semanas, a entidade lançou uma campanha contra a inscrição, nas Olimpíadas, do jogador de vôlei de praia holandês Steven Van de Velde, condenado por estupro de uma menina de 12 anos em 2016.
"O critério de elegibilidade para os Jogos não trata nada de esporte seguro. As lutas contra a manipulação de resultado, o doping, a corrupção, são para defender o esporte, para o esporte ser limpo. Quando se fala de saúde mental e luta contra assédio e abuso, você prioriza o ser humano. É uma logica diferente do que a gente normalmente vê na integridade, e isso faz com que as instituições tenham resistência", analisa a ex-nadadora.
Ainda assim, ela elogia os avanços que o COI apresenta nessas Olimpíadas. Todas as delegações puderam credenciar pessoas extras, que têm responsabilidades com o esporte seguro, como forma de estimular que mais gente faça os cursos obrigatórios para essas funções. Pelo Brasil, Soraya é a safeguarding officer e os psicólogos Aline Wolff, Carla di Pierro e Eduardo Cillo são walfare officers, cargo que exige formação em saúde mental.
Nas reuniões de boas vindas à Vila Olímpica, o COB promete apresentar sempre seu protocolo de esporte seguro. Explicar o que fazer ao presenciar ou ouvir falar de um caso de violência ou assédio, qual o passo a passo. "A denúncia pode ser feita diretamente para mim, para o chefe de missão ou para o canal de ouvidoria e ética do COB, que funciona 24 horas por dia, sete dias por semana", diz Soraya.
Joanna demonstra preocupação com a efetividade desse sistema nos comitês olímpicos de forma geral. "Quando você passa por alguma situação de assédio ou abuso, você vai chegar para uma pessoa que não conhece direito e falar? O ecossistema tem que estar familiarizado com a pessoa para estar à vontade. Quando acontece algo, você conta para alguém próximo, não chega contando para o welfare officer. Tem muito comitê nacional nomeando gente só porque dá credencial extra para essas pessoas."
Ela reconhece que a construção desse processo é diária e leva anos, e elogia o fato de esses credenciados receberem qualificação dentro da Vila Olímpica. Joanna mesmo será uma das palestrantes, no dia 10.
A brasileira entende que a tendência é que, com esse sistema, a Vila Olímpica, que já era um lugar seguro, se torne ainda mais. "Eu acho a Vila Olímpica um dos lugares mais seguros do mundo. Existem regras, andar de mulher, andar de homem. Claro as pessoas estão suscetíveis a sofrer violência em qualquer lugar do mundo, incluindo o esporte, incluindo a Vila Olímpica. Eu acho que tem todos os marcadores para se tornar mais seguro ainda. Mas gosto muito de ter dados e gostaria que houvesse um relatório após Paris. A capacitação que o COI vai dar é importante, os comitês terem o welfare officer é importante, mas não pode ser só mais uma coisa para relatório de boa governança que na prática não faz nada."
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